Jogos da Virtualidade escrita por GMarques


Capítulo 2
Eu esqueci de ti.




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Os jogos nunca têm data para começar, nem acabar, então, no meio do ano os governos de todos os países se reúnem e decretam que as crianças nas idades selecionadas devem se manter a uma distância dos aparelhos que serviriam de acesso a virtualidade X, como a chamam.

Acontece, que eu tenho 16 anos, me chamo Marcael, e todo ano tenho que ser isolado do mundo da tecnologia, para medidas de segurança. Os governos, acreditam que quanto mais perto alguém está de um computador, mais a probabilidade de ele ser pego; mas na verdade não é assim, você pode estar a quilômetros de um aparelho, e você simplesmente some, durante o seu sono, acorda fora da sua realidade, num outro mundo e com um só objectivo, se manter vivo.

Tudo que passa na televisão é reportagens sobre os famosos Jogos da Virtualidade, e sempre que o sobrevivente retorna a dimensão, ele é interrogado. Todos que voltam ficam loucos, e os poucos que não ficam, se isolam, somem, fogem, se matam...

.....

Hoje é dia 25 de junho de 2078, hoje, é o aniversário de quinze anos das mortes que ocorrem na TV, hoje, completa quinze anos que o terror e o medo se espalhou. Depois dos jogos, o mundo regrediu, ninguém mais queria aparelhos eletrônicos, o medo falava mais forte. Grandes empresas faliram, governos investiram milhões em pesquisas para nada, a fome no mundo aumentou, a depressão se espalhou como um vírus, e os jogos também.

Estou no meu freqüente caminho de sempre, estou indo para a escola. E no caminho, revejo as marcas das pichações nos muros das manifestações por respostas, e a marca da tristeza no rosto de quem anda. Aqui onde moro não é lugar socialmente evoluído, porque ninguém o quer.

Paro para esperar o ônibus, há outras duas pessoas. Hoje faz frio, breve estaremos no inverno. O ônibus chega, para, e eu subo, e num passar do tempo, meia hora talvez, eu chego ao meu destino. Onde minha escola fica pode-se ser chamado de "cidade do futuro", os grandes prédios, os sons dos carros, uma cidade normal. Do que adianta estar no auge da tecnologia e ter medo de usá-la? De ter cidades altamente evoluídas, e ninguém aproveitá-las com o menor pingo de prazer?

Eu desço do ônibus, ele para em frente a escola e lá eu fico. Eu não tenho amigos, me isolei do mundo desde que meu irmão mais velho foi selecionado, hoje ele deveria ter 20 anos de idade, mas ele foi escolhido. No amanhecer, eu acordei com minha chorando, eu tinha 11 anos na época, mas ela não me falou o porquê, mandou-me eu ver com os meus próprios olhos, e o fiz. Meu irmão não estava em sua cama, tudo que sobrara era um terrível vazio e bagunçar de cobertas, e minha dor silenciosa no cômodo.

Só há uma pessoa com quem se arrisca a falar comigo, Carolina, ela tem a mesma idade que eu, alta, dos olhos escuros e cabelos castanhos. Todo dia que eu entrava naquela escola, ela era a única que ia falar comigo, e eu a respondia por educação. As vezes, eu ficava fixado no passado, e esquecia do presente, e deixava todos que tentavam, falando comigo sozinhos.

Carolina, como sempre, se dirige a mim, ela vem com um rosto não muito alegre, e começa a puxar um papo... Não muito agradável.

–Sabe, você algum dia poderia me responder com frases mais completas. -Ela falava enquanto olhava para baixo. -Se eu for selecionada, ou você, não sei o que seria de mim.

–O que você quer dizer com isso? -Eu a interrogo.

–Finalmente você me respondeu. -Ela para, olha para mim, e continua. -...E com uma pergunta!

–Esquece.

Não tenho ânimo para conversar, principalmente sobre este assunto, toda vez que tocam no assunto dos jogos eu lembro de meu irmão.

–Não, por favor! Fale comigo só uma vez.

–Já não estou falando? -O sinal toca.

Enquanto eu tento se desviar dela para entrar, ela me acompanha e continua falando.

–Sabe, eu sempre soube o que aconteceu com seu irmão...

–Não toque nesse assunto. -Eu a interrompo.

–Perdão, mas... Um dia você terá que superar, já são cinco anos assim! Eu quero vê-lo de volta, como você era!

–Como você sabe tanto assim sobre mim? Eu não lhe contei nada disso! -Eu paro, olho para o lado, e continuo. -E o que você quer dizer com "era"?

–Éramos melhores amigos Marcael. Ou isso te fez esquecer?

Não sei o que responder, não sabia que a morte do meu irmão tinha me afetado tanto assim a ponto de eu esquecer quem eu mesmo era.

–Você não se lembra não é? -Ela pergunta me segurando.

Eu olho para baixo.

–Não? -Ela para por um tempo, olha para o meu rosto na espera de uma resposta, e continua. -Então eu vou lhe contar. Tudo começou quando seu irmão foi selecionado Marcael, quando você chegou à escola, e eu soube, fui logo falar com você...

–Eu lembro disso. -Eu a interrompo.

E sem hesitar, ela continua:

–...Eu fui logo à você, e você me ignorou, passou reto, parecia que tinha ido junto com seu irmão. Você me respondia algo ou outro, mas foi até seu irmão morrer. Em dois meses, você sempre chegava com cara de quem tinha chorado. Em sete meses, você começou a se vestir diferente, a se encobrir, a se afastar cada vez mais e mais. Em um ano, você começou a me ignorar de vez, e quando isso deu três anos, eu me toquei... -Ela parou.

–Se tocou...?

–...Me toquei que você não sabia o meu nome, e então eu fiz de tudo para você lembrá-lo novamente, mas você continuou me ignorando. E aqui estamos. -Ela está chorando.

–Carolina me desculpe. Eu não sabia, não sabia que isso iria me afetar tanto.

–Perder alguém é terrível, mas nós precisamos deixá-los ir. Precisamos não esquecê-los, mas também não lembrá-los. Precisamos simplesmente deixá-los em nosso coração, e um dia, ele voltará a ti. Ou melhor, você voltará a ele.

Eu a abraço.

No decorrer do dia, tudo que eu pude fazer, era pensar no que tudo isso me causou, e no que isso me causaria se eu não tomasse uma medida. Fiquei pensando, como eu consegui esquecer uma pessoa que era tão ligada a mim? Como simplesmente, que ela sumiu de minha memória? Decidi que já estava na hora de superar tudo, e deixar que o destino me presenteasse.

Ao chegar em casa, eu vi que minha mãe estava lá, sentada, carente. Eu não falo muito com ela, afinal, eu não falo com ninguém. E então, depois de tudo que eu ouvi hoje, eu decidi dizer uma coisa para minha mãe, que eu já não dizia a muito tempo.

–Oi mãe.

–Oi filho. -Ela me respondeu com um pequeno sorriso.

E aquele sorriso, foi um mundo perfeito para mim. Aquele sorriso me fez lembrar que mesmo meu irmão tendo ido, eu ainda tinha pessoas com quem me importar. E que do dia de amanhã a seguinte, eu iria mudar, mudar para melhor.

Mas, eu fui dormir.


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