Impulsive. escrita por Juh


Capítulo 5
Salgadinhos de queijo e cheeseburgers de graça.


Notas iniciais do capítulo

E aí? Nem demorei tanto, né?
Enfim, espero que gostem do capitulo.



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— Capitulo V —

— Salgadinhos de queijo e cheeseburgers de graça. —

Vou espancar o Matt.

Vou espancá-lo até ele esquecer o próprio nome. Ou melhor, até ele esquecer a própria vida. Então poderei fazê-lo pensar que é uma garota, e conseguir uma foto dele com um vestido de bolinhas, e usar de chantagem para quando ele recuperar a memória.

— E aí, conhece o outro cara? — o amigo de Chris pergunta, ainda sorrindo.

Grunho.

— É — murmuro — pode apostar que conheço — estapeio a mão de Ryou que está no braço direito e concluo — me coloca no chão seu retardado, o Matt precisa de uns chutes no traseiro.

— Relaxa aí, nanica — ele ri — eu não acho que essa brincadeira vá durar muito tempo. Então só aproveita e assiste.

Chuto seu peito com o calcanhar, mas ele nem sequer vacila, então apenas suspiro, e cruzo os braços. Ainda estou erguida no ar, mas de outra de outra maneira, eu não seria capaz de enxergar a briga.

E, como Ryou disse, ela não dura muito tempo. Johnny acerta uma joelhada nas costelas de Matt, e consegue fazer com que ele o solte. Os alunos gritam, batem palmas, comemoram e pedem por mais, e eu rolo os olhos. Matt coloca a mão sobre área acertada, para ter certeza que não quebrou nenhum osso. Então, sorri, balançando os ombros e fecha a mão direita, preparando um soco.

Mas ele não tem tempo de acertá-lo no Roayout.

O punho de Matt é seguro no ar por uma mão menor e mais delicada do que a dele. Um som de decepção escapa da boca dos outros alunos. Eles sabem que o show acabou.

Kenny está parada entre os dois, segurando a mão de Matt com a própria. Os braços dos dois tremem como se estivessem em uma disputa e força silenciosa.

— Não disse? — Ryou dá de ombros.

— Eu devo informar que — ela ergue uma sobrancelha, um sorriso sarcástico discreto quase imperceptível nos lábios — é contra as regras da escola qualquer tipo de agressão física contra um aluno.

Ela solta a mão de Matt, que está visivelmente vermelha, e ele a enfia no bolso do jeans.

— Eu peço que me acompanhe até a sala do conselho — Kenny gira sobre os calcanhares, virando-se para encarar os dois irmãos Roayout — quanto à vocês... — ela suspira, encenando uma cara cansada — venham também. E torçam par que o diretor não esteja lá.

Tento impedir uma risada, ao mesmo tempo em que Ryou me coloca no chão. Tresh anda até nós, mas sem tirar os olhos do quarteto no centro da confusão.

— E é por isso que nós não te deixamos sair com o Matt — ele diz, passando um braço pelos meus ombros — se você já é assim desse jeito, imagina se passasse mais tempo com ele.

Rolo os olhos. No começo, eu até ficava um pouco irritada quando alguém me chamava de agressiva, mas, com o tempo, acho que simplesmente me acostumei. Sem falar que, claro, Tresh é meu irmão. Passamos três quartos e meio do nosso tempo xingando e zoando um ao outro.

Mei., voz de Kenny soa em minha mente. Olho para ela, que está casualmente andando em direção à sala do Conselho Estudantil. Suas mãos estão paradas ao lado do corpo, e seus olhos focados no caminho. Mesmo sabendo que estamos rodeados por adolescentes que muito provavelmente nem acreditam em magia, Kenny se obriga a ser impecável.

Oi?

O sinal vai bater daqui a pouco, podem ir direito para sala, graças à esses três, acho que vou ter que me atrasar um pouquinho.

Ok.

— Kenny disse que não precisamos esperá-la — digo, virando-me para Tresh e Ryou.

