Fragmentos escrita por tamirsalem


Capítulo 1
Capítulo 1




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‘Não sei, Maxwell. Digo, nem você parece ter certeza do que tá me falando... Cê realmente acha que isso faz sentido?’ foi a resposta que recebeu de Pâmela por Whats App tem uns 10 minutos.

Talvez a pior coisa que alguém possa fazer quando você dá uma sugestão seja te perguntar se você mesmo acha que REALMENTE, mas REALMENTE MESMO, faz sentido. Ao invés da pessoa se questionar se quer aceitar, te questionar sobre quanto você realmente acredita nisso sempre acende aquela fagulha de dúvida na cabeça, e logo essa fagulha vira um maldito incêndio de reconsideração. Pelo menos na cabeça do pobre Maxwell, que geralmente se entusiasmava com suas ideias, pensava bem nelas e logo tentava colocá-las em execução. Não que fosse um cara impulsivo; pelo contrário, ele normalmente sabia bem o que fazia, conseguia provar para si mesmo que estava perfeitamente dentro da lógica e da razão, mas toda a sua racionalização durava só algumas sinapses. Depois de pronta a ideia, se alguém pedisse pra ele explicar como podia ter tanta certeza, sua afobação o impedia de se lembrar de seu discurso imaginário maravilhoso, e ele mesmo logo começava a achar que talvez não fosse uma boa ideia mesmo.

Pâmela sabia bem disso, e foi por isso mesmo que ela lhe deu essa resposta. Não que ela fosse manipuladora per se, mas é mais fácil assim, né? Digo, assim ela não teria que pensar mesmo em nada daquilo, enfrentar seus medos... Não que Pâmela fosse medrosa, pelo contrário, mas ela não queria mexer em seus padrões mentais do que era adequado. O que, dizia ela, não a fazia uma pessoa conservadora, mas sim uma pessoa firme e bem decidida. Não que ela não fosse flexível, é claro, ela estava sempre disposta a ouvir seus amigos e levar o que diziam em conta, mas aquilo era demais... Talvez esse fosse o maior problema de Pâmela, na verdade: querer ser muitas coisas e nada ao mesmo tempo, se justificando eternamente. Se Pâmela não se reprimisse e justificasse e tentasse ser quem realmente era, seria careta, quadrada, facilmente rotulável. Se ela tentasse ser maleável e não se encaixar em rótulo algum, como ela vinha tentando, ela acabaria sendo alguém bastante inconstante e amorfa, uma pessoa sem lá nem cá, sem muita graça, forçada...E ela vivia então nessa eterna dicotomia, às vezes pendendo para um lado, às vezes para outro. É terrível como o medo pode cercar as ações de alguém. E foi esse medo, essa ausência de confiança em si mesma, que fez com que ela logo quisesse recusar o que Maxwell lhe propôs.

A sequência dos acontecimentos, tal qual pude entender pelos olhares, fragmentos de bilhetes, mensagens no celular e afins, foi a seguinte: há mais ou menos um ano, Maxwell mudou de cubículo (workstation, segundo o linguajar aqui da firma), sendo transferido do quinto andar para o décimo segundo. No novo andar, ele fez novos amigos (colegas mais íntimos, como queira), e, dentre eles, Pâmela, a moça da contabilidade. Moça de cabelos castanho claros, olhos marrons, nem bonita nem feia, uma pessoa verdadeiramente normal, nem feia nem bonita, ela logo percebeu que o rapaz bonito de gravata vermelha era simpático e parecia estar interessado nela. Conversa vai, conversa vem, num jantar da firma, ocorreu a troca de celulares (primeiro passo da aproximação na era digital). Depois da troca de celulares, a conversa intermitente por mensagens, os diálogos rápidos no intervalo do almoço... Uma coisa levou a outra, e uma semana e quatro cervejas depois, num belo happy hour, estavam os dois atracados numa cama de motel. Não entro em detalhes do que aconteceu dentro daquele quarto porque, sinceramente, não os tenho (e estou bem sem eles, minha pesquisa já foi mais fundo do que eu gostaria). Depois dessa noite incidental, que as amigas de Pâmela classificaram como ‘cedo demais’, a situação se tornou mais tensa entre os dois,e isso ficou claro para mim, mesmo sem grandes observações. Pairava no ar aquela pergunta desgraçada: ‘E agora?’

E agora, Pâmela? Será que Maxwell é realmente tão simpático como você achava (ou queria achar)? Ou ele queria só, bem, te comer? E aí Max, qual que é a tua? Era só uma rapidinha, porque figurinha repetida não completa álbum, ou rolou algo ali? Perguntas chatas, mal formuladas e rudes, mas difíceis de responder nesta fantástica (fantástica mesmo, sem sarcasmo) era do sexo casual e da abolição da necessidade de existirem sempre compromissos propriamente ditos. Nenhuma das amigas de Pâmela lhe disse isso, é claro, mas era meio óbvio que, se o assunto por ali se encerrasse, isso não diria muito do caráter de Max. Ele não tinha assumido realmente nenhum compromisso, nem mentido de forma nenhuma. Seriam alguns dias meio desconfortáveis, mas vida que segue. E nenhum dos amigos de Max achou necessário falar para ele que só porque ele não tinha assumido algum compromisso prévio e ela era sua colega que ele não poderia tentar desenvolver um relacionamento. Até aí, tudo bem. Talvez até tivesse sido melhor se ficasse por isso mesmo, uma diversãozinha noturna pra saciar a vontade e pronto. O que Pâmela decididamente não esperava, e o que Maxwell jamais imaginou que faria até os breves cinco minutos de epifania que o levaram a conceber tal ideia, era que ele fosse conversar honestamente com ela. Quatro dias e 127 mensagens no grupo do Whats App das amigas de Pâmela depois, Maxwell chamou-a para tomar um café e lhe explicou claramente que ela não pertencia a ela e que não faria sentido fazer qualquer movimento no sentido de prendê-la em um relacionamento monogâmico. Mais ou menos assim, segundo me contam as atendentes do café da galeria em frente:

‘Ó, eu não sou um escroto, tá legal? Mas vamos colocar as coisas de uma maneira bem clara e objetiva, preto no branco. A gente transou. Foi bacana, legal, tudo isso. Não é que eu não tenha um interesse em você, mas é que... Tá, não é fácil falar isso...’ disse Max, mordiscando um pão de queijo meio frio, enquanto Pâmela olhava para seu queixo, evitando seu olhar.

‘Eu realmente não sei onde você quer chegar. Se você puder ser mais claro...’ balbuciou Pâmela, morrendo de medo de que Max fosse um cara sincero até demais, que queria deixar bem claro para ela que ele não queria de jeito nenhum que aquilo fosse mais que uma fodinha casual.

‘Eu acho você bacana. Eu gostei de transar com você. Eu quero continuar transando com você. Mas eu não quero ser forçado a isso. Tudo bem?’

‘Ok...’

‘É como se houvesse algo em você que me motiva a estar com você, um interesse que me gera, mas não é um amor egoísta que quer te prender. Não é que eu não ligue pra como você está, mas se eu chegasse e te visse dando pro João na escada, o máximo que eu teria seria uma ereção. Isso não soou como planejado, mas tá dando pra entender?’

‘Acho que tá. Você quer que eu dê pra você sem que se assuma um compromisso. É isso?’

‘Eu quero que você faça o que bem entender, assim como eu faça, mas que o que aconteça não implique num laço.’

‘Você é um filha da puta, Max. Normalmente vocês homens costumam ser menos descarados, vão comendo e pronto, dando esperança...Na minha cara você me falar que me quer como objeto sexual é demais! Vá a merda’ disse Pâmela, se levantando abruptamente.

Por um momento, Max considerou impedi-la, mas rapaz sábio que era, sabia que o momento em que alguém se levanta abruptamente é o momento em que a discussão está, ao menos naquele momento, perdida. Ele deveria ter considerado um cenário como aquele, é claro, mas Max sempre se esquecia de que o que fazia muito sentido pra ele, já que ele quem esquematizou por algumas horas, não seria tão lógico para os outros. Santa inocência.

Não tendo muito que fazer exceto esperar que Pâmela se acalmasse e entrasse em contato, Max se levantou, pagou a conta dos dois (nesse momento, ele se agradeceu por não tê-la chamado para um restaurante melhorzinho) e foi embora, embaixo dos olhares inquisitivos das atendentes. Por sorte, ela não era tão intempestiva assim, e acabou mandando-lhe uma mensagem.

‘Desculpa por hoje, Max... Eu admiro a sua coragem, e reagi mal. Não sei se estou pronta, mas tô disposta a conversar’

Gostaria também, é claro, de saber o que se passou na cabeça de Pâmela neste momento. Espero eu que isto não tenha sido um ato de desespero, uma tentativa de ter alguém que pudesse de alguma maneira ser dela e dar-lhe conforto, não importando as condições. Talvez tenha sido a clássica síndrome de querer provocar no ente querido a mudança desejada através do amor. Deve ter uma explicação menos idiota, mas, ao que me consta das mensagens dela, o processo foi só mental mesmo.

‘Tá tudo bem. Eu deveria ter considerado que cê reagiria assim, não foi muito inteligente da minha parte. Eu queria que a gente pudesse ter uma relação sincera.’ Ele respondeu, digitando freneticamente, extático por nem tudo estar tão perdido como pensava.

‘Mas você acabou de falar que não queria nada de relacionamento e compromisso.’

‘Uma relação, entende? Onde eu possa conversar com você como se você fosse gente, e não minha mulher, ou algo assim. Sem que eu seja obrigado a isso, e nem você. Tipo uma amizade.’

‘Hm’

‘Uma amizade colorida. Mais ou menos isso.’

‘Eu sempre achei você bem distante de Woodstock e dessas coisas, mas as aparências enganam.’

‘Isso é um sim, eu topo?’

‘Não sei, Maxwell. Digo, nem você parece ter certeza do que tá me falando... Cê realmente acha que isso faz sentido?’ foi a resposta que recebeu.

Deu pra ver pela cara que ele fez(meu cubículo é bem próximo do dele)que ela tinha conseguido afundá-lo num grandioso mar de insegurança. Era óbvio que agora ele não tinha certeza se aquilo fazia sentido, o que decididamente foi uma pena. Com um breve movimento de dedos, ele enterrou a breve chance que teve de encontrar um dos muitos amores de sua vida:

‘Esquece.’


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Notas finais do capítulo

Esse conto me veio num surto de inspiração, e decidi dar uma experimentada com ele e com alguns estilos diferentes de narração, pra apimentar minha volta à escrita.



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