A Dama da Névoa escrita por Karina Saori


Capítulo 13
A água gelada que inundou meu pulmão




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— Lina? Bom dia. — Rafael virou pra mim com os olhos sonolentos e sorriu.

— Bom dia... — não consegui disfarçar o desânimo.

Ele esfregou os olhos com as costas da mão a fim de dissipar o sono e então percebeu que eu estava sentada na cama e fechou o sorriso — Você está bem? Parece perturbada...

— Acordei há umas três horas e não consegui mais pegar no sono. Não dormi o suficiente, então devo estar com uma aparência cansada. — ri forçadamente enquanto Rafael me examinava com os olhos.

— Por que não me acordou? Eu poderia te fazer companhia — sentou na cama, se aproximando de mim.

— Eu não queria te incomodar... E também precisava de um tempo pra pensar.

— Aconteceu alguma coisa, Li?

— Eu acordei com frio nas pernas. Quando fui cobri-las, vi que estavam molhadas e cheias de areia. Você lembra o que aconteceu quando fiz algo inconsciente, não lembra?

Ele balançou a cabeça positivamente, quieto e pensativo. Segurou a minha mão e me olhou com firmeza — Mas não aconteceu nada, certo? Tenho certeza que foi até o quarto dos meus avós.

— Eu de fato fui e estava tudo bem...

— Então não precisa se preocupar com isso, todos estão bem. Você é apenas sonâmbula e foi até a praia... Conheço muitos casos de sonambulismo nesse nível de até destrancar a porta.

— Eu nunca tive isso antes, então com certeza tem algo de estranho nisso. Eu tenho que descobrir, eu preciso descobrir.

— Você estava um pouco estranha quando fomos ao mar... Sentiu algo naquela hora?

Em um estalo, lembrei das diversas sensações estranhas que senti quando estava em contato com a água.

— É verdade! Essa parte ainda é um mistério para mim... Só sei que não me senti eu mesma... Meus pensamentos estavam tão distantes e fora de mim que não sei nem explicar.

— Será que sua fascinação inconsciente pelo mar te levou até lá mesmo dormindo?

Escorei o queixo com a mão enquanto apoiava o braço no joelho dobrado, pensando se era uma possibilidade considerável — Hum, tem razão... Realmente pode ter sido isso. Eu espero, pelo menos.

Ele sorriu enquanto prendia uma mexa da minha franja atrás da orelha. — Viu só? Agora vamos levantar, acordei faminto.

Deu risada enquanto se levantava da cama, puxando a minha mão para que eu o acompanhasse. Saindo do quarto de pijama e com as mãos dadas, fomos até a cozinha e encontramos um bilhete em cima da mesa.

— "Não trouxemos comida o suficiente, então fomos até a cidade fazer compras. Beijos, Virgínia e Osmar". — enquanto eu lia em voz alta, Rafael vasculhou o que estava em cima da mesa coberto com um pano branco.

— Que bom, eles deixaram o café pronto para nós!

Rafael se sentou, ainda não largando a minha mão, mas não senti vontade de soltá-la. Sentei ao seu lado obrigatoriamente e começamos a comer. Quando terminamos, Rafael se virou para mim e apoiou o pé em sua cadeira.

— Hum... Que tal darmos um passeio na praia pra fazer digestão?

Dei risada pela frase romântica sendo arruinada pela última palavra. Concordei e fomos trocar de roupa, saindo logo em seguida ao deixar um bilhete na mesa, explicando onde fomos caso dona Virgínia e seu Osmar voltassem.

Assim que saímos da casa, Rafael segurou minha mão novamente. Olhei para ele e estava com um sorriso idiota no rosto. Fomos até a beira do mar, deixando que molhasse nossos pés. Ele continuava com o mesmo sorriso.

— O que há com esse sorriso?

— Nada, só estou feliz.

— Isso é ótimo, mas por quê?

— Sério mesmo que está me perguntando o porquê? — parou de andar e virou de frente para mim. Acariciou minha bochecha com as costas do dedo indicador. Em um instante, apertou minha bochecha — Porque eu posso olhar pra essa sua cara engraçada quando você acorda!

Gargalhou enquanto saía correndo, mas ainda com nossas mãos entrelaçadas, me puxando junto com ele.

— Espera, Rafael! O que você está fazendo?! Vou acabar caindo assim, idiota!

Ele virou o rosto para mim e mostrou a língua, me provocando. Coloquei minha perna na frente da dele com a intenção de fazê-lo tropeçar, mas esqueci que estávamos de mãos dadas e fomos nós dois rolando na areia úmida. Caímos um do lado do outro na areia, gargalhando feito dois idiotas. Ficamos um tempo deitados, observando o céu azul claro e ainda de mãos atadas. De repente, ele se levantou me obrigando a levantar também. Olhou seriamente para mim.