— Vou passar na sala dela antes de ir para a minha — Tresh diz, suspirando — explicar que talvez ela se atrase.

Andamos juntos até a saída do refeitório, e Tresh me abraça rapidamente antes de nos dar as costas e sair andando em direção à ala do Ensino Médio.

— Que aula nós temos agora? — pergunto.

— Literatura. Acho. — Ryou responde, depois de alguns longos segundos pensando.

Grunho, sem qualquer animação, mas o sigo pelo corredor lotado de alunos.

— Acha que a Kenny vai bater no Matt? — Ryou pergunta, quando paramos em frente aos nossos armários.

Sorrio, agarrando meu caderno com a capa quase completamente coberta de figurinhas.

— Com certeza — respondo.

___

— Ai, ai, ai! — Matt reclama — Você vai arrancar minha orelha!

— Não vou — Kenny responde, calmamente — se eu a arrancasse, você não poderia escutar o que tenho para dizer.

Tresh, Ryou e eu estamos ainda parados na porta da garagem. Assim que desceu do carro, Kenny agarrou a orelha de Matt e começou a puxá-lo em direção a porta da frente, e, sinceramente, assistir enquanto ele se contorce de dor é bem mais divertido do que entrar e fazer o dever de casa.

— Estou encrencado? — ele pergunta, fechando um dos olhos e tentando seu melhor sorriso.

Em reposta, Kenny puxa a orelha dele com mais força.

— Suponho que isso seja um sim. — digo, andando até eles.

— Sua compaixão me emociona. — diz Matt.

— Sua idiotice me surpreende. — respondo.

E Matt, em toda sua maturidade e respeito próprio, me mostra a língua.

— Kenny, sério, você vai deformar a orelha dele. — Tresh diz, parando ao meu lado.

— Não vou não.

— Kenny, ele está sangrando — Ryou observa.

Certo. — ela suspira, finalmente o soltando — Mas não pense que você se safou dessa.

— Eu nunca imaginaria algo assim. — Matt responde, rolando os olhos.

Ele leva a mão até a orelha, que, a propósito, está mesmo sangrando.

— Da próxima vez que for me dar uma plástica na orelha, pelo menos me deixa tirar os brincos antes. — reclama.

— Hm... — Kenny finge pensar — Não. — Então o agarra pelo braço e o arrasta para dentro de casa.

Suspiro.

Kenny e Matt são tão parecidos — tanto em personalidade quanto em aparência — que poderiam até serem confundidos com irmãos de sangue. Matt é alto, tem ombros nem muito largos nem muito estreitos, e um sorriso capaz de derreter o coração de quase qualquer garota. Seus olhos são tão verdes quanto os de Kenny, e parecem brilhar ainda mais quando ele ri. O cabelo dele segue o corte típico da Terceira Ordem.

Quando a ela foi criada, o Tribunal Escarlate tentou fazer com que seguissem exatamente as mesmas regras que o Exército Real segue. Isso já havia acontecido, uma vez, na história do Paraíso, porém, com a Segunda Ordem. Eles queriam fazer com as Feiticeiras agissem do mesmo modo que os Magos.

A diferença é que as três princesas gêmeas foram mais persuasivas do que agressivas. Elas conversaram calmamente com os Generais e deixaram claro que “suas idéias de comportamento eram simplesmente inconcebíveis”. Claro que elas fizeram isso sabendo muito bem que, se recebessem um “não” como resposta, poderiam congelar a cidade desde os esgotos até os pássaros que estivessem voando pelo lugar no momento.

Mas, ainda sim, mais persuasivas do que agressivas. A Terceira Ordem, como resposta às exigências do Reino, invadiu o Castelo Real à noite e cortou a garganta de cinco dos Capitães responsáveis pela segurança do lugar, depois, pendurou seus corpos em frente à bandeira principal, de modo que cobrissem a imagem do brasão.

O Tribunal Escarlate entendeu a mensagem.

