Mutações escrita por Elisabeth Dias


Capítulo 1
Prólogo




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5º unidade federativa, 2053

– Michelle, cale a boca!- gritou Kevin, já de saco cheio com as reclamações de Michelle.

– Por quê? A gente não precisaria estar aqui, se não fosse por você. Esse lugar fede!- dizia Michelle ranzinza.

Ben se encontrava em um dos três grupos de rebeldes que faziam uma busca por armas. Fazia praticamente um mês que a guerra começou e os rebeldes não haviam de que se preocupar, até semana passada, quando tropas inimigas começaram a adentrar seus territórios. Como eles eram um grupo isolado da cidade que optou viver sobre suas próprias regras e de modo natural, não possuíam tecnologia para se proteger. A única ideia aceita por grande maioria foi a de Kevin, que sugeria que alguns grupos saíssem até a cidade e buscassem armas para a proteção do grupo, enquanto o restante esperava em abrigos subterrâneos.

Só havia um problema: A cidade se encontrava submersa em gases tóxicos liberados por naves inimigas. A população cidadã migrava para as fronteiras e países próximos, mas, mesmo assim, a cidade não estava vazia. Os contra-ataques eram constantes e eram revidados por armas biológicas. O exército e os fornecedores de armamento estavam presentes e, quando falamos em fornecimento de armas biológicas, a primeira coisa que nos vem à cabeça é: cientistas.

Nesse exato instante, o grupo de Ben, líder dos rebeldes, passava por uma entrada subterrânea rumo ao principal centro de pesquisas biocientíficas na cidade. Carlos, seu filho, havia feito um mapeamento da rede de esgotos da cidade e o canal que chegaria até lá e, infelizmente, esse era o único caminho que eles poderiam fazer sem estarem na mira do exercito ou morrerem intoxicados, ou seja, o subsolo era a melhor opção.

– O que? Você preferiria deixar seus familiares no abrigo até que a comida acabasse?- alguém do grupo pergunta num tom irônico.

– Até que as tropas inimigas passassem, pelo menos. Depois voltaríamos para a superfície.

– Michelle, entendo que você esteja irritada, mas pelo menos tente compreender que não sabemos quanto tempo isso tudo levará. Precisamos de proteção e, por enquanto, esse é o único jeito. - responde Ben em tom neutro e todos se silenciam, até mesmo Michelle.

– Tudo bem. Carlos, qual é o próximo passo?- ela pergunta, agora com a voz baixa a calma.

Haviam três caminhos. Carlos olha para o mapa e depois para todos com expressão confusa. Todos conseguiram deduzir por aquele olhar que havia algo errado. Kevin foi quem perguntou:

– O que houve garoto?

– Não era para nos deparamos com três caminhos à esquerda, era para desviarmos para direita.

– Como assim?- pergunta alguém.

– Pelos satélites dos cidadãos, foi isso que consegui. - ele dirige o mapa para todos, o que não adiantou muito, pois estava escuro, mesmo com as lanternas. - Não era para isso estar aí!- reclama.

– Vamos fazer o seguinte: vamos pelo caminho mais a direita dentre os caminhos à esquerda. Faz sentido para vocês?- Pergunta Lucas, o segundo menino mais novo do grupo. O primeiro era Carlos, de 13 anos.

– Eu tenho outra sugestão. - disse Kevin, olhando para Michelle esperando que ela o cortasse, mas isso não aconteceu. Involuntariamente ele lançou lhe um sorriso sarcástico. - Nos dividirmos.

– Não temos mais de um mapa.

– Alguém aqui é bom em decorar?- Kevin olha para todos, com esperança.

Carlos e Kevin foram pelo caminho do meio com um terço dos homens, enquanto Ben e Michelle seguiram os outros dois caminhos. O lugar continuava a feder, porém menos do que antes, Carlos não estava mais vomitando. Várias vezes alguém perguntava se já estavam chegando e o pior é que não tinha como saber, pois o mapa e o lugar não batiam. O mesmo aconteceu com os outros grupos.

