Impulsive. escrita por Juh


Capítulo 4
Irmãos super protetores às vezes são mais do que irritantes.


Notas iniciais do capítulo

Ok, eu demorei eras. Tá, não necessariamente eras, mas tudo bem. E eu não tenho realmente uma desculpa. Apenas que tive que reescrever esse capítulo várias e várias vezes, porque nunca ficava satisfeita com o resultado.
Mas enfim e.e



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— Capitulo IV —

— Irmãos super protetores às vezes são mais do que irritantes —

Chego ao prédio em cinquenta e quatro segundos.

Ou seja, seis segundos mais cedo do que prometi. Paro em frente às portas duplas de vidro temperado, e suspiro. A fechadura está trancada, e muito possivelmente enferrujada, o que quer dizer que não posso simplesmente arrombá-la.

Dobro a manga direita da jaqueta até o cotovelo e o ergo até a altura da minha cabeça. E então, o desço com força contra o vidro.

Crack.

A primeira rachadura aparece exatamente no ponto onde meu cotovelo acertou, seguida de outra, e outra, até que ele se parte de vez. Os cacos fazem um barulho engraçado quando encontram o chão, e balanço os pés para tirar os que caíram encima das minhas botas, esmagando-os assim que entro no prédio.

Percebo que, provavelmente, durante os anos que o lugar ficou abandonado, as janelas permaneceram fechadas, pois assim que ponho os pés no hall de entrada, preciso fazer um esforço maior para respirar. É quente, abafado, e sufocante, como um forno fechado.

Sinto algo passar por cima do meu pé, e ouço o som de pequenas patas se afastando para algum canto. Ratos.

Ok, eu posso lidar com isso. Suspiro, massageando minhas têmporas. Acho.

Até onde consigo ver, só há uma lâmpada. Mas ela não está em suas melhores condições. O modo como ela falha e volta novamente me lembra um daqueles enfeites de natal. Só que totalmente descompassado. Desvio o olhar, e me concentro no som à minha esquerda.

Goteiras. Não apenas à esquerda, como também à frente. Exatamente no mesmo local onde a lâmpada está. Ando um pouco, tentando não respirar a poeira que meus passos estão levantando, mas sem sucesso. Quanto mais perto da lâmpada eu chego, mais sufocada me sinto.

Tiro o celular do bolso de trás da calça e olho as horas. Ainda tenho um minuto.

Chego até a lâmpada, tomando cuidado em desviar da goteira, e olho ao redor. Consigo avistar uma porta grande um segundo antes da lâmpada falhar novamente e a luz ir embora. Franzo as sobrancelhas, tentando arranjar um pouco de paciência, mas então ela faz um barulho irritante de eletricidade, e pisca mais uma série de vezes.

Cerro os punhos, mordendo o lábio inferior com força, e agarro a maçaneta da porta com uma as mãos. O metal está coberto de poeira, e posso sentir os lugares onde ele já enferrujou.

Olho para o teto, percebendo que a luz foi embora de novo, e ergo uma sobrancelha, inspirando com força. Então, viro-me de volta para a escadaria à minha frente e subo o primeiro degrau.

Um segundo antes da lâmpada explodir atrás de mim.

Olho para o gigantesco lance de escadas à minha frente, e suspiro desanimada. Chuto o degrau à minha frente com a ponta da bota, e estalo o pescoço, me preparando para correr.

O prédio tem vinte andares, e eu estou no último degrau da escada que dá para a cobertura.

Seguro a maçaneta, abafando um bocejo com a outra mão.

— Certo... — murmuro, finalmente abrindo a porta.

O vento frio da noite acerta meu rosto, e eu inspiro profundamente. O único minuto que passei dentro do prédio foi o suficiente para me fazer sentir falto do ar puro.

— Hm... Oi? — pergunto para o nada.

Ok Mei, você já pode parar de bancar a idiota, penso.