Então, foi feito um acordo — que beneficiava muito mais os Assassinos. Eles poderiam burlar todas as regras que quisessem, contanto que não causassem grandes danos. Massacres, por exemplo, foram totalmente proibimos, a menos que fosse por ordem do próprio Reino. Em troca, e também em sinal de respeito, a Terceira Ordem concordou em uma coisa.

Como os membros do Exército Real, que mantinham um corte típico militar extremamente curto, os Assassinos também cortariam o cabelo à cada três semanas. Mas apenas uma parte dele.

E, foi assim que todos os membros da Terceira Ordem acabaram com um corte exatamente igual ao de Matt. Uma das metades — direita ou esquerda — cortada bem curta, e a outra solta livremente.

— Não acredito que já cortei meu cabelo assim. — murmuro para mim mesma, entrando em casa.

Dizer que não sinto muita falta dos anos em que trabalhei para a Terceira Ordem seria mentira. Porque não sinto absolutamente nenhuma falta.

— E então, o que tem a dizer em sua defesa? — Kenny indaga, colocando as mãos nos quadris, assim que Matt senta-se no sofá.

— Eu já expliquei — ele suspira — aqueles dois estavam falando mal de vocês!

— Falando mal? — repito — Tem certeza?

Mesmo sabendo que não conversei muito com Seth, ele não me parece o tipo de cara que fala mal de alguém que acabou de conhecer. Principalmente pelas costas. Mas, pensando bem, talvez seja melhor não confiar nele tão rápido.

— E o que ele disse? — Ryou pergunta.

— Bem...

E aí está. Matt nunca foi um bom mentiroso, então, assim que ele leva a mão até a nuca, sei que há alguma coisa mal-contada. Ele desvia o olhar, fitando a janela à nossa esquerda, e engole em seco.

— Talvez eu tenha interpretado um pouco mal — ele diz, suas bochechas — mas só um pouco.

Matt.

— Tudo bem, tudo bem. — ele grunhe — Quando eu estava entrando no refeitório, escutei o loirinho falando algo sobre uma Charnell, mas não estava prestando atenção. Pensei em pedir para que ele repetisse, mas aí o outro rolou os olhos e disse para ficar longe dela porque “os Charnells são encrenca”.

Pisco.

— Hum? E daí? — pergunto confusa — Nós somos encrenca.

— Sim, mas... —

—Está me dizendo que você bateu em um aluno simplesmente porque ele disse a verdade? — Kenny interrompe.

— Hã...

E é isso o que eu chamo de estar ferrado.

— Me dá seu celular. Agora. — ela manda, estendendo uma mão para ele.

— Mas... — Matt começa, pronto para protestar, mas parece pensar duas vezes — Hum. Certo. — então, tira o celular do bolso, e entrega para Kenny.

E, sem dizer mais nenhuma palavra, ela gira sobe os calcanhares e sobe as escadas. Ouvimos a porta do quarto fechando-se, e o som do celular de Matt sendo jogado no fundo do guarda-roupa.

— Mas eu sou o mais velho. — ele reclama.

— Heh, não esquenta — digo, cruzando os braços atrás da cabeça — eu também estou de castigo.

___

Eu queria estar dormindo.

Mas, infelizmente, não posso. Mesmo que não tenha falado com o Mestre que criou a mim e meus irmãos há três anos, ainda respeito boa parte dos ensinamentos que ele me deu. E, no momento, estou prestes a por em prática um deles.

Nunca fui boa em me meditação. Talvez porque sou impaciente, talvez simplesmente porque acho chato. Talvez por uma mistura dos dois.

Sento de pernas cruzadas no centro da cama e inspiro fundo uma vez antes de fechar os olhos. Esforço-me para me desligar de tudo ao redor, acalmo meus batimentos cardíacos, regulo minha respiração, e, aos poucos, os sons vão ficando mais distantes.

A última coisa que ouço é o de uma bola de basquete quicando. E então, tudo fica escuro.

___

Charnell?

A voz que chama meu nome está distorcida, como se eu estivesse falando comigo debaixo d’água.

Charnell! Charnell acorda! — sinto meu ombro sendo sacudido com força, e alguém esfrega um pedaço de pano no meu rosto.

