Impulsive. escrita por Juh


Capítulo 6
Pior do que recheio de bolo grudado no cabelo.




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— Capitulo VI —

— Pior do que recheio de bolo grudado no cabelo —

Começo a pensar em uma desculpa para dispensar Seth e dar o fora.

Porque, com toda a certeza, a última coisa que quero é ter algum tipo de relacionamento com o irmão mais novo do cara que acabei de descobri ser, de algum modo, relacionado comigo.

Ok, isso provavelmente soou um pouco estranho.

Deixe-me refazer essa frase.

A última coisa que quero é ter algum tipo de relacionamento com o irmão mais novo do cara com quem eu provavelmente deveria tentar criar algum tipo de relacionamento

É, desisto. Não há um jeito não estranho de formular essa frase.

— Seth? — chamo, esforçando-me para manter minha voz em um tom normal.

— Sim? — ele sorri.

Parando para pensar agora, realmente não consigo imaginar Seth como um cara mal. E, depois que se convive com o pessoal da Terceira Ordem, fica realmente difícil não desconfiar dos outros. Por isso, não sei se devo ficar aliviada por me sentir segura perto dele, ou assustada porque, afinal, ele pode ser apenas um Assassino bom o suficiente para me enganar.

— Mei? Ainda está aí? — Seth brinca, abanando a mão direita na frente do meu rosto.

— Ahn, claro — digo — o que eu ia perguntar era se... —

Paro. Sinto uma pontinha de dor nos olhos *e minha visão fica embaçada por um segundo. Preciso balançar a cabeça duas vezes para poder afastar a tontura, mas, quando abro os olhos de novo, o resto da minha frase simplesmente desaparece da minha mente.

São mais ou menos seis horas e vinte minutos da manhã. E, à medida que o sol muda de posição no céu, a sombra na qual Seth e eu estamos vai ficando menor, até que alguns raios de sol alcançam o cabelo dele.

Pisco, esfrego os olhos e até ando alguns passos, mudando meu ângulo de visão. Ainda não consigo acreditar.

— O que foi? — ele pergunta.

Não é a primeira vez que vejo um cabelo mudar de cor do nada, mas ainda assim é uma surpresa. Existem certos feitiços no Paraíso que conseguem mudar totalmente a aparência exterior de alguém. A Terceira Ordem tinha certo desprezo por esse tipo de feitiço. Afinal, os Assassinos são especializados em espionagem e camuflagem. A maioria deles treinou a vida toda para conseguir esconder totalmente a presença, então, para eles, esse tipo de feitiço é como um tipo de trapaça.

Fui ensinada pelo meu antigo Mestre, bem antes de entrar na Terceira Ordem, como reconhecer quando alguém está camuflando a própria aparência. Apesar de ser um feitiço particularmente forte, não há como conseguir realizá-lo de forma perfeita, a menos que você seja uma Feiticeira ou um Mago experiente. E até mesmo quando conjurado por um desses, ainda existem pequenas falhas nele.

Por isso, ao observar a forma como as mechas brancas do cabelo de Seth ficam loiras ao sol, sei que há algo errado.

— Esqueci. — minto. — Eu te vejo no almoço, então. Até!

Giro sobre os calcanhares, mas, antes que eu possa ir embora, Seth chama:

— Ei, espera... —

— Não se esqueça dos meus cheeseburgers!

___

— Kenny! — grito, abrindo caminho pelo corredor abarrotado de alunos.

Os olhos de Kenny se arregalam, e suas sobrancelhas erguem-se ligeiramente. Ela coloca uma mão na cintura, e se vira para mim.

— Mei?

— É, sua irmã, sabe? — ironizo.

Kenny rola os olhos.

— O que foi dessa vez? Bateu em alguém? Sua detenção começa hoje e você já meteu em outra confus... —

— Não é isso! — interrompo — Preciso te falar uma coisa.

A expressão dela fica quase imperceptivelmente mais séria.

— O que é? — pergunta, dessa vez num tom de voz um pouco mais baixo.

— É difícil de explicar. — falo. — Nem eu sei direito.

— O que quer dizer?

— É o Seth. — espero alguns segundos para ver se Kenny demonstra alguma reação, mas ela apena me encara, como se não tivesse idéia de quem estou falando. — O irmão mais novo do Johnny Roayout. — completo.

— Ah. — ela bufa, franzindo as sobrancelhas por instante. — O que tem ele?