No mesmo instante que alguém exclama num tom baixo “mas que infernos, será que nunca vamos chegar!”, ouvem- se vozes acima de suas cabeças. Pela frequente mudança de tom na voz, poderia dizer que era a voz de dois garotos pré-adolescentes e, analisando bem, a de dois ou mais homens os forçando a fazer algo. A voz dos homens quase não era notada, enquanto a dos meninos eram gritos desesperados.

O primeiro pensamento que veio a cabeça de Carlos foi o de fazer algo imediatamente. Mas então ele pensou no que seu pai lhe vivia falando, sobre pensar bem e fazer um plano antes de agir. Kevin parecia horrorizado sob as sombras do túnel escuro, mas se realmente era essa a sua expressão, não havia como saber.

Até que por fim, acharam acima de suas cabeças uma tampa de metal, provavelmente de um bueiro. Saíram um por um e viram que se encontravam em um pátio fechado, um estacionamento dentro da sede. Lá havia carros, containers e caminhões com o abastecimento pela metade. Do outro lado da sala, dois homens se aproximavam do caminhão com caixas de papelão.

E aconteceu a coisa mais inesperada possível. Ben e Ângelo, cada um escondido atrás de um container que era paralelo ao do outro, estenderam uma corda e fizeram os dois homens caírem. Assim que viram os homens no chão, pegaram cartões de prata nos bolsos deles e os amarraram com a corda.

Eles rapidamente avistaram o grupo saindo do bueiro e foram de encontro a eles. Ao contrário do que poderia se imaginar, Ben e Ângelo não estavam sujos e nem pareciam recém-saídos do esgoto. Estavam limpos e encharcados.

– O que houve com vocês? Cadê o resto do grupo? Acharam Michelle e os outros?- Kevin fez uma pergunta atrás da outra e Ângelo apenas o olhou impaciente.

– Primeiramente, vão tomar um banho, vocês estão fedendo. - Ângelo respondeu grosseiramente.

– Tem um pequeno laboratório ao lado com chuveiros. - informou Ben. - Estaremos aqui fora esperando, pois sem os cartões, não dá para adentrar a sede. O resto do nosso grupo já entrou e ainda não temos sinal algum do grupo de Michelle.

Logo após os homens terem jogado agua em si e tirado as galochas, amenizou bastante o cheiro de esgoto e eles puderam prosseguir. No interior do laboratório central a primeira coisa que notaram era a quantidade de portas no corredor, a segunda; o branco tão intenso que doía a vista. A grande pergunta era: entrar em qualquer uma das salas ou na principal?

Eles escolheram vasculhar pelo menos três andares até que se cansaram. Todos eles eram exatamente iguais com portas exatamente iguais.

– Que droga!- reclama Kevin.

– Kevin?- pergunta uma voz distante, feminina e familiar. Kevin passou a odiá-la depois de tanta reclamação.

– Michelle?- pergunta Ben. - Onde você esta?

– Venham aqui depressa, estamos no quarto andar.

Eles subiram e viram o grupo de Michelle ao redor dela e de Silas, um rebelde há pouco tempo. Os dois estavam desmontando a maçaneta de uma das portas. Assim que ela os vê, explica Silas identificou um sistema de reconhecimento digital e começou a desmontar a maçaneta para poderem entrar sem ela. Então, ele reconheceu uma forma de acharem a porta principal, que normalmente era a mais larga do laboratório. Nos fios da maçaneta havia um que era reconhecido por se conectar em série a outros sistemas, ou seja, ao sistema das outras portas. Podiam tanto servir para abri-las ao mesmo tempo quanto para deixa-las com o mesmo aspecto visual.

Rompendo esse fio, verificou-se a diferença, às vezes mínima e às vezes brutal de uma porta para a outra. Agora bastava achar a porta principal.

