Querida Clementine,

Estou aqui há anos a lhe observar.

Tornou-se uma bela mulher. Creio que seus fios dourados lhe dão um aspecto único e jovial. Suas órbitas castanhas e grandes fazem um contraste perfeito com sua pele pueril e corada, creio que isso não ficaria tão bonito em outra moça.

Mas você, oh, Clementine.

Você é a mais bela de todas.

Lembro-me quando corria sobre a terra fofa e úmida da fazenda de seus avós tentando perseguir os animas que ali continham. Quando pedia a sua tão saudosa avó que lhe preparasse bolinhos de chuvas deliciosos e seu tão amado chocolate quente. Ou quando implorava a seu avô que contasse histórias fantásticas com dragões e castelos antigos.

Você era a princesa daquele reino.

Oh, Clementine, no que se tornastes?

Ainda lembra-se de sua mãe costurando o braço arrancado de sua boneca de pano ou de seu pai lhe pondo para dormir com um beijo emoldurado de boa noite em sua testa?

Ah, e as noites chuvosas quando dormia entre eles aconchegada em seus cobertores macios, tão regada de amor?

Recorda-se daquelas manhãs aonde ia para a escola e brincava de pega com os meninos e voltava toda suja para casa?

Pois bem, eu me lembro.

Sei que olhava as moças com curvas torneadas do colégio e ansiava crescer e tornar-se igual a elas. Bela. Ansiada.

Porém, sempre se esquecia disso quando seus primos tornavam a sua casa e brincavam até o tardar da noite. Ficava com raiva deles pelas histórias de terror que insistiam em assustar-lhe a noite. Mas tudo bem. Você os amava.

Você planejava mudar o mudo, Clementine.

Planejava recolher todas as crianças e velhos da rua e dar-lhes algo de beber ou vestir. Protegê-los do frio, da solidão.

E os animais? Sempre planejou resgatá-los quando crescesse e doá-los a pessoas com quem pudessem receber carinho e amor.

Assim como você recebeu todo amor do mundo por todos a sua volta.

E o seu sonho de ser bailarina e montar circos para alegrar cidades e mais cidades por onde passasse?

Olhe só para ti agora.

Acorda cedo todos os dias como se fosse um fardo viver. Não aceita mais chamadas telefônicas de seus familiares para que os mesmos não lhe amolem no dia-a-dia. Vai para festas da faculdade e nem se lembra com quem dormiu na noite passada.

Fica satisfeita quando lhe elogiam e não vê a hora do tempo passar depressa para que não precise mais estudar ou trabalhar. Sente-se cansada e deprimida ao passar do dia e só vê prazer quando almoça em algum fast-food perto de seu apartamento.

O que aconteceu com aquela garota que construía montanhas de cobertores na sala fingindo escapar de monstros com sua espada prateada? O que aconteceu com seus sonhos, minha menina?

Eu não sei.

Mas não se preocupe com isso, acontece com todos.

No fundo, o tempo vai esmagando em silêncio a criança que um dia nos orgulhamos de ter sido. Vai matando nossa inocência pouco a pouco, até a última gota de magia se tornar escassa. O monstro adormecido dentro de nós vem à tona e tomamos um banho de realidade. Costumo dizer que depois da infância, nossa alma perece.

É triste, porém verdade.

Essa é a consequência de crescer.