— Ele... — começo, mas paro para olhar ao redor. Alguns alunos nos encaram de um modo que provavelmente julgam discreto. Uma menina parada apoiada na parede à nossa esquerda desvia o olhar rápido demais e engole em seco.

Suspiro. Em escolas onde mais da metade dos alunos são adolescentes loucos por uma fofoca, sei que qualquer coisa que eu disser agora vai se espalhar mais rápido do que uma noticia de jornal. E provavelmente recontado tantas vezes até que vire um boato totalmente sem sentido.

Mordo o lábio inferior.

— Ele me chamou para sair. — é tudo o que digo.

Kenny pisca.

A garota a nossa esquerda falha em reprimir um sorriso. Escuto quando ela desliza o celular para fora do bolso e tecla algo.

Dez segundos. Ding. Aviso de notificação.

Mas não tenho muito tempo para ficar com raiva dela, pois Kenny agarra meu pulso e me arrasta pelo corredor.

— Ei! — reclamo, tentando me desvencilhar. Infelizmente, Kenny é basicamente tão forte quanto eu, então vou acabar quebrando ambos os nossos pulsos se continuar. — Kenny, você ta deslocando meus ossos!

Abro a boca para protestar mais uma vez, mas minha atenção se desvia para placa azul acima da porta na qual Kenny parou em frente. Matemática.

Matemática na primeira aula do dia. Tresh.

— Kenny, você não precisa contar pro Tresh que... —

— Me contar o quê?

Putz.

Eu e Kenny nos viramos lentamente. Tresh está parado na nossa frente. Dois livros e um caderno seguros entre o antebraço e o peito e uma sobrancelha erguida tão alto que quase desaparece debaixo da franja.

Acerto as costelas dela com o cotovelo.

— E então? — Tresh pergunta, colocando um pirulito da boca.

Começo a pensar em uma desculpa. Qualquer uma. Tudo que eu não preciso é que Tresh dê uma de irmão super protetor.

Kenny sorri.

— A Mei arranjou um namorado! — fala, passando um braço pelos meus ombros.

Ouço Tresh quebrando o pirulito com os dentes.

—... Que?

Acerto um tapa na minha própria testa.

— Não arranjei! — grito, passando uma mão pelo cabelo. — Tecnicamente, eu só vou lanchar junto com ele... Argh, não é por isso que eu vim falar com vocês!

Kenny se vira para mim.

— Não?

— Não! — respondo — Por que eu correria todo o caminho até a ala do Ensino Médio só para te dizer isso?

— Sei lá, quem correu foi você, não eu. — ela diz, dando de ombros.

Grunho.

— Espera um pouco. — Tresh pede. — Você arranjou ou não um namorado?

Chuto a canela dele.

— Preciso falar com vocês sobre algo sério. — digo. — Algo sério de verdade. Vou buscar o Ryou, algum de vocês, por favor, liguem pro Matt.

E antes que eles tenham tempo de responder, dou meia volto e começo a correr de volta para ala do Ensino Fundamental.

Ouço Tresh suspirar, mas o som da risada de Kenny é mais alto.

____

— Eu já te vi, não precisa jogar uma maçã em mim. — Ryou fala assim que me aproximo dele.

Rolo os olhos.

— Pensei que você gostasse de maçãs. — digo, erguendo uma sobrancelha.

— E eu gosto. — Ryou sorri, enfiando as mãos nos bolsos. — Do gosto, não da sensação delas explodindo contra a minha cabeça.

Ele está apoiado nos armários, a bolsa estilo carteiro pendurada em um dos ombros, e três outros caras do time de basquete parados ao lado dele.

— Ei, Mei... — um deles anda na minha direção, colocando uma mão no pingente da corrente de prata pendurada no pescoço dele. — Já faz um tempinho, hein?

Volto meu olhar para ele.

— E quem é você mesmo? — pergunto.

Ryou cobre a boca com a mão, abafando um riso.

— Rick. — ele diz, sem parar de sorrir. — Você tem uma péssima memória para nomes, não é?

— Cara, eu falei com você duas vezes na vida. — falo. — E uma delas foi você me perguntando onde ficava o ginásio. Espera mesmo que eu lembre o seu nome? Ah, e oi.

— Neh, tanto faz. — Rick dá de ombros. — E eu só estava perguntando porque tinha acabado de me transferir, ok?

— Não ligo. — respondo. — Ah, ei Andrew.