Minha visão começa a clarear. Não consigo ver muita coisa, então suponho estar de noite. Isso, ou tem uma tempestade bem forte vindo por aí. Meu corpo se move sozinho, erguendo minha costa e sentando-me.

— O que eu houve? — minha voz diz, parecendo fraca — Quanto tempo fiquei desmaiada?

— Uns quatro minutos — o homem à minha frente responde.

Eu suspiro.

— Quantas perdas? — pergunto, estalando os dedos das mãos.

— Dois mortos e quatro feridos. Johan perdeu um braço. Alguns com ferimentos mais leves estão tentando estancar o sangramento. — ele diz, de modo rápido e claro, exatamente como relatórios devem ser.

— Certo. — digo — Mais alguma coisa que eu deva saber?

— A quantidade de monstros aumentou. Estamos numa estimativa de sete para um. Aparentemente, aquele grito que o líder deles soltou mais cedo foi uma espécie de chamado para os companheiros na floresta.

— Ache uma folha de papel e escreva isso do modo mais legível que conseguir. A Quinta Ordem vai amar saber disto.

Assim que me levanto, sinto a dor viajar pelos meus músculos. Há um corte feio e profundo no meu antebraço esquerdo, e meu pé está virado um pouco mais para o lado do que deveria.

— Sim senhora — ele diz, estendendo-me um cantil — mas e quanto aos monstros?

A água que desce pela minha garganta tem gosto de metal e está quente, mas eu não reclamo. Provavelmente, era a última que ele tinha.

Ao mesmo tempo em que tomo meu sobretudo das mãos dele e o visto, outro monstro surge no limite da floresta. Faço rápidas notas mentais. Cinco metros, garras afiadas, caninos longos e pelo negro. Com essa escuridão, não consigo enxergar a cor dos olhos, mas decido deixar esta para quando o matar.

— Apesar de sentir muito pelas duas mortes, não posso trazê-los de volta— falo, arrancando uma bandagem inconveniente — mas agora o número de monstros está favorável.

Ele parece engolir em seco.

— Favorável? Como assim? — pergunta.

Calculo por alguns segundos. As mortes das quais me lembro enquanto estava consciente e mais estas duas da quais ele me falou.

— Você disse sete para um, certo? — pergunto e ele concorda com a cabeça — Então, vou multiplicar as mortes que nosso time sofreu. Por cada um dos nossos, vou matar sete deles.

Tenho tempo de ver uma espada surgir em minha mão direita enquanto corro até o monstro.

___

Abro os olhos. Estou arfando, e minha visão está embaça. Uma pequena gota se suor escorre pela minha testa em direção à ponta do meu nariz.

Odeio visões.

Quando nosso Mestre ainda me ensinava, minhas visões variavam de ruins para péssimas. Agora, sozinha, elas não deixam a posição de horríveis. Quando Kenny terminava suas próprias sessões de meditação e vinha me contar como suas visões eram sempre boas e felizes, eu sorria escutava. Por dentro, minha raiva apenas crescia gradativamente.

Não de Kenny, mas de mim mesma. Todas minhas visões sempre tiveram a ver com a morte. Mesmo quando a única coisa que havia matado na vida havia sido um passarinho — e sem querer — esta única cena repetia-se em todas as minhas sessões. Quando Tresh me levou para caçar pela primeira vez e eu apanhei uma dezena inteira de peixes, meu repertório de visões passou a ser mais variado. Eu havia matado mais. Expandido minha coleção.

E, partir desse dia, ela só continuou a aumentar.

Geralmente, consigo manter minhas lembranças da Terceira Ordem sobre controle. Sei que nunca serei capaz de superá-la completamente, mas meus irmãos vêm me ajudando com isso.

Com Matt por perto, todas essas memórias tornam-se mais fortes. Tudo nele me lembra a Terceira Ordem, mas não posso culpá-lo por ser um Assassino. Ele só fez quis me proteger, e sou grata por isso. Além do mais, não é culpa dele que minhas sessões de meditação tenham sido sempre um fracasso.