— Olha só, eu corri todo o caminho até aqui, então acho melhor você aparecer antes que eu comece a chutar o ar até achar essa sua bunda inútil e covarde! — resmungo, irritada.

Sem resposta.

Respiro calmamente, tentando reunir toda a calma que não tenho. Massageio minhas têmporas com as pontas dos dedos, e fecho os olhos lentamente. Então, ando até o muro de proteção e observo a rua, vários metros abaixo.

Há três carros estacionados na rua. Dois deste lado da calçada, e um do outro. Alguém que julgo estar bêbado demais para ter algum senso do ridículo, entoa — ou ao menos tenta — uma música que não reconheço em meio aos soluços. Sorrio levemente, incapaz de contrariar o fato de que apesar de deplorável, a cena é engraçada.

Então ele tropeça em algo que, aparentemente, apenas ele consegue enxergar, e seu ombro bate com força no muro de uma loja. Ele abraça a garrafa de bebida perto do rosto, e a medida que suas pernas perdem as forças, vai deslizando até estar sentado no cimento sujo da calçada.

E é exatamente neste momento que ele começa a chorar.

Ergo as sobrancelhas, surpresa com uma mudança de humor tão repentina, mas logo desvio o olhar. Não vim aqui para observar bêbados solitários resmungando contra a injustiça do mundo. Não é da minha conta.

Giro sobre os calcanhares, ficando de costa para a vista da rua, e apoio meus cotovelos no muro.

— E então? — pergunto, erguendo uma sobrancelha — Vai aparecer ou... —

Não tenho tempo de terminar minha frase. Ouço o som do ar sendo cortado por algo, e todos os meus sentidos gritam: Cuidado!

Desvio facilmente, apenas deslizando meu pé de apoio no chão e girando para longe do lugar onde antes estava parada. Olho para o muro onde, exatamente no mesmo local onde um segundo atrás estivera minha perna, há uma longa faca cravada.

— Eu não sei você, mas... eu não vim aqui para brincar de esconde-esconde — digo, estalando os dedos.

Ouço uma risada seca.

— Prepotente como sempre... — uma voz masculina e rouca, diz, de algum lugar que não consigo adivinhar.

— Obrigada pela parte que me toca — sorrio, balançando os ombros — mas eu agradeceria ainda mais se você fizesse o favor de mostrar essa sua cara logo, para que eu possa chutá-la até que ninguém mais a reconheça. Se bem que, se você faz tanta questão de mantê-la escondida, é porque ela já deve ser horrível o suficiente.

Sem resposta. De novo.

Olho para o chão coberto de poeira e suspiro, me perguntando internamente o que fazer em seguida. Então, algo chama minha atenção. Há algo na maneira como os grãos de poeira sobem, mais rápido do que a corrente leve de ar os levantaria. Também há algo no modo como eles se separam, deixando lacunas evidentes no piso. Meu cérebro começa a trabalhar mais rápido, juntando as peças do quebra-cabeça.

Pegadas.

Tão fácil. Uso um de meus pés para tomar impulso, e pulo na direção que meus olhos estão fitando. Fecho minha mão e um punho e a jogo com força no ar. Ponto. Acerto algo sólido, e, pela altura em que estou, julgo ser um crânio. Mas não preciso pensar sobre isso agora.

Urgh. — é tudo o que ouço a voz soltar.

Não enxergo a faca até percebê-la cravada em meu ombro. Meu sangue escorre livremente sobre minhas roupas, e sinto a dor se espalhar pelo meu corpo. Ela é exatamente igual à que está cravada no muro, e parece fincar-se cada vez mais fundo na minha carne à medida que os segundos passam.

— Impulsividade na maioria das vezes, acarreta grandes consequências — ele diz, em tom de deboche.

Mas eu apenas sorrio. Agradeço por estar usando minha jaqueta antiga, e não a que Kenny me deu apenas alguns meses atrás. Afinal, aquela jaqueta é bem maneira.

Agarro o cabo da faca com a mão direita, e sem ao menos piscar, a arranco com um movimento rápido.