Andrew sorri, acenando com a mão. Ele é o outro ala do time, e estuda nessa escola desde os 10 anos. Já até recebeu uma proposta para ser capitão do time antes de Tresh ser eleito, mas recusou. Ele é um cara bem legal, apesar de não falar muito.

Ah, e costumava ter uma queda pela Kenny. Digo, antes de começar a namorar uma das melhores alunas de Química do primeiro ano. É, tenho que admitir que eles formam um casal bem fofo.

— Enfim. — continuo. — Ryou, você vem comigo.

— Ué. — ele passa uma mecha de cabelo para trás da orelha. — Por quê?

— Porque... — ouço passos se aproximando, mas resolvo ignorar, porque provavelmente a pessoa ainda está alguns bons metros de mim. — a Kenny quer falar com a gente. — minto.

Ryou ergue uma sobrancelha, e sei que ele sabe que estou mentindo.

— OK. — ele responde mesmo assim. — Ah, oi Ashley

— E aí. — uma voz feminina responde, ao mesmo tempo em que sinto uma mão pousar no meu ombro.

Viro-me para Ashley, que está parada bem a minha esquerda, o mesmo sorriso de sempre estampado em seu rosto. Ela é vinte centímetros mais alta do que eu, e tem um longo cabelo loiro cacheado que quase sempre prende em um rabo de cavalo não muito apertado. Seus olhos são castanhos claros e ela possui um sorriso de dar inveja.

— Ei Ashley — cumprimento, acenando.

— Eu estava mesmo te procurando, Mei. — ela diz, retirando a mão do meu ombro. — Preciso que você me faça um favor.

— Ahn? Que favor? — indago, erguendo o rosto para encará-la.

— Bem... — ela começa, e pelo modo como coloca ambas as mãos atrás das costas e ergue as sobrancelhas, sei que coisa boa não é. — A Chris não pôde vir hoje, então meio que estamos sem reservas pro jogo de hoje.

— E...?

— Ah, qual é, Mei! Tenho quase certeza que você nem vai precisar entrar na quadra.

— Quase...?

— Por favor? — Ashley pede, se inclinando para ficar na minha altura.

Mesmo ainda estando no nono ano, Ashley é a capitã do time de vôlei feminino. ela foi eleita esse ano, mas eu — assim como todo o resto do time — ainda acho que a antiga capitã só estava esperando ela ficar velha o suficiente.

Alguns meses atrás, antes de uma partida contra outra escola, Ashley percebeu que o time não tinha reservas suficientes. Então, como esperado, Ryou bagunçou meu cabelo e disse alto o suficiente para todo o refeitório ouvir que eu estaria feliz em ajudar.

E, assim, eu acabei virando um tipo de reserva-reserva do time de vôlei feminino da escola.

Obrigada mesmo, Ryou.

— Tudo bem. — grunho. — Mas eu não trouxe meu uniforme.

Ashley sorri.

— Sem problemas, eu trouxe um extra! — responde, parecendo realmente aliviada por eu ter concordado.

Decido não comentar que estou bem longe de vestir o mesmo manequim que ela.

Ashley quase me esmaga em um abraço de urso, enquanto Ryou apenas ri da minha cara.

Você. — me esforço para falar, mesmo sem conseguir respirar direito.

— Eu? — ele responde, ainda sorrindo.

— Refeitório. — aceno com a cabeça para a porta.

— Você manda. — ele dá de ombros — Ashley, você vai quebrar as costelas dela.

Ashley me coloca no chão.

Dou um tapinha no ombro dela antes de dizer tchau e sair andando com Ryou a meu lado.

___

Ei, a voz de Kenny soa na minha cabeça.

O que? Penso.

Matt não pode vir agora, ela diz, e daqui a pouco o sinal vai tocar. Tresh e eu vamos esperar pelo Matt no estacionamento. Pode nos encontrar lá depois do jogo.

Sério?, bufo. Não sou lá uma grande fã de esperar. Principalmente quanto tenho algo tão sério para dizer. Mas infelizmente, acho que não tenho muita escolha. Tudo bem então. Até mais tarde.

Até.

Despacho Ryou para a sala dele, repetindo o que Kenny me disse, e enfio as mãos nos bolsos, andando em direção á sala da minha próxima aula.

Algumas cabeças se viram para mim quando entro na sala. Ando do modo mais discreto que consigo até o meu lugar e apoio os cotovelos na pequena bancada.