Balanço a cabeça com força, e esfrego os olhos, levantando-me e andando até a janela. Tresh ainda está aqui, jogando basquete. Quando ele resolveu entrar no time da escola, Kenny imediatamente reclamou. Ela disse que seria injusto para qualquer time jogar contra um Antimortal.

Então, ele aprendeu a anular seus próprios sentidos. Bem, Kenny e eu o ajudamos um pouquinho, mas a maior parte do crédito é dele mesmo. O que quer dizer que, quando Tresh e Ryou estão na quadra, sua velocidade, força, audição, visão e todos os outros sentidos e habilidades, são exatamente iguais às de um humano normal.

Eles devem gostar mesmo de jogar para se colocaram em uma posição tão desconfortável.

Apoio um braço no parapeito interno da janela e o observo treinar. Mesmo com todos os sentidos “humanamente” bloqueados, Tresh ainda é muito rápido. Ele gira uma vez, finge um bloqueio, se abaixa como se estivesse passando por baixo do braço de outro jogador, toma impulso, pula e joga bola.

Cesta.

Tresh sorri. Leva uma das mãos até o rosto para limpar o suor, e a tatuagem em seu ombro direito parece ainda mais chamativa.

É diferente de uma tatuagem feita com tinta e agulha. Essas tendem a desbotar com o tempo, e acabam perdendo a beleza. Tatuagens do Paraíso são diferentes. Elas são marcadas com Magia. Algumas causam mais dor do que outras. Há aquelas que são feitas tão rápido que você nem percebe, a aquelas que parecem serem queimadas na sua pele.

A Marca dos Aprendizes está em um nível intermediário de dor.

É um esboço simples de uma visão frontal de um lobo. Apenas duas orelhas pontudas, e uma boca angular cheia de dentes com caninos bem grandes. A de Tresh é vermelho-sangue, quase da cor do cabelo dele.

Não sabemos muito bem para quê elas servem. Mas, quando estamos em perigo, ou prestes a morrermos, elas costumam brilhar e arder levemente. Nos ajuda, porque nos lembramos do nosso Mestre. É como se, por alguns segundos, ele estivesse ali, com a gente. Ajuda a não desistir.

Elas também desbloqueiam nossas Auras. Para qualquer Antimortal, desbloquear a própria Aura é algo complicado, e, muito possivelmente doloroso. Para nós, Aprendizes, assim que recebemos essa tatuagem, elas se desbloquearam automaticamente. Só tivemos que aprender a usá-las.

Não me lembro da última vez que minha tatuagem brilhou. Não que eu não tenha passado por situações de vida ou morte. Na verdade, situações assim acabaram se tornando uma rotina com o passar dos últimos três anos. Pergunto-me se é porque me acostumei com a idéia de morrer a qualquer momento, que ela não se manifesta mais. Talvez Mestre Soul pense que eu não precise mais dele.

Sem perceber, pouso minha mão sobre ela. Fica na minha barriga, no lado esquerdo, bem ao lado do umbigo. Para alguém como eu, que sempre usa roupas mais largas do que o próprio manequim, é o lugar perfeito para escondê-la. Roxa, minha cor favorita.

Sinto falta de poder contar com ela.

Pego uma toalha no guarda-roupa e saio do quarto, enxugando o rosto o melhor que posso. Kenny nunca soube sobre os meus problemas como sessões de meditação, e não tenho planos para contá-la tão cedo.

— Ei, ta com fome? — Matt pergunta, sentado no sofá.

Há uma tigela gigante de salgadinhos de queijo no colo dele, e um copo de refrigerante sobre a mesa de centro. Como sempre, Matt come com cuidado para não sujar nada.

Ele trocou as roupas pesadas com as quais veio de viagem por uma regata preta larga e uma calça de algodão cinza. Se existe uma coisa que Matt e eu compartilhamos, é a mania de usar pijamas no lugar das roupas normais sempre que possível.

— Aham. — respondo, sentando ao lado dele.