Todos se dividiram e Lucas foi quem a achou. Era a primeira do prédio. Gritando, todos foram até o primeiro andar e, vendo que ele não tinha aberto a porta, Silas a abriu. Dentro, era possível ver uma sala verde ciano, cientistas fugindo pelo duto de ar e alguns injetando uma seringa com líquido verde em si. Haviam dois garotos dopados em cadeiras cirúrgicas.

Todos ficaram pasmos com a cena. Carlos foi o primeiro a fazer alguma coisa; ele desamarrou os meninos e Lucas foi ajuda-lo. Ben foi de encontro com os cientistas das seringas que logo caíram no chão e, depois com os que iam para o duto de ar, que fecharam a abertura rapidamente.

Tudo aconteceu tão rápido que deixou todos confusos. Carlos e Lucas pediam ajuda de outros para carregar os meninos e os demais reviravam o lugar em busca de armamento. Atrás de uma parede falsa, se encontrava uma grande máquina que precisou de pelo menos cinco homens para ser arrastada. Ninguém sabia nada sobre ela, suas funções estavam em outra língua e não se via manual em lugar algum.

– O que fazemos com isso?- Ângelo perguntou.

– Levamos. - responde Ben.- Michelle, pegue os papéis das gavetas, podem ser úteis.

Michelle foi a ultima a sair do cômodo, com uma pilha enorme de papéis. Kevin a esperava na porta com um sorriso sarcástico e soltando frases como “quem foi que disse que isso não daria certo?!” e ela apenas o ignorava.

Com o grupo fora da cidade, eles puderam prosseguir em terra. A alguns quilômetros do abrigo, uma figura pequena e branca se aproxima do grupo. Era um menino roliço, de pele e cabelos pálidos e com um bonito par de olhos verde água. Mate, o filho mais novo de Ben, de 8 anos.

O menino estava apressado, chegou pegando a mão do pai e dizendo que havia uma emergência. Sua esposa estava para ter seu terceiro filho, mas dessa vez, uma menina. Ben deixou a tarefa nas mãos de Kevin e seguiu seu filho até o abrigo.

– Onde ela está?- ele pergunta assim que eles chegam.

– Dentro daquela sala.- o menino responde apontando para uma porta.

Ele foi correndo em direção a ela, até que uma mulher entra em sua frente:

– Espere, você não pode entrar aí.

– Por que não? A minha esposa está aí dentro, eu preciso vê-la.- Há um tom de urgência em sua voz.- Nós teremos uma menina.- um sorriso lhe escapa pelos lábios.

– Ben... eu sinto muito, muito mesmo. - Abaixa a cabeça e seu tom de voz não é mais alto que um grunhido.- Elas não resistiram.- O sorriso do homem robusto some, sendo substituído aos poucos por uma expressão de intensa tristeza. Ele cai de joelhos sobre o chão e começa a chorar.

Minutos depois, ele pede para ver a esposa e ela se move para longe da porta. Entrando no quarto, se depara com um lençol branco sobre uma pessoa. Ele o arrasta até poder ver seu rosto, agora pálido e frio e fica ajoelhado diante da cama, dá-lhe um beijo na testa e volta a cobrir o rosto. Ficaria mais tempo, se não ouvisse discussões do lado de fora; Kevin e Carlos estavam em frente a maquina gritando um com o outro.

Ele vai até o local e espera uma brecha.

– O que está acontecendo?- Todos imediatamente o encaram com expressões assustadas assim que o veem no meio da multidão.

– A máquina... quebrou no caminho, um dos homens derrubou.- foi Carlos quem respondeu depois de um longo tempo.

Na máquina, o reservatório de vidro que aparentemente não tinha nada estava parcialmente quebrado e o painel, que antes brilhava, agora estava apagado.


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Notas finais do capítulo

Obs¹.: Michelle é a única mulher do grupo e explicarei o porquê em breve. Obs².: Não caracterizei fisicamente os personagens nesse capítulo, mas na próxima citação a eles, farei( Foi intencional!).Obs³.: Lugar fictício.