"Quanto tempo se passou desde que eu gosto de ti?
O meu sentimento apenas cresce dentro de mim...
Será que tu percebeste aquilo que eu sinto?
Eu nunca te contei acerca de mim..."

Desde que, por ordem do Grande-Mestre, fui mandado para a Sibéria, sinto que, aos poucos, algo se congela dentro de mim.

Não sou capaz de explicar o que é ou, se calhar, simplesmente não quero saber.

Sei apenas que é lento e sufocante.

Sinto-me mudar, e não impeço que isso aconteça. É preferível assim, pelo menos na minha opinião.

"E como a neve que cai silenciosamente
Apenas se acumula..."

“Se o meu coração congelar de uma vez, parará de bater?” - Pergunto-me ao ajoelhar-me para colocar mais lenha na fogueira dentro da pequena cabana.

Hyoga e Izaak já tinham ido dormir, e eu fiquei ali, mais uma noite a olhar distraidamente para as cores vivas do fogo.

Cores essas que me lembram de ti.

O movimento ondulante das chamas lembra-me das ondas do teu cabelo. Lembra-me de ti, com o teu ar alegre, com aquele teu sorriso gentil, e aquela tua mão quente a puxar-me para algum lugar.

Sorrio nos momentos em que me lembro de ti, mas esse sorriso é logo consumido pelas chamas da realidade.

E então, volto a lembrar-me daquele dia.

Algo que ainda não acreditava, era na minha pouca sorte. De todas as pessoas do santuário, tinha de ser eu o escolhido pelo grande mestre para ir para tão longe.

Mas tenho noção que, de facto, era o único que podia treinar alguém na Sibéria.

Mesmo tendo aceitado a ordem sem hesitar, o meu lado egoísta fez-me achar que essa decisão não tinha sido justa, mas eu coloquei isso de parte e cumpri o meu dever; não podia colocar um sentimento tão irrelevante à frente das minhas obrigações de cavaleiro.

Quando a ordem me foi dada, não soube como reagir, mas a aceitação foi praticamente imediata, e decidi ir-me embora do santuário o mais rápido possível.

Porquê? Não quero dizê-lo em voz alta, mas foi o que me levou a partir no dia seguinte sem avisar ninguém.

Assim, não tive de dar justificações a ninguém nem enfrentar despedidas demasiado emotivas.

E não queria, de maneira nenhuma, experimentar a angústia de me despedir de ti.

Patético.

" Abraça-me fortemente, se fosse para me sentir assim
Nunca deveria ter desejado,
Esta sensação de gostar de alguém...
Eu amo-te, as lágrimas não param
Desta forma era melhor
Nunca ter-te conhecido.... "

Levanto-me do chão e ando para perto da janela.

Enquanto penso no passado, olho através da vidraça, na esperança de te ver. Mas a noite está escura, e não há luz.

Faço isso mesmo sabendo perfeitamente que é impossível apareceres aqui, neste lugar remoto, tão escuro, tão frio.

Fecho os olhos e encosto a testa no vidro, soltando um leve suspiro.

Pergunto-me constantemente o porque de te ter sempre no pensamento, e no entanto, eu sei porquê. Posso mentir e nega-lo tanto quanto quiser, mas no fundo sei.

Como poderia não saber?

"Até quando ficarei a pensar em ti...?
O meu suspiro deixou o vidro embaciado...
Com a vela que ilumina o meu coração abalado
Tu não o queres derreter agora? "

Solto outro suspiro, que embacia o vidro um pouco mais. Volto a abrir os olhos e a olhar para fora da janela. Não há nada lá fora, apenas um monte de neve e um céu escuro.

“Eu não posso continuar a carregar uma fraqueza tão grande a vida inteira, sou um cavaleiro de Athena, não sou? Fraquezas deste género não são dignas de um cavaleiro.”

Assim que me tento convencer disso, sinto lágrimas a cair-me dos olhos e a escorregar-me lentamente pelas faces. Levo a mão ao rosto, e livro-me delas rapidamente.

Já é tarde, e estou a pensar em coisas que não devia pensar.

Decido ir dormir sobre o assunto, mas antes de o fazer, pego numa carta que te escrevi e guardo-a dentro da gaveta da mesa-de-cabeceira.

Era mais uma junta de muitas outras, que o meu coração covarde não se atreveu a enviar.

*
"Mantei-me apertada, como se me fosses partir,
Mesmo durante a tempestade de neve no inverno
Para que eu não sinta frio.
Eu sinto a tua falta, toda a vez que eu penso em ti.
Fico sozinha a abraçar....
Este cachecol que ainda não terminei... "
*

Passaram-se seis anos desde que aceitei a ordem do grande-mestre. Os treinamentos de Hyoga chegaram ao fim, e hoje encontro-me no navio em direcção a Atenas.

Não deve faltar muito para que o meu discípulo obtenha a armadura de cisne.

Encosto-me ao estrado da proa, e fico a observar o mar, abstraído de tudo. A caixa da armadura de aquário está no chão ao meu lado, ao lado da minha pequena bagagem.

Já estou longe da Sibéria, mas parece que o frio daquele lugar tinha vindo comigo, como se me estivesse entranhado na carne.

" Se existe a neve que cai eternamente,
Será que conseguirei esconder este sentimento de ti?

Tenho medo de voltar ao santuário.

Chegou-me aos ouvidos que as coisas não estavam como antes, mas não serão essas mudanças que me farão vacilar. O meu coração já não estremece, o gelo é inquebrável, alguém como eu nunca vacilaria por algo assim.

A única pessoa que seria capaz de o fazer tremer és tu.

Mas nunca irás saber.

" Abraça-me fortemente, se fosse para me sentir assim
Nunca deveria ter desejado, Esta sensação de gostar de alguém...
Eu amo-te, o meu sentimento apenas cresce no meu peito
Quero gritar ao céu do inverno
Que eu te quero encontrar agora...!"

Levanto os olhos e avisto ao longe aquele lugar.

Sim, estou a voltar.

Mesmo querendo muito voltar, não sei se devo.

Desde que coloquei os olhos sobre a bela paisagem grega, é como se décadas tivessem passado até ao meu desembarque.

" Abraça-me fortemente..."

Naquela altura desejei apenas uma coisa. Um desejo infantil e pouco digno para um cavaleiro: que nós não fossemos cavaleiros e sim pessoas normais, livres de viver da forma que quiséssemos.

Livres para tudo, mas principalmente, livres de poder amar.

Duvido que alguma vez o meu sentimento chegue até a ti, e, dos meus lábios, nenhuma palavra sairá.

No entanto, Milo...

"Eu Amo-te..."