Easy escrita por Nora


Capítulo 17
16 – Seems like nothing happen




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America estava quase dormindo por trás do livro de Estatística que havia em sua frente. Seus olhos estavam piscando, quase se fechando. Aqueles números confundiam seu cérebro demais, sempre fora ruim em matemática, cálculo e tