Beating Heart escrita por Sah Cyrell


Capítulo 1
Prólogo




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As noites em Elworth eram tão comuns quanto suas manhãs. A pequena cidade inglesa no interior do país, com pouco movimento e população baixíssima, aparentava ser um lugar tranquilo para viver. O céu sempre estava cinza, e o seco vento frio balançava as árvores sem folhas. Todas as casas seguiam um padrão de pedras escuras e estrutura larga e achatada, e todos os moradores pareciam se conhecer.

No entanto, aquela noite em especial havia escolhido ser diferente. Uma das piores tempestades do ano de 1996 assolava o local com pancadas violentas e relâmpagos incandescentes. As ruas deveriam estar completamente vazias, ninguém em sã consciência dirigiria em uma situação daquelas, e ainda assim, um Lexus preto seguia em alta velocidade pela estrada, como um fugitivo tentando escapar de alguma cidade vizinha.

E era exatamente isso o que estava acontecendo.

- Anna... – O motorista, Jeremy Bennet, falou, com o maxilar trincado e o rosto pálido. A preocupação estava estampada em seu rosto. Não por correr em uma velocidade absurda em meio a uma chuva caótica, mas pelas duas passageiras que trazia em seu carro. – Você sabe que não posso ficar com ela. Minha filha mal nasceu e minha esposa está doente, e eu não posso tomar responsabilidade por três pessoas...

- Só continue a dirigir. – Anna respondeu, fechando os olhos com força para reprimir as lágrimas. Ela encostou a testa no vidro frio da janela, apertando com força o pequeno embrulho que carregava em seus braços. O tal embrulho insistia em se mexer, inquietamente, e soluçar baixinho.

Jeremy deixou um suspiro de irritação escapar. Ele não sabia aonde estavam indo, mas Anna era uma boa amiga. Uma boa amiga que havia se envolvido com pessoas erradas. Extremamente erradas. Mas ela merecia uma chance de consertar seus erros, ou pelo menos tentar arrumar parte deles, então continuou a dirigir, como ela havia pedido.

- É ali. – Ela falou, indicando a que provavelmente deveria ser a maior casa naquele pequeno trecho de mundo. Jeremy estacionou na frente da casa de paredes brancas e dois andares, e olhou para ela pelo canto do olho, a tensão doendo em sua cabeça e seus ombros, esperando que a qualquer momento uma granada explodisse ali e os matasse, ou homens armados aparecessem atirando contra eles.

Nada disso aconteceu, mas ver o que Anna havia se tornado era tão assustador quanto. Ela costumava ser uma linda mulher, Jeremy se lembrava dela em seus anos dourados de colegial. Agora, seus cabelos loiros, tão loiros que chegavam a ser quase brancos, estavam sem vida e caíam ao lado de seu rosto fino como uma cortina. Seus olhos azuis haviam perdido todo o brilho costumeiro. Seus lábios estavam roxos, feridos e rachados. Os braços frágeis traziam cicatrizes. Os mesmos braços que seguravam o bebê.

- Você precisa me prometer que irá cuidar dela. – Anna arrastou a voz, já embargada, e encarou Jeremy. – Não importa o que aconteça.

- Sei o que está pensando, Ann. – Jeremy esticou a mão e colocou sobre o joelho da amiga. – Mas você ficará segura também. As duas ficarão.

Anna balançou a cabeça, e as lágrimas com quem ela lutara tanto para reprimir, finalmente escorreram.

- Eu não ligo se vou sobreviver. Não ligo para a vida. Eu simplesmente não aguento mais. – Ela conseguiu dizer, baixinho. Jeremy baixou os olhos, querendo poder dizer algo para confortá-la, mas ele sabia que aquela mulher já estava cansada de tudo. Ele não podia ser hipócrita e mentiroso em dizer para ela que as coisas iriam melhorar.

- Eu prometo, Ann. Irei protegê-la.

Anna franziu os lábios e deu um meio sorriso doloroso. Então abriu a porta e puxou o casaco que usava para proteger o bebê da chuva, enquanto ela mesma ficava encharcada ao fazer o caminho até a casa. Ela cerrou o punho e bateu na porta com força o suficiente para que logo fosse aberta.

- O que está acontecen... Anna?

Christopher Wishart, o dono da casa, estava tão surpreso que mal conseguia raciocinar. Achou até mesmo que havia enlouquecido de tanto trabalhar de uma vez por todas e aquela era mais uma de suas alucinações. Como Anna Liddel poderia aparecer em sua vida novamente, depois de tantos anos? Ainda mais em uma noite como aquela?

- Oi, Chris.

Ela estava ali. Ela realmente estava ali.

- Por Deus, Anna, entre, olhe como você está... – Ele se apressou em dizer, mas cortou a si mesmo ao ver que ela trazia algo junto ao corpo, como se estivesse protegendo-o.

- Eu não vou entrar, mas, por favor... – Anna entregou seu embrulho para ele antes mesmo que ele pudesse dizer mais alguma coisa.

Christopher observou, sem compreender nada, a criança que agora estava em seus braços, enrolada em uma manta cor de rosa. A menina era pequena e pálida, com bochechas saltadas e estava chorando. O pouco cabelo que tinha era loiro, e seus olhos úmidos eram brilhantes, da cor de um céu de verão que Elworth nunca veria.

- O que... Anna, quem...? – Christopher não conseguia terminar suas frases. Ele alternava o olhar confuso entre a mãe e a filha.

- Eu sei que você não me perdoou por tê-lo deixado e eu não peço o seu perdão. – Disse Anna, tremendo com o frio. O vento continuava a açoitá-la. – Nem mesmo pelas outras coisas erradas que fiz. Mas, Chris, essa criança é diferente. Ela não merece o pai que tem. Ele nem ao menos seria digno de chegar perto dela. Ela é inocente. Ela merece uma vida.

Ele estava começando a entender o quê ela queria dizer, o pedido implícito em suas palavras. Ele imaginava como poderia explicar à sua família que iriam criar aquela menina porque, Christopher sabia, era o que ele faria.

Mesmo que tivesse se casado com uma mulher que amava de verdade, mesmo que os Wishart tivessem uma linda filha, Christopher sabia que Anna sempre teria um pedaço de seu coração. Ele não poderia negar aquele pedido a ela.

- Tudo bem. – Ele concordou, finalmente, esperando não ter cometido o pior erro de sua vida. – Mas, eu insisto, entre e se aqueça...

Anna sorriu para ele uma última vez. A sua última vez.

- Não precisa. Apenas cuide da minha menina. Você nunca mais irá ouvir sobre mim.

E foi assim que ela se despediu.

De Christopher, da menina, e sua vida.

Anna poderia ter tido uma vida longa e feliz. Mas não foi o ato de suicídio que a matou. Suas escolhas a mataram.


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