Então, nós ficamos aqui, sentados, assistindo desenhos animados e dividindo uma tigela de salgadinho. É um ótimo jeito de esquecer visões chatas do passado.

— E então? — ele pergunta de repente.

— E então o quê? — pergunto de volta, sem me importar com o fato de que estou com a boca cheia de comida.

— Qual sua relação com aquele garoto que eu bati hoje de manhã?

Matt é a sutileza em pessoa.

— O Seth? Nenhuma. — dou de ombros, voltando minha atenção para o desenho.

— Você sabe o nome dele. — ele insiste, me cutucando nas costelas — A Kenny não sabia.

— Ele é novato. — rolo os olhos — Por isso ela não sabia. Ninguém na escola sabia. Ele era só o “irmão mais novo do Roayout”.

Matt parece pensar por um momento.

— Bem, então ele arrumou um fama na escola com estilo.

— É. — sorrio, rolando os olhos — E você também.

— Por favor — Matt ergue uma sobrancelha para mim — eu não faço nada sem estilo.

Apanho um resto de molho de queijo no canto da boca com um salgadinho.

— Exceto comer.

— Exceto comer. — ele concorda, limpando a boca com um guardanapo para ter certeza que não há mais nenhum resto — Mas você ainda não respondeu a minha pergunta.

— Respondi sim. Nenhuma.

— Mas ele estava falando de você para o irmão. — Matt retruca.

— Eu derrubei o lanche dele. Será que agora poderíamos simplesmente calar a boca e assistirmos o desenho? Estou começando a realmente considerar a idéia de virar essa tigela na sua cabeça.

— Calei a boca. — ele brinca, erguendo as mãos em frente ao rosto.

Quando finalmente olhamos de volta para a TV, Kenny a puxa da tomada.

— Ei! — protestamos ao mesmo tempo.

— Quietos. — Kenny comanda, erguendo uma sobrancelha — Tresh! Ryou! Venham aqui!

Mal consigo ouvir direito os passos deles antes de Tresh abrir a porta da frente, entrando apressado em casa, e Ryou descer os degraus aos tropeços, quase caindo.

Ser super-rápido tem suas vantagens.

— Matt, quero que você nos diga uma coisa. — ela fala, sentando-se no chão.

Ryou a segue, apesar de manter uma distância segura. Kenny, apesar de ser a terceira mais velha, acabou assumindo um papel mais maternal na família. É ela quem dirige o carro, nos ajuda com os deveres, e, principalmente, cozinha. Por isso, quando ela fica séria, nos costumamos obedecer ao que ela fala.

— E o que é essa coisa? — ele pergunta.

— Quero que nos explique melhor essa história sobre uma das princesas gêmeas ter desaparecido.

— Ah. Isso. — os músculos nos ombros de Matt ficam tensos — Não há muito a ser dito, na verdade. Ela simplesmente desapareceu. Nenhuma das Feiticeiras viu, nem mesmo as irmãs.

— Mas eu pensei que elas fossem tipo, super unidas. — Ryou diz.

— E elas são. — ele responde — A cada cinco meses, elas precisam fortificar as fronteiras do Palácio de Gelo. Eu não sei ao certo como funciona, mas pelo que pesquisei, elas precisam se separar para fazer isso. Cada uma vai para uma torre diferente.

— E então? — Tresh incentiva.

— Princesa Judith não voltou. — ele suspira — As Feiticeiras procuraram por todo o Palácio de Gelo e arredores, até mesmo nos calabouços. É como se ela tivesse simplesmente... evaporado.

— Mas e agora? — Kenny pergunta, parecendo tão preocupada quanto quando Matt deu a notícia pela primeira vez — o Tribunal Escarlate ainda se recusa a mandar uma tropa de busca?

— Você sabe como eles são. — Matt ergue uma sobrancelha — Não vão mudar de idéia a menos que isso os afete.