Meu parceiro de ciências mudou de cidade há dois meses. Desde então, a turma ficou com um número de alunos ímpar, e eu, sem colega de bancada.

— Bom dia alunos. — prof. Rosa diz, entrando na sala calmamente. — Estão todos presentes? Sim? Ótimo, então vamos começar logo a aula.

Me espreguiço um pouco, reprimindo um bocejo, e estico uma das mãos para alcançar as luvas de látex na ponta da bancada.

— Ah, eu quase me esqueci! — prof. Rosa exclama, parando de escrever no quadro.

Ela anda até a porta da sala, ajeitando os óculos que ocupam quase metade do rosto dela.

— Srta. Lancaster? Pode entrar, por favor? — fala, aparentemente para alguém no corredor.

Apoio meu rosto em uma mão, e dessa vez não consigo impedir a mim mesma de bocejar.

Uma garota entra na sala, seu rosto parcialmente escondido pelo cabelo. Prof. Rosa coloca uma mão no ombro dela e a guia até um ponto da sala onde toda a turma consegue enxergá-la, e a apresenta.

— Alunos, esta aqui é a sua mais nova colega de classe, Srta. Lancaster. Por motivos pessoais, ela teve que mudar de horários, e agora está na nossa turma. — alguns garotos se ajeitam para conseguir vê-la melhor, enquanto outras meninas cochicham entre si. Eu a encaro.

Ela não é muito mais alta do que eu, percebo. Mas os saltos da bota a fazem parecer bem maior do que provavelmente é. Seu cabelo é de um ruivo um pouco mais escuro e menos chamativo que o de Tresh, e completamente ondulado. Seus olhos são cor de mel. Ou pelo menos o direito é. A outra metade do seu rosto está quase completamente coberta pela franja. E ela também está vestida de um jeito bem parecido com o meu: calças jeans pretas parcialmente escondidas por botas escuras e desgastadas que quase chegam aos joelhos, uma camiseta larga e uma jaqueta. A dela, porém, é de algodão e de um vermelho extremamente berrante.

— Bem, já que a Srta. Charnell não tem parceira, você pode sentar com ela. — prof. Rosa instruí. — Ah, e seja bem-vinda, claro.

A garota sorri educadamente, e começa a andar na minha direção, ajeitando a alça da mochila preta sobre o ombro.

Afasto um pouco para o lado. Ela ajeita as coisas dela sobre a bancada.

— Oi. — ela diz, erguendo uma das mãos e afastando uma mecha de cabelo para atrás da orelha.

Para trás da orelha direita. O lado esquerdo, porém, continua escondido.

— E aí. — digo.

Inspiro lentamente. Ela tem cheiro de protetor solar, batom de morango, e algo que julgo ser camomila. Provavelmente vindo do cabelo dela, acho. Não sinto nenhum tipo de aura ou nada que indique que ela não seja mortal, então apenas relaxo os ombros, virando o rosto na direção dela.

— Você não parece ter catorze anos. — é a primeira coisa que consigo pensar.

Ela ri.

— E não tenho. — responde, brincando com o botão da caneta — Entrei um ano atrasada na escola e passei o último viajando.

— Um ano todo? — pergunto, erguendo as sobrancelhas, dessa vez realmente interessada. — Seus pais deixaram?

— Bem, meu pai deixou. — ela para por um momento, fechando o olho que consigo ver. — Duas semanas depois do meu aniversário de quinze anos, minha mãe morreu, e meu pai não é, bem, como posso dizer? Bom em expressar seus sentimentos, acho, então ele me levou em uma viagem para que eu pudesse “não me focar em coisas ruins”.

Observo a expressão dela por um momento. As pontas de seus lábios estão curvadas para baixo, e seu olho entreaberto, fitando a bancada, mas não parece... real. Com certeza não é um rosto feliz, mas é menos entristecido do que o que eu esperava de uma garota contando sobre a morte da mãe.

Bem, nunca cheguei a conhecer meus pais, então não tenho nenhuma idéia de como eu ficaria caso um deles morresse.

— E essa viagem ajudou a “não se focar”? — questiono.

Ela sorri. Seus lábios não se separam muito, mas consigo perceber como extremamente brancos os dentes dela são.

— Não sei direito. Mesmo hoje em dia, eu às vezes paro e penso sobre ela. Acho que o fato de nem eu nem meu pai fazemos o tipo “comunicativo” não ajudou muito. Passamos a maior parte do tempo na praia olhando para as pessoas brincarem, ou lendo.

