Ela nem sequer precisa fechar os olhos para sonhar. Basta um leve suspiro e alguns milionésimos de segundo para ela estar em seu mundo particular, alheia a tudo a sua volta. Sorri quando olha para o céu... Maravilhada com a imensidão azul, deixa seus olhos vagarem sem rumo, se perdendo em meio as nuvens irregulares. Quando finalmente consegue fechar os olhos imagina como seria voar. Deixa o vento bater em seu rosto, levando seus cabelos castanhos, transformando-os em um emaranhado de fios flutuantes. Ela gostava quando isso acontecia. Sorriu quando sentiu o calor da luz do sol em seu rosto. Parecia que os raios brilhantes lhe acariciavam a pele... Porém, logo seu sorriso sumiu quando os raios carinhosos foram embora. A garota se sentiu abandonada coberta pela sombra que trouxera junto consigo uma brisa gélida.

Voltara para a realidade. Seus olhos perderam levemente o brilho sonhador, mas não completamente. Jamais abriria mão de seus sonhos. Apenas voltou para perto de seus amigos, no entanto, continuava pensando alto sem se importar com o mundo a sua volta. Ela sempre fazia isso...

- Ei, está me ouvindo? Oi! - exclamava um de seu amigo enquanto gesticulava com as mãos para tentar atrair a atenção da garota que estava mais preocupada com o fato de não saber voar do que com qualquer outro assunto típico de adolescentes. Mas resolveu responder.

- Desculpe. - Respondeu. Sua voz era fina e delicada, o tom de timidez era notável tanto na fala quanto nos gestos da menina, que estava com os ombros encolhidos. - Eu...só estava sonh...quero dizer, estava um pouco distraída.

Ela jamais contara a ninguém sobre seus devaneios. Tinha medo, timidez... Não queria que todos soubessem que ela vivia de sonhos, não queria que a chamassem de criança...Não era uma criança, apenas uma garota que gostava de sonhar. Suas bochechas arderam quando imaginou todos seus amigos rindo do fato de ela sonhar que está voando em seu próprio paraíso, com grandes asas brancas e com um belo sorriso no rosto. Com roupas brilhantes, como as mais belas fadas de suas histórias...Ela voava em busca de seu paraíso.

Ela podia ser tímida e calada, porém era mais forte e corajosa que muitas pessoas. Depois da aula, a garota voltou para o abrigo onde vivia. Suspirou e novamente se deixou levar pelos devaneios. Imaginava-se correndo em meio à um jardim terrivelmente grande e colorido, gargalhava como se fosse o dia mais feliz de sua vida.

De volta a realidade, um sorriso torto se formou em seus lábios cor-de-rosa. Aquele pequeno segundo em meio ao jardim colorido iria lhe dar forças para mais um dia de sua temível realidade. Com passos leves, caminhou delicadamente até a porta. Depois de dar uma leve batida, entrou. A casa não mudara em nada, continuava velha e podre. Caminhou até seu quarto ainda pensando no jardim. Seu coração bateu mais forte. Ela não estava na cozinha. Agora já não conseguia pensar no jardim maravilhoso, continuou com passos pesados até seu quarto, torcendo para que ela estivesse no banheiro ou em qualquer outro lugar da casa em que não fosse seu quarto. No entanto, quanto mais perto chegava de seu quarto, logo soube que encontrá-la seria inevitável. Suspirou e fez seu coração aceitar que aquela era sua realidade que não era possível abandoná-la. Finalmente chegara, a porta estava entreaberta...Mal sinal. Entrou e, como previu, avistou ela mexendo em suas coisas, ou melhor, em seu diário. Prendeu a respiração, alguém havia descoberto. Antes que pudesse dizer qualquer coisa, fora notada.

- Ah, você está aí! Aonde ficou a manhã toda!? - Gritou a responsável pelo abrigo onde morava, a mulher que a odiava.

- E-Eu...- A voz da menina falhava, mais ela era mais forte do que qualquer um e iria conseguir. - Eu estava na escola.

- Escola!? Eu não avisei que era pra você ficar pra limpar esse lugar!? Já viu como isso está uma imundície!?

- Desculpe. Eu tinha prova, não podia faltar. - Explicou. Mas, ela continuava a olhando com fúria, ainda segurava seu diário.

- Não perguntei o que você tinha na escola! Eu mandei você limpar esse lugar e é isso que você tinha que ter feito! Você é idiota por acaso? Não entende o que eu digo?!

- Entendo sim senhora.

- Ótimo! - Respondeu ela, ainda parecendo insatisfeita. A garota abaixou a cabeça, só queria seu diário de volta. Mas, para sua infelicidade, a mulher se lembrou do objeto que estava em suas mãos. Abriu o caderno e o folheou, começou a ler. A garota prendeu a respiração, estava tudo acabado.

A mulher soltou um grunhido de insatisfação e jogou o caderno na menina que logo colocou as mão a frente do rosto para de proteger. Gemeu ao sentir o caderno bater ruidosamente em suas mãos pequenas.

- Então é isso que você fica fazendo o fim de semana inteiro!? - Gritou. - Fica escrevendo bobagens de histórias e sonhos!?

- N-Não...

- Não o que!?

- Não são bobagens...- Disse com os olhos ardendo, sentiu as lágrimas se formando. Sabia que iria ser assim se alguém descobrisse seu mundo secreto. Ninguém entenderia.

- É claro que são bobagens! Porque você não toma vergonha e vai crescer, hein?

A menina não respondeu, estava ocupada demais engolindo os soluços e não deixando nenhuma lágrima descer pelo seu rosto corado. Era o modo de mostra como era mais forte do que muitas pessoas. A mulher olhou-a furiosamente mais uma vez e então saiu. A garota se abaixou e pegou seu diário colocando-o na escrivaninha velha que havia em seu quarto. Deitou-se em sua cama e fechou os olhos.

Agora estava flutuando em meio as estrelas, sentia que podia tocá-las. Estava tão maravilhada que mal tinha palavras. O incidente com a mulher ou a limpeza do abrigo era a última de suas preocupações agora. Seus olhos brilhavam de ansiedade e perplexidade quando começou a se aproximar gradativamente da estrela. Esticou os braços e fez o que jamais pensara: Tocou uma estrela.

Abriu os olhos e viu apenas seu velho quarto. Olhou no relógio velho que estava em cima de sua escrivaninha. Era de madrugada. O silêncio reinava ali, a essa hora todos dormiam. A garota porém não queria dormir, depois de tocar a estrela, sentia que podia fazer qualquer coisa.

Sorriu e jurou a si mesma que não desistiria, que não abriria mão de seus sonhos. Não derramaria lágrimas por ninguém que não ás merecia....Afinal, era uma garota forte e mostraria a todos sua força vivendo dia após dia com um sorriso no rosto. Viveria sonhando sem se importar com os outros...Seria corajosa e destemida, exatamente como em suas histórias...

Tudo estava ao seu alcance agora, e nada a impediria de ser quem ela sempre foi: Alguém que sonha em encontrar seu Paraíso...