O menino sem nome escrita por Laurent
Ele morava na esquina de uma avenida, todo sujo e maltrapilho. Os pés e as mãos vivam arranhados pelo concreto da calçada, mas ele não ligava para isso. Só queria comer.
— Me dá um dinheiro, moça, me dá um dinheiro moço — clamava ele. Mas as moças e os moços estavam ocupados demais checando seus relógios e fingindo que ele não existia.
Cinco reais era fortuna, e assim que conseguia o dinheiro, ele ia pra lojinha do lado comprar salgadinho. Mas o salgadinho acabava rápido, tão rápido, que não dava nem para o seu estômago dizer oi à comida.
— Me dá uma esmola — pedia ele. Ninguém dava nada. Se dava, era quase o mesmo que nada.
As filhinhas engomadinhas das madames encaravam-no como se fosse um delinquente. Quem sabe ele fosse mesmo.
— Onde é que estão os pais desse moleque? — perguntavam-se as donas de casa metidas à eu-sei-que-esse-menino-tá-passando-fome-mas-eu-vou-ignorá-lo-porque-eu-tenho-minha-própria-vida-e-ele-tem-a-dele.
O dia passava, o estômago apertava, a comida não vinha, a calçada era dura demais, ninguém ligava, ninguém mexia um dedo, ninguém fazia nada, ninguém tava nem aí.
E um novo dia chegava. O sol era quente, a pele do menino se queimava até ficar tostada. Os pés estavam imundos, a boca seca, as mãos rachadas.
— Me dá dinheiro, moça — implorou.
— Não tenho — dizia a moça. — Só tenho notas de vinte.
Notas de vinte que, mais tarde, seriam gastas em um punhado de coca cola, nuggets, batata frita, sorvete, torta e mais uma infinidade de coisas que iam encher a barrigona do filho gordo da moça.
— Me dá um dinheiro, moço — mas o moço não ouviu. Ou fingiu que não ouviu.
Como é que ninguém tinha dinheiro, mas todo mundo andava limpinho daquele jeito?
— Moço... moça...
Os moços e moças ignoravam.
Até que, certo dia, o menino viu um pedaço de pão no meio do asfalto. Correu o máximo que podia com sua fraqueza, e chegou até a comida. Parou ali mesmo, no meio da rua, e começou a devorar o pão.
Um carro veio, não freou, bateu no menino, o menino caiu, e não se mexeu mais. Uma parte do pão estava ainda meio apertada entre os dedos dele. A outra estava enfiada na boca, mal mastigada.
Veio um monte de gente até o lugar do acidente. “Pobre Menino”.
O motorista do carro era um velho. O velho teve um infarto quando viu que tinha matado uma criancinha, e daí chamaram a ambulância.
Os médicos levaram o corpo do menino e o velho para o hospital. O velho foi pra emergência, os médicos trataram dele, ele ficou bem.
O menino jazia frio no necrotério. Ninguém foi ver ele.
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