— Eles são um bando de idiotas com a cabeça cheia de conceitos estúpidos sobre poder. — ela franze o nariz — Se as três não estiverem vivas a Ordem Natural de todo o univer... —

— É quebrada. — ele conclui — É eu sei disso. Agora diga isso para eles. Bem, a parte boa é que elas são espertas.

— Como assim? — pergunto.

— O que torna as Três Princesas de Gelo tão importantes é fato de que elas estão ali como últimas representantes de Katrya. O poder mágico delas é simplesmente imensurável. Elas podem partir o Paraíso ao meio se quiserem.

— Olha, com todas esses sinais de uma guerra vindo por aí, isso é extremamente reconfortante. — digo, rolando os olhos.

— Como eu dia dizendo... — Matt me acerta uma cotovelada no braço — As Três Princesas estão no comando da magia no Paraíso desde que Katrya... bem, desapareceu. Elas são extremamente fortes, sim. O que deveria torná-las insubstituíveis.

—... Deveria?

— Sim, deveria. E se elas encontrassem uma Feiticeira com a mesma quantidade de poder mágico que elas?

— E ela existe? — Kenny pergunta, parecendo surpresa.

— Supostamente, sim. São apenas boatos mas é melhor ter uma esperança pequena do que não ter nenhuma.

— Então, se ela existir mesmo... quer dizer que poderia ficar no lugar da princesa Judith até a encontrarem? — indago.

— Exatamente. Querendo ou não, ela é a nossa última esperança de que o Paraíso não entre em colapso. De acordo com tudo o que eu ouvi, a garota é praticamente invencível.

— Tá, mas e se ela não existir? — Ryou pergunta, quebrando totalmente o clima.

— Aí, meu querido irmão — falo — estamos ferrados.

____

Ouço o som dos passos de Seth antes mesmo de ouvir sua voz.

Até ontem, eu costumava “humanizar” meus sentidos quando vinha para escola. Para evitar incidentes indesejáveis, como correr rápido demais quando a moça da cantina avisa que hoje é dia de Cheeseburger e acabar quebrando a o balcão com o impacto da chegada.

Mas Matt no avisou que a partir de hoje, é bom que andemos sempre com nossos sentidos o mais ativado possível. Uma guerra iminente no Paraíso seria a melhor desculpa para que mais e mais Sleaners venham para Terra atrás da gente. E, acredite em mim, lutar com um deles no pátio da escola não está na minha lista de coisas que quero fazer.

— Ei, Mei!

— E aí. — respondo, sorrindo — nada de Johnny hoje?

Ele faz uma careta.

— Foi mal ter brigado com o seu irmão. — diz — Quer dizer, eu não sabia que era seu irmão. Se eu soubesse eu com certeza não teria brigado com ele. Digo, não que o fato de alguém não ser seu irmão me dê o direito de brigar com a pessoa, mas você entendeu, né?

— Acho que sim... — respondo, mesmo não tendo certeza.

— Ufa, que bom. Achei que fosse ficar com raiva de mim. — ele sorri, e parece realmente aliviado.

— Hã? Por que eu ficaria?

— Bem, meu irmão acertou um soco no seu irmão.

— E...?

— Hã, bem... não sei. Acho que pensei que porque você é menina e ele é seu irmão mais velho você ficaria com raiva. Você sabe, aquele lance de ser a caçula preocupar com os irmãos e tudo o mais?

— Eu sou a caçula e admiro meus irmãos — não é mentira — mas Matt se mete em brigas toda hora. Se eu ficar preocupada toda vez que ele leva um soco vou morrer do coração.

— Sério? — ele ri — Johnny não é muito do tipo brigão. Ele é mais na dele, sabe?

— Sei. — respondo — Eu sou irmã do Tresh também, sei muito bem o que é um irmão do tipo na dele.

— Tresh? — ele parece pensar por um momento — Tresh, o capitão do time de basquete?

— Yep. Nossa, mas você é péssimo com sobrenomes. Tresh Charnell. — respondo, sorrindo — Só falta você me dizer que não sabe que sou irmã da Kenny.

— Bem, você me falou sobre uma irmã, e eu já ouvi esse nome em algum lugar. Eu conheço essa Kenny?