A dor piora um pouco, mas nada pelo qual eu já não tenha passado antes. a giro no ar algumas vezes, e por fim, esfrego-a contra meu jeans para limpar o sangue e impedi-lo de secar sobre a lâmina.

A jogo de uma mão para outra, testando o peso, e percebo que ela é um pouco leve demais. Porém, me contento com ela, já que não tenho outra opção.

— Sabe — começo — obrigada pelo presente.

A verdade é que odeio lutar de mãos vazias. Porque, primeiro: sempre fui acostumada à lutar com espadas; e segundo: meus punhos são pequenos, meus braços, curtos. E mesmo com a minha velocidade, lutar apenas com chutes me dá a sensação de que estou restringida.

— Você tem cinco segundos para aparecer — aviso — antes que eu mude de idéia e corte sua garganta agora mesmo.

Sou obrigada a tapar meu nariz com a mão quando uma nuvem forte de poeira se ergue, acertando meus olhos diretamente.

— Ei! — protesto — Você poderia ter avisa... —

Imediatamente, reconheço quem está parado à minha frente. Apesar de que os dois anos de cadeia o mudaram mais do que eu achava ser possível. Mas ele é o tipo de cara que faz com que todas as partes do seu corpo gritem “corra!” assim que olha nos seus olhos.

O cabelo preto cresceu, já estando na metade da costa. Mas o olhar continua o mesmo. Doentiamente calmo e inexpressivo. O que contradiz totalmente com o sorriso idiota estampado no rosto.

— Enquanto era torturado, eu imaginei centenas de futuros para você, Aprendiz — ele fala lentamente, caminhando na minha direção — mas nunca me passou pela cabeça um no qual você se rebaixaria à... — uma mão enluvada agarra meu queixo firmemente, me forçando a olhar para cima — isso.

— Extremamente foda e capaz de quebrar a sua cara em dois segundos? — debocho — Ah, espera, eu já era assim antes. É por isso que você estava na cadeia, lembra?

Ele ri.

— Você não faz ideia de quão irritante a sua voz é — a mão dele que está livre sobe até meu rosto, e sinto o tecido que cobre seus dedos deslizarem pela minha pele— será que devo fazer um favor a todos, e arrancar suas cordas vocais?

— Será que devo fazer um favor a você mesmo e te chutar para dentro de uma cela? — pergunto — Ops, te chutar para dentro de uma cela, de novo?

Apesar da minha resposta, uma gota de suor escorre pela lateral do meu rosto. A mão dele está perigosamente perto da minha garganta, e consigo sentir minha cicatriz começar a doer levemente.

— Hm... então você ainda tem isso? — minha testa é empurrada para trás com força, e sou forçada a dobrar o pescoço — O presente que o Palácio de Gelo te deu?

— Pelo menos é bem melhor do que a humilhação que eles te deram, não? — consigo responder.

E, antes que ele tenha tempo de encostar na pele do meu pescoço, seguro o pulso da mão que está segurando o meu queixo, e o quebro. Então, seguro o ombro dele com uma mão, o uso de apoio, e salto, dando uma joelhada em seu braço logo em seguida. Ele vacila por um momento, quase perdendo o equilíbrio.

Antes de eu sentar sobre os ombros dele.

Esta é uma das inúmeras vantagens em ser pequena.

— Ei...!

Agarro o queixo dele com uma mão, e o topo da cabeça com a outra.

— Tchau, tchau — sorrio, levantando uma das mãos por tempo suficiente para balançar meus dedos em um sinal sutil de “adeus”.

Creck!

Pulo um segundo antes do corpo tombar no chão.

Limpo minhas mãos no jeans — o que não faz muito sentido, já que ele está encharcado do sangue que estava na faca — e suspiro pesadamente. Ando até o muro, retirando a faca que estava cravada, e enfio no bolso interno da jaqueta, depois, olho para a que está jogada no chão, e percebo que nem ao menos precisei usá-la. Guarda-a também.

Agarro parte de trás da gola da camisa dele, e o arrasto em direção à porta. Subitamente, percebo uma coisa sobre a qual não tive tempo de pensar enquanto lutávamos. Olho por cima do ombro para o corpo e pisco.

Qual era o nome dele mesmo?

Dou de ombros, começando a descer as escadas, e imediatamente sou tomada pela sensação de estar dentro de um forno. Atravesso o hall correndo, sentido lâminas balançarem em meu bolso, e acabo pisando em um rato sem querer. Ele faz um barulho alto esquisito, e chego até a cogitar pedir desculpas.

Quando chego à calçada, consigo finalmente respirar direito. Mas assim que olho por cima do ombro, e avisto os cacos de vidro despedaçados no chão, engulo em seco. Agarro o celular com a mão livre, e aperto a discagem rápida.

— Kenny? — chamo.

Mei! — ela grita do outro lado da linha, parecendo aliviada — Onde voc... —

— No prédio abandonado à alguns quarteirões da escola — respondo.

Ouço seus passos descendo as escadas enquanto ela responde:

? Por quê?

— Quando você chegar aqui eu explico tudo direitinho — digo — agora, preciso que você venha me buscar.

Ok — Kenny diz, e consigo ouvir ela agarrando as chaves do carro — espero que dessa vez você não tenha arrumado nenhuma encrenca, hein. — e então ela encerra chamada.

— É — suspiro — eu também espero.

____

Achei você, pestinha.

Abro os olhos lentamente, tentando lutar contra o sono, e avisto uma mão estendida bem ao frente ao meu rosto. Ergo o olhar, e reconheço os o rosto de Kenny.

— Finalmente — digo, agarrando a mão dela — achei que fosse ter que dormir na rua.

— Eu deveria te fazer dormir na rua mesmo — ela diz, franzindo as sobrancelhas — você faz ideia de quão preocupados nós ficamos?

— Foi mal, foi mal — me espreguiço, esticando bem os braços acima da cabeça.

— Agora a senhorita me responde — Kenny suspira, parecendo estressada — por que tem um cadáver deitado do seu lado? E por que é que as suas roupas estão completamente manchadas de sangue?

— Ah. Sabe a faca que o Tresh encontrou na escola? — pergunto, ao que ela faz que sim com a cabeça — pois é — enfio a mão no bolso da jaqueta, puxando as outras duas.

— Ele...? — Kenny ergue o dedo indicador para o corpo deitado na calçada, erguendo as sobrancelhas como se perguntasse “ta falando sério?”.

— Aham — dou de ombros — mas não foi por isso que eu te chamei aqui.

— E por que foi? — ela pergunta, se inclinado para levantá-lo do chão.

Kenny abre a porta de trás do carro, e o coloca cuidadosamente lá dentro, como se ele fosse um doente, e não um cadáver. Então, enfia a mão dentro do porta-luvas e retira uma toalha pequena, jogando-a sobre o rosto dele sem seguida.

— Eu meio que estraçalhei aquela porta — continuo, sem saber exatamente o que falar — na pressa, sabe.

Dessa vez, é para mim que ela ergue uma sobrancelha.

Kenny olha ao redor, inspecionando cada prédio. Por sorte, esta é uma área pouco movimentada da cidade, formada quase completamente por sobrados caindo aos pedaços e prédios abandonados. Também há algumas pensões, e pequenos comércios, mas nada realmente chamativo.

— Você tem sorte de não haver nenhuma câmera por perto — diz, massageando as têmporas — agora sai da frente.

Deslizo para longe do que já foi a porta, e observo Kenny. Ela ergue uma das mãos, estendo-a em direção aos cacos de vidro. Então fecha os olhos calmamente, e vira a palmada mão para cima, erguendo o dedo indicador lentamente.

E os pedaços de vidros se erguem do chão. Um a um, eles se organizam nos exatos lugares onde estavam antes de serem quebrados, colando-se uns aos outros, e formando novamente a porta destruída. Pisco. E aí está ela, novinha em folha — ou pelo menos tão nova quanto estava antes.

Vendo Kenny em ação, não posso deixar de pensar na frase que nosso Mestre sempre repetia para ela quando errava alguma lição. “Magia é a arte de moldar a realidade”. E logo depois de dizer isso, ele passava quanto tempo fosse necessário ajudando-a aprender seja lá o que ela estivesse com dificuldade.

Graças à ele, os Magos estavam dispostos a aceitar Kenny na Quarta Ordem mesmo se ela não quisesse fazer o teste de iniciação.

— Prontinho — ela diz, girando, abrindo os olhos.

— Valeu, Kenny — digo, me virando para abraçá-la.

— “Valeu” uma vírgula — e então, minha tentativa de abraço é impedida por um peteleco na testa.

— Ham? — pergunto, seguindo Kenny para dentro do carro.

Sento no banco do passageiro, enquanto ela termina de colocar o cinto.

— Está de castigo, moçinha.

___

— Então... — Ryou começa, oferecendo uma mordida do hambúrguer dele — essa história de castigo é pra valer mesmo?

— Aparentemente, sim — respondo, recusando — se não tem pelo menos três fatias de queijo, não aproxime essa coisa de mim.

— Ok — ele ri, dando de ombros — por falar nisso, cadê seu lanche?

— Vou esperar a fila diminuir — digo — se eu entrar lá nesse humor é bem capaz que eu mate alguém.

Ryou apenas ri, dando outra mordida no hambúrguer dele.

Estamos sentados em umas das mesas no fundo do refeitório, esperando Kenny e Tresh, que provavelmente estão cuidando de algo relacionado ao grêmio estudantil/time de basquete, o que faz com que a única coisa que Ryou e eu podemos fazer seja basicamente esperar por eles.

Impeço um bocejo, cobrindo minha boca com a mão.

— Não conseguiu dormir direito? — Ryou zomba — Será que é por causa daquela cadáver-não-tão-cadaver abrigado no quarto de hospedes?

Quanto a isso... A verdade é que eu não o matei de verdade. Antimortais não morrem tão fácil assim. Mas ele ainda está desacordado, então, Kenny o trancou no quarto de hóspedes. Claro que ela usou algum tipo de magia na porta para que ele não possa sair de lá por um bom tempo. Pelo o menos tempo o suficiente para acharmos alguma Bruxa disposta a abrir um Portal para nós.

— Cala a boca — digo.

— Já estão brigando de novo? — Kenny reclama, se aproximando de nós com uma bandeja na mão.

— Nem — Ryou dá de ombros.

Eu apenas viro o rosto. Deslizando no banco para que ela possa sentar entre mim e Ryou.

Kenny ri.

— O que? Ainda está com raiva por causa do castigo? — ela brinca — Qual é Mei, são só duas semanas.

Foda-se — murmuro, tombando minha cabeça na mesa. A risada dela aumenta.

— Ok, ok — ela bagunça meu cabelo — antes que você comece a fazer birra, preciso falar uma coisa.

— O que? — ergo uma sobrancelha, mas logo percebo como isso não fez sentido, já que ela não realmente enxergando meu rosto.

— É sobre o Roayout — ela diz — mas eu quero falar quando estivermos todos aqui. Vamos esperar o Tresh.

Dou de ombros, cobrindo minha cabeça com os braços. Preciso de toda a minha força de vontade para impedir a mim mesma de cair no sono. Meus olhos começam a se fechar sutil e lentamente, sinto meus ombros relaxarem e...

E então a imagem do corpo de Blake aparece em minha mente.

Abro os olhos rapidamente, e sinto minha respiração descompassar.

— Kenny? — chamo.

— Hum? — ela responde, com o canudo do refrigerante entre os lábios.

— Você... tem certeza que o Blake está bem?

Os ombros de Kenny se abaixam quando ela suspira.

— Não totalmente — responde —tenho certeza que consegui tirar todos os resquícios de magia do corpo dele, mas as Maldições já tinham feito um grande estrago.

Abaixo a cabeça, fechando minhas mãos em punhos.

— Ele vai ficar bem, relaxa — a voz de Tresh diz em algum lugar atrás de mim — se ele sobreviveu a você, aquelas Erínias não são nada pra ele — e então, sinto um leve tapa no topo da minha cabeça, o que Tresh sempre faz quando quer me acalmar.

E, geralmente, funciona.

— Tem razão — digo.

Tresh se senta no lado oposto da mesa, colocando a bandeja dele colada com a de Kenny.

— E então? Por que fez tanta questão de nos chamar aqui? — pergunta, olhando diretamente para ela.

Kenny suspira.

— Precisamos combinar algumas coisas com o Matt assim que ele chegar aqui. Eu não falei para vocês ainda — começa, apontando para Tresh e Ryou — mas acho que tem um Slayner por aqui.

Um calafrio percorre minha coluna vertebral, e ouço Ryou cerrando os punhos ao meu lado. E, apesar de parecer calmo, consigo visualizar a garganta de Tresh subindo e descendo, como se eles estivesse engolindo em seco.

Slayner é, basicamente, o nome dado àqueles que caçam Aprendizes. Na verdade, é mais um apelido que nós demos à eles. E, por nós, quero dizer Ryou. O nome original é Slayer of Learner, e, de acordo com Ryou “se você juntar começo da primeira palavra com o final da última fica Slayner”. E, como esse apelido é bem mais fácil de pronunciar do que o nome original, nós optamos por usá-lo, e antes de percebermos, todo o Paraíso começara a chamá-los assim também.

Os Slayners apareceram três anos antes de virmos para a Terra. No começo, eles pregavam o “bem-estar do Reino” e diziam que o fato de todos terem medo dos Aprendizes formava uma barreira social que deveria ser quebrada. Mas eles eram fracos. Fracos demais. Nenhum manteve a consciência por mais de dez minutos nas vezes que nos enfrentaram. E estávamos sendo gentis. Em uma luta normal, eles não durariam dez segundos.

Kenny gostava deles. A maioria eram Antimortais que cresceram na Cidade Imperial, cercados do bom e do melhor, e que sinceramente acreditavam numa sociedade onde, contanto que todos colaborassem, a paz se sobressairia. Era uma ideia bonita, mas ingênua demais.

— E o que te faz pensar isso? — Tresh pergunta, tirando o cabelo de cima dos olhos.

— Intuição — Kenny responde — isso, e também o fato de que da última vez que chequei mortais sem nenhum treinamento não são capazes de bloquear seus pensamentos. Precisamos avisar o Matt para tomar cuidado.

Se ainda fossem os antigos Slayners, não sentiríamos a necessidade de tomar tanto cuidado, mas ao longo do tempo alguns outros se juntaram. E esses sim, trouxeram algo com o que eu podia lidar. Eles queriam sangue. Nascidos nas Villas, isolados de tudo exceto da pobreza, eles acima de tudo, queriam uma sociedade onde suas famílias não morressem de fome porque o Tribunal Escarlate estava muito ocupado encomendando uma nova remessa de armaduras para soldados que nunca iam para a guerra. Eles tinham razão, acho. Se por algum motivo minha história tivesse sido diferente, e eu me encontrasse morando em um lugar onde as casas são destruídas por monstros enquanto adolescentes são temidos e exaltados como figuras públicas, talvez simpatizasse com eles.

Mas, quando penso sobre isso, lembro de Tresh. Ele cresceu em uma Villa. Bem, antes de ela ser destruída. E aqui está ele, sendo caçado também. Seria tudo muito irônico se não fosse tão deprimente.