Murmuro um “hum” sem abrir a boca, e procuro por um lápis no estojo.

— Sinto muito por você.

Não sei ao certo se o que estou dizendo é verdade. Quero dizer, com certeza deve ser triste perder um dos pais, mas o fato de que sei que nunca passarei por essa experiência me deixa um pouco sem saber o que falar. Na Terceira Ordem conheci novatos órfãos que conheceram os pais — até mesmo alguns que só estavam vivos porque eles haviam se sacrificado pelos filhos — e o olhar deles é uma das coisas mais tristes que já vi.

Mas não é como seu eu pudesse fazer algo por eles. Exceto, é claro, protegê-los de tudo o mais que tentassem machucá-los até que fossem fortes o suficiente para se defenderem sozinhos.

E isso eu fiz.

— Obrigada. — ela sussurra, tão baixo que duvido que pretendesse que eu escutasse.

Ficamos em silêncio enquanto prof. Rosa escreve a atividade de hoje no quadro.

— Ah, eu me esqueci de perguntar. — falo, abrindo um sorriso. — Qual é o seu nome?

Ela retribui o sorriso.

— Mel. E o seu?

— Mei. — antes de pensar de mais alguma coisa para dizer, olho para o caderno no qual ela está desenha — Ah, ei, então você sabe desenhar?

Mel imediatamente tenta cobrir o caderno com os antebraços.

— Ah, qual é! — brinco, acertando uma cotovelada de leve no ombro dela.

— Tudo bem, tudo bem. — ela desiste, suspirando.

Mel me entrega o caderno, desviando o olhar.

Uau...

Prof. Rosa ainda está de costas, e não tenho idéia de como Mael conseguiu captar os detalhes do rosto dela tão bem apenas nos poucos minutos em que se falaram.

— Acha que consegue me desenhar? — pergunto.

Prof. Rosa gira sobre os calcanhares, bate palmas para chamar a atenção da turma, e grita a página na qual devemos abrir os nossos livros. Mas Mel apenas sorri.

— Me dá esse caderno aqui.

E enquanto a aula prossegue, eu observo meu rosto sendo desenhado na folha do caderno da minha mais nova colega de bancada.

___

Surpreendentemente, ao invés dos meus irmãos, quem vem me encontrar na saída da sala é Ashley.

— Finalmente te encontrei! — ela exclama, imediatamente agarrando meu braço.

— Ei, ei, espera um pouco! — reclamo, agarrando a porta da sala para impedir que ela saia me arrastando — Pra quê tudo isso?

Mel não teve as aulas seguintes à da prof. Rosa comigo, então provavelmente terei que esperar até amanhã pêra ganhar meu desenho.

— Você precisa dar um abraço na Samantha! — ela continua, ainda tentando me puxar.

Ah, sim. Samantha é namorada do Andrew, e, por coincidência, irmã mais velha de Ashley. Acho que, quando você entra em um clube de esportes da escola, com todas essas coisas sobre campeonatos e reuniões de orçamento, você acaba se aproximando de pessoas de outros clubes também.

— Abraço? Por q... ah. — interrompo a mim mesma na metade da frase, resistindo ao impulso de acertar um tapa na minha testa.

Hoje é o aniversário de 16 anos da Sam.

— É. — Ashley rola os olhos. — Vamos logo antes que o almoço acab... —

Não a deixo terminar a frase. Aproveito o fato de que ela já está segurando meu braço, e começo a correr, puxando-a junto.

O refeitório já está completamente lotado quando chegamos.

Serpenteamos entre as mesas, desviando de alunos cujos objetivos parecem ser exatamente fazer os outros tropeçarem.

— Mei! — a voz de Sam exclama, vinda de uma mesa alguns metros à nossa frente, com os bancos totalmente ocupados.

E, antes que eu tenha tempo de responder, dois braços cercam meu pescoço e sou envolvida em um abraço tão apertado que quase tenho que bater no ombro dela e pedir tempo para respirar.

— Feliz aniversário. — digo, retribuindo o gesto.

— Obrigada! — ela responde, finalmente me largando.

Busco no meu bolso pelo presente, concordando distraidamente com a cabeça quando Andrew — parado ao lado de Sam — me pergunta se quero um pedaço de bolo.

— Aqui.

Entrego a caixinha retangular nas mãos dela, que rasgam o embrulho sem nenhuma cerimônia.