— Cara, você conheceu ela ontem.

— Conheci?

— Ela te deu detenção! — estapeio minha própria testa. Por favor, ele tem que estar zoando com a minha cara.

— Ah... Ela é a Kenny? Vocês se parecem bastante.

— Sei disso. Mas acho que ela parece mais com o Matt do que comigo.

— Hm... é, acho que sim. Mas de qualquer jeito, eu queria te perguntar uma coisa. — ele diz, parecendo mais nervoso do que antes. Eu aceno com a cabeça, incentivando-o à continuar — É que, bem, minha detenção só começa amanhã, e eu ouvi dizer que hoje é dia de cheeseburger na lanchonete.

Cheeseburger? — repito, sentindo minha boca salivar — Ok, pode parar por aí. Se você quer que eu lanche com você, me compre três com bastante ketchup e maionese e eu penso no assunto.

Seth sorri.

— Fechado!

E, antes que eu tenha tempo de protestar, ele me esmaga em um abraço. Sou libertada cinco segundos depois, mas preciso de mais tempo para recuperar o ar que fugiu dos meus pulmões.

Minhas costelas... — murmuro. Para um humano, ele é bem forte.

Ouço passos vindos por trás de mim, mas tento não me virar. O pátio está cheio e preciso agir como se minha audição fosse normal, então, apenas ignoro.

— Ei, Seth.

Ou talvez fosse melhor não ter ignorado.

— Ah, ei Johnny! — Seth exclama, parecendo ainda estar comemorando o fato de eu ter aceitado lanchar com ele.

Giro sobre os calcanhares, pronta para encarar Johnny Roayout nos olhos e mostrar que ele não me assusta.

Só me esqueci de um detalhe. Sou alguns bons trina e cinco centímetros mais baixa que ele.

— Hã, oi? — ele pergunta.

— Heh, e aí. — respondo, me controlando para não chutar a canela dela e fazê-lo ficar na mesma altura que eu.

Os olhos dele parecem não terem certeza se devem olhar para mim, ou para Seth.

— Bem, eu só vim dizer que já estou indo para sala. — ele diz, ainda parecendo confuso — Nos vemos no almoço.

— Certo. — Seth concorda, automaticamente dando uma olhada no relógio para conferir quantos minutos faltam até o sinal bater — Ah, a Mei vai lanchar com a gente hoje, tudo bem?

— Mei...? — ele gesticula com as mãos, esperando Seth explicar.

Pigarreio discretamente, erguendo uma mão.

— Ah. — Johnny olha para mim, erguendo as sobrancelhas — Tudo bem. Até depois.

— Até.

Seth vira-se para mim, preparando-se para falar algo, mas uma coisa no braço de Johnny chama minha atenção. Geralmente, ele é tão apegado à sua jaqueta de couro quanto eu sou com a minha. Mas hoje ele não está vestindo-a.

Quando ele anda, movimentando os braços ao lado do corpo, a manga da camisa dele se meche. E toda vez que ela faz isso, tenho o vislumbre de algo amarelo desenhado nos músculos do braço direito dele.

— Mei? — Seth chama, balançando meu ombro.

Uma boca repleta de dentes e caninos longos.

— Oi. — giro sobre os calcanhares, virando de costas para a figura de Johnny que caminha em direção a ala do Ensino Médio.

Não preciso olhar o resto da tatuagem para saber o que é.

— Além de hambúrguer do que mais você gosta? Tem umas coisas bem maneiras no cardápio de hoje. A propósito, eu fiz amizade com a moça da cantina, então acho que ela pode preparar alguma coisa que você pedir, contanto que seja simples.

— Hm... Que tal umas batatas-fritas pra acompanhar? — pergunto.

Ótimo, descobri que o irmão mais velho do meu quase-encontro é um Aprendiz, e ganhei três cheeseburgers de graça.

— Boa idéia. — Seth concorda, animado.

Ah, e batatas-fritas também.


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Notas finais do capítulo

Até a próxima e.e



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