Então, depois de um tempo sendo caçados, decidimos vir para Terra. Não era o suficiente para satisfazer os Slayners, mas nós não nos importávamos. Todo esse conceito sobre barreira social foram eles mesmos quem criaram. Não é como se nós tivéssemos realmente colocado medo em alguém. Estávamos apenas ali, vivendo nossas vidas, e por algum motivo, os Antimortais assumiram que éramos fortes demais para viver na sociedade com eles.

Matt ficou, de qualquer jeito. Até hoje não entendi muito bem o porquê, mas, se é o que ele quer então tudo bem. Sei que ele é forte o bastante para proteger a si mesmo.

— Vou ligar para ele — Tresh diz, colocando a mão no bolso da calça, mas a cara que ele faz em seguida não é nem um pouco feliz — merda.

— Tem merda no seu bolso? — pisco.

— Não idiota — responde, rolando os olhos — eu deixei meu celular na mochila desde ontem antes do treino, e esqueci de pegar de volta.

— Se ferrou — digo — Kenny, está com o seu aí?

— Deixei em casa — ela dá de ombros — não achei que ninguém fosse me ligar hoje.

Grunho, enfiando a mão no bolso da jaqueta — a nova. Mas, antes que eu o puxe para fora, um som ainda mais alto que o barulho das conversas se faz ouvir. Nós quatro olhamos em direção à porta do refeitório, onde uma quantidade particularmente grande de alunos se reuniu em um semi-circulo quase perfeito. Há muitos deles na frente para que eu consiga entender o que está acontecendo ali.

Briga! Briga! Briga! — eles gritam quase perfeitamente em uníssono.

— Opa — sorrio — parece que tem algo interessante rolando.

Levanto-me, Kenny, Tresh e Ryou logo atrás de mim, e ando até a origem de toda a gritaria.

Alguém esbarra com força em mim, e sinto meu cotovelo acertar uma costela. Ouço um “ouch!” em uma voz mais ou menos conhecida, e viro-me para encarar seja lá quem bateu em mim.

— Ei, você é o garoto que estava torcendo por mim outro dia — digo, sorrindo.

— Eu sou? — ele pisca — Opa, espera aí, você não é Charnell?

— Yep. Mas pode me chamar de Mei. E você, é amigo da Chris, certo?

— Sou. — responde, parecendo sem jeito — Tem certeza que está tudo bem te chamar de Mei? Eu meio que não quero nenhum dos meus ossos quebrados.

— E cada vez eu gosto mais da minha fama nessa escola — falo, colocando as mãos na cintura — então, quem é que está brigando ali?

— Boa pergunta — ele ri — um é o Roayout, mas... —

— Qual Roayout? — interrompo.

— Tem mais de um Roayout nessa escola?

— Esquece — suspiro — e então? Quem é o outro?

— Pois é. Eu não sei.

Pisco, confusa. Geralmente em brigas de escola, os alunos costumam gritar o nome dos participantes. Será algum novato? Ou só alguém pouco conhecido?

— Mei... — ouço Kenny prender a respiração.

Ops. Isso com certeza não é um bom sinal.

Ryou agarra meus ombros com as duas mãos e me levanta no ar, de modo que consigo enxergar acima da cabeça dos outros alunos.

Definitivamente, nada de bons sinais.

— O q... — começo, mas esqueço o que ia falar assim que meu olhar encontra a cena à minha frente.

Seth está jogado com as costas no chão, uma mão sobre a bochecha, como se tivesse acabado de levar um soco. Há um pouco de sangue escorrendo da boca dele, e percebo os sinais de um futuro olho roxo.

Johnny Roayout está logo a frente, de costa para Seth, um joelho tremendo como se tivesse acabado de ser acertado também. Então, ele é erguido no ar pela gola da camisa, e seus braços se erguem para agarrar o pulso de quem o está segurando.

O que foi que você disse dos Charnells?!

Ah.

Matt.


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Notas finais do capítulo

Slayer of Learner: Assassino de aprendiz/aluno (literalmente).
Outro título de capítulo gigantesco, mas whatever.
Até a próxima e.



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