— Vamos nadar.

— O quê? Mas tá frio!

Antes que eu pudesse negar, ele saiu correndo em direção ao mar, me arrastando junto a ele. Seria inútil contrariá-lo, então apenas o segui, congelando a cada passo que eu dava. Como não havia ondas, paramos quando a água estava quase na altura do peito; um ficou olhando para a cara do outro, feito dois idiotas. Comecei a tremer involuntariamente por conta da água congelante. Olhando-me com piedade e uma parcela de culpa, Rafael me abraçou com o intuito de me aquecer.

— Rafael... Você sabe que não me esquentará sendo que estou imersa na água, né?

— Ah, é mesmo?

Deu risada e me apertou ainda mais em seus braços. Desistindo da ideia de fazê-lo me soltar, apoiei o queixo. Ficamos alguns minutos assim até Rafael puxar meu corpo para trás delicadamente, fazendo com que eu olhasse para ele. Ficou me encarando enquanto acariciava a minha bochecha; aproximou-se vagarosamente do meu rosto e seguiu os seus lábios aos meus. Não recuei. Quando nossos lábios estavam prestes a se tocar, algo agarrou o meu pé. Interrompi, olhando para baixo e chacoalhando a perna.

— Quê foi, Lina?

— Algo prendeu no meu pé, provavelmente uma sacola de novo.

Quando dobrei a perna para trás para eu desenroscar a sacola com as mãos, percebi que a textura do saco plástico não era como deveria ser. Voltei o pé para a superfície da areia e segurei as duas mãos do Rafael, apertando-as com força enquanto tentava esconder a expressão de desespero. Passei a outra perna no tornozelo, mas em nada tocava, mesmo eu sentindo que algo me apertava. Não havia o que fazer. Não dava tempo de voltar para a superfície.

— Ei, você está bem?

— Rafael, prometa que soltará a minha mão quando for preciso.

Prendi a respiração logo depois de encher o pulmão.

— Hã? Do que você está faland-

Antes que eu pudesse terminar de ouvir sua frase, fui puxada bruscamente para dentro do mar. Ignorando meu pedido, ainda sentia as mãos do Rafael nas minhas. Mexi as pernas desesperadamente, tentando me livrar daquela mão que, já em um lugar fundo, me puxava cada vez mais para baixo. Abri os olhos dentro da água e vi Rafael. Devido a ardência, não consegui enxergar com nitidez, mas vi que ele também estava de olhos abertos. Neguei com a cabeça, tentando soltar nossas mãos, mas ele as agarrou firme, me olhando fixamente. Em uma profundidade que me parecia uns três metros, chegamos ao fundo da areia, enquanto eu ainda era puxada no sentido do oceano.

— Eu pensei em fazer você se afogar sozinha, inconsciente, mas não seria tão divertido, não é mesmo?

Olhei para trás e a vi. Sorrindo com os olhos arregalados e segurando meus dois tornozelos, sua voz parecia ecoar de dentro da minha cabeça. Envolta pelo seu vestido cinza e suas madeixas negras dançando com o movimento da água, acompanhada do mesmo sorriso largo e amarelado.

Rafael cravou uma mão na areia, tentando em vão diminuir a velocidade. Apesar de eu não saber rezar, pedi proteção. Não para Deus em si, mas diretamente aos meus pais.

"Mãe... Eu não quero morrer ainda."

Minha vista começou a ficar embaçada e eu não conseguia mais ver a areia. Estávamos indo cada vez mais para o fundo. Uma das mãos que segurava a do Rafael começou a afrouxar; a outra segurava o pescoço, agonizando por oxigênio. Eu não conseguia mais segurar. Repentinamente paramos, pairando sobre a água calma e congelante.

Onde ela estava? Olhei em volta e a vi se distanciando.

"Agora morra". Li em seus olhos maliciosos.

Rafael me segurou pela cintura e começou a nadar em busca da superfície. Quase que soltando o resquício de ar que eu prendia, senti sua boca tocar a minha. Recebendo um pouco mais de oxigênio, abri os olhos e o vi com o rosto colado ao meu, esvaziando seu pulmão por mim. Seu corpo amoleceu e eu entrei em desespero. Passei meu braço em suas costas e tentei nadar desesperadamente para fora da água, mas nossos corpos pareciam muito mais pesados. Nós dois morreríamos aqui, agora e juntos. A falta de ar me deixava ainda mais em desespero; Rafael já estava inconsciente.

Não desistindo de nadar em direção à claridade que o céu projetava na superfície da água, percebi que não estava tão longe. Quanto mais perto parecia, mais desesperado ficava meu pulmão por ar. Estiquei a mão para cima e, a medida que eu mexia os pés para me impulsionar para cima, senti o ar nas pontas dos dedos. Nadei ainda mais ao desespero e finalmente eu estava com o rosto fora d'água.