— Eu tenho outro presente pra você, mas está no meu armário, então quando eu for pegar minhas coisas para a próxima aula eu te entrego, ok? — explico.

— Não precisava de tudo isso... — ela responde, ainda mais distraidamente, abrindo a caixa. — Caramba, Mei. É... lindo!

Sorrio. Andrew desliza um pratinho de plástico com uma fatia de bolo na minha direção, erguendo o cabelo de Samantha com a mão livre para que ela consiga fechar o cordão.

Na verdade, quem escolheu o presente foi Kenny, mas fico feliz que ela tenha gostado. É um daqueles cordões duplos, com um coração como pingente do menor, e “Samantha” como do maior. Obviamente, o último ela teve que mandar fazer.

Sam amarra o cabelo castanho em um rabo de cavalo quase na mesma altura que o de Ashley. Seus olhos, da mesma cor, brilham por detrás dos óculos.

— Ei, olha quem chegou! — Rick, que eu nem percebi estar aqui, exclama, apontando para a porta do refeitório.

Olho por cima do ombro, apenas para ver Tresh, Ryou e Kenny passando pela porta. Seus olhares logo encontram nossa mesa, e Kenny acena, sorrindo. Enquanto ela e Ryou começam a andar na nossa direção, Tresh segue para a fila da cantina.

— Parabéns Sam. — Ryou diz, abrindo um dos seus sorrisos gigantescos.

Samantha não responde. Bem, provavelmente porque Kenny a aprendeu em um abraço e a está girando no ar nesse exato momento.

— Kenny, desse jeito ela vai vomitar. — Andrew observa, falhando em reprimir um sorriso.

Começo a rir também, porque apesar dos boatos que correm pela escola sobre uma Mei insensível, eu amo sim meus amigos.

Afinal, eles são os únicos que tenho.

Continuamos rindo e conversado, até que pelo menos metade do horário de almoço já se passou. Samantha tem glacê acima da boca como se fosse um bigode, Andrew, confete por todo o cabelo loiro, e Kenny e eu temos recheio de bolo grudado nas pontas do cabelo.

Depois de cinco minutos disputando com Rick por um lugar vago na mesa, sinto alguém me cutucar no ombro:

— Ei, Mei, aquele ali não é o seu namorado?

Consigo resistir ao impulso de acertar um tapa na cara de Samantha.

Estou prestes a responder que não tenho namorado, e que não faço idéia do que ela está falando, quando lembro que isso não é totalmente verdade.

Lentamente, giro sobre os calcanhares, meu olhar procurando a mesa na qual sei que ele está. Afinal, ele almoça com o irmão.

E Johnny não muda de mesa.

Putz. — falo, baixo o suficiente para que apenas eu mesa escute.

Mas consigo ouvir Kenny abafar uma risada.

— Cheguei, ainda tem bolo? — Tresh pergunta, se aproximando com uma barra de chocolate na mão esquerda — Hã, Mei? Tá tudo bem?

— Não necessariamente. — suspiro.

A mesa que fica no canto esquerdo do refeitório é sempre uma das mais vazias. Hoje não é diferente, já que apenas os dois irmãos Roayout estão almoçando nela.

— Já volto. — digo.

Mas, preciso resistir à vontade de girar sobre os calcanhares e dar meia volta quando vejo Seth dar uma mordida em um cheeseburger, afastando os outros três com a mão.

— Hã... ei? — chamo, me sentindo estranhamente desconfortável.

Seth se engasga.

— Mas o que... — Johnny gagueja, seus olhos arregalando-se — O que você fez?!

— Eu?! — grito de volta — Eu não fiz nada!

— Bem, alguém fez! E com certeza não fui eu! — ele retruca.

Argh! — Seth exclama, estapeando a mesa com força — Sabem, brigar na frente de alguém engasgado não é uma forma de ajudar!

Johnny cruza os braços.

— Desculpe. — digo, coçando a nuca.

Seth apenas me encara.

— Hã, bem... eu sei que eu estou um pouco atrasada mas... —

Seth fecha os olhos, suspirando.

— Quer um cheeseburger ou não? —pergunta, segurando um e erguendo na altura do meu rosto.

Sorrio. Mordo um pedaço do cheeseburger na mão dele, e sento-me ao seu lado.

— E então, como vai indo no time de basquete? — pergunto.

— Hã, ainda estou na reserva. — ele responde, desviando o olhar. — Mas o Tresh diz que se eu continuar me saindo bem nos treinos, posso ter uma chance de entrar na quadra no próximo jogo. — E você? O que tem feito?

— Hm... honestamente, nada. Quer dizer, eu tenho lido bastante nesses últimos dias, mas os deveres de casa tem me deixado bem ocupada nessas últimas semanas. — explico, dando outra mordida no hambúrguer — Ah, e vou jogar na partida de vôlei de hoje.

Seth para de mastigar. Por um segundo, tenho a impressão que ele se engasgou de novo.

— Você joga vôlei?

— Sim. — dou de ombros. — E basquete também. Eu só nunca tive nenhum interesse de participar de um time.

— O Johnny também joga vôlei, sabia? — Seth fala, sorrindo.

Acho que ele sorri mais do que fala.

Jogava. — Johnny corrige.

Apoio um cotovelo na mesa.

— E por quê não joga mais?

— Perdi o interesse. — ele dá de ombros. — E eu nunca te vi jogar, Charnell, tem certeza que não está mentindo? — completa, erguendo uma sobrancelha.

— Primeiro: você nunca me viu jogar porque provavelmente nunca colocou um pé dentro do ginásio sem ser na Educação Física. Segundo: Não, não estou mentindo. Eu não me esforçaria inventando uma mentira só para te enganar.

Johnny me encara por alguns segundos, as sobrancelhas erguidas levemente. Então, seus lábios se curvam em sorriso.

— Seth, sua namorada é muito engraçada. Não imaginei que estressar ela fosse tão fácil assim.

Derrubo meu cheeseburger na mesa.

O que?! — Seth exclama.

Bato minha testa na mesa.

Dessa vez, Johnny ri alto e espalhafatosamente. Ele se levanta preguiçosamente e enfia as mãos nos bolsos da calça, dizendo que vai ao banheiro.

E Seth e eu continuamos calados.

E, felizmente, é nesse momento que Ashley aparece.

E também é nesse momento que ela joga uma muda de roupas no meu colo, também.

— Vai se trocar, o jogo começa em quarenta minutos!

E, mesmo me sentindo mal por deixar Seth confuso, deixo Ashley me erguer pelos ombros e me arrastar para fora do refeitório.

___

— Você disse que eu ficaria na reserva! exclamo.

— Desculpa! — Ashley choraminga, ainda me puxando pelo braço, mas dessa vez em direção á quadra.

Grunho, mas não a impeço, porque apesar de toda a minha preguiça de falta total de ânimo para jogar, sei o quão essa partida é importante para ela.

Kenny, Ryou e Tresh passam por nós, nos desejando boa sorte, e correndo para conseguirem bons lugares na arquibancada. Kenny até me entrega uma liga de cabelo.

— Ei, o que vocês estão fazendo aqui? — pergunto ao avistar Seth e Johnny parados na entrada da quadra, aparentemente esperando alguém.

— Viemos torcer por você, ué. — Seth explica — E desejar boa sorte.

— Bem, obrigada. — respondo, colocando uma mão no quadril. — Mas se eu fosse vocês eu não ficaria aqui, daqui a pouco os lugares na arquibancada acabam. — aviso.

Seth concorda com um aceno de cabeça, e começa a andar em direção à quadra também, mas Johnny apenas abre um sorriso de lado, e se inclina — o suficiente para seus lábios estarem na altura da minha orelha — e sussurra, tão baixo que tenho certeza que fui a única que escutei:

— Pode continuar com essa farsa de namoradinha o quanto quiser. Mas não pense que eu não sei quem você é.

Franzo as sobrancelhas.

— Não pense que eu também não sei quem você é. — respondo.

Johnny ri. Mas seu sorriso não é nada amigável.

— É claro que você sabe. — ele responde. — Estou ansioso pra ver até quando você consegue bancar essa de garotinha apaixonada, Aprendiz.

Conhecer oficialmente Johnny Roayout foi pior do que ter recheio de bolo grudado no cabelo.


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Notas finais do capítulo

Dessa vez consegui diminuir o tamanho do título e.e
Talvez esse capitulo tenha parecido um poco "aleatório" mas eu precisava trabalhar esses personagens antes de seguir com a história.
E antes de mais nada, eu sei que é bem improvável mas, alguém aqui assistiu ou está assistindo A Lenda de Korra? EU AINDA NÃO SUPEREI AQUELE FINAL.
Enfim, até e.e



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