Puxando o ar desesperadamente, mal conseguindo me manter na superfície, olhei ao redor e não havia ninguém. Naquele local não havia ondas e eu não tinha energia para voltar para areia. Ajeitei Rafael em meu braço; seu corpo estava inerte, pálido e pesado; nadei de lado, mas meu corpo estava exausto e a água fazia pressão no peito, me deixando com falta de ar. Sentia que a qualquer hora, eu afundaria de novo.

"O que eu faço? Mãe, e agora?"

Ouvi um barulho de motor ao longe. Olhei desesperadamente para os lados e vi um pequeno barco há uma distância razoável.

— Ei, aqui! Socorro! — tentei gritar com o pouco fôlego que me restava.

Pareceu não me ouvir. Chacoalhei o braço o mais alto que pude e usei minhas últimas forças para gritar mais uma vez. Finalmente, ele me notou. Vindo até mim, meu corpo já estava mole e sem energia. Deixando Rafael em um nível mais alto que o meu, senti meu rosto mergulhar na água novamente. Quando minha mente estava prestes a apagar, o som do motor se aproximou e senti nossos corpos sendo retirados da água. Senti o alívio de poder relaxar o corpo em algo sólido.

— Ei, Bernard, esse menino não está respirando!

Minha visão estava embaçada. Não conseguia ver os seus rostos e não tinha energia sequer para falar. Antes que eu tentasse pronunciar palavras de agradecimento, minha mente desligou.

.

Acordei desnorteada, sem saber onde eu estava. Olhei ao redor e me parecia um hospital.

— Lina! Você acordou, graças a Deus!

Dona Virgínia chegou, quase que chorando de alívio.

— O que acontec- Onde está Rafael?! — levantei em um sobressalto.

— Calma, Lina! — seu Osmar colocou as mãos em meu ombro — fique tranquila... Ele está bem. Está aqui na cama do lado, tomando soro.

Suspirei aliviada. Coloquei as mãos no rosto e chorei... Chorei de culpa. Se eu não tivesse vindo, nada disso teria acontecido. Rafael não teria arriscado sua vida se não fosse por minha causa.

Sentei vagarosamente na cama, sentindo tontura. Esperei alguns segundos de olhos fechados e, ao me sentir melhor, levantei antes que alguém pudesse me impedir.

— Senhorita, você não pode se levantar ainda! — uma enfermeira veio correndo, mas eu lhe disse apenas que iria à cama ao lado. Ela suspirou e liberou a passagem.

Ver Rafael pálido com um rosto inexpressivo não foi fácil. Eu sabia que ele ficaria bem, mas...

— Lina, tudo bem... A única coisa que você pode fazer por ele é descansar. Ele não ficaria feliz se soubesse que você está trocando a sua recuperação por estar preocupada com ele. — dona Virgínia colocou a mão no meu ombro e sorriu quando virei o rosto choroso para ela.

— Não precisa se preocupar, senhorita — um homem alto vestido de branco entrou no quarto com uma prancheta nas mãos — Ele está ótimo, só precisará tomar soro até amanhã de manhã. Não corre risco de absolutamente nada. Mas a senhorita também tem que se recuperar...

Concordei e voltei para a cama. Apesar de estar cansada, não consegui pegar no sono. Esperei para que todos saíssem e, de noite, levantei e fui até Rafael, que ainda dormia profundamente. Puxei uma cadeira ao lado e me sentei, apoiando os braços em sua cama. Segurei sua mão e acabei dormindo.

.

Acordei com um afago na cabeça. Levantei o rosto com a bochecha adormecida e encontrei Rafael sentado na cama, sorrindo e passando a mão em meus cabelos.

— Rafael! — instintivamente o abracei, chorando ao desespero. Senti hesitação em seus movimentos, mas logo retribuiu o abraço.

— Lina, está tudo bem, calma...

— Desculpa! Desculpa por ter feito você passar por tudo isso, desculpa por você ter que me salvar, desculpa-

— Ei, não precisa se desculpar por tudo! — deu risada, acariciando minhas costas — Eu que te chamei para vir, eu que decidi entrar no mar. A culpa não é sua. Você mesma não queria que eu tentasse te puxar para fora, essa foi uma decisão minha. Então não se culpe, por favor. Afinal, você quem acabou me salvando.

— Mas...

— Ah, nada de "mas", chega. — riu de um jeito cansado, mas me abraçando ainda mais forte. Então ficamos assim, abraçados por longos minutos.


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Notas finais do capítulo

Meu Deus, é a primeira vez que um capítulo acaba de modo normal HUAHUAHUHAUHA

Obrigada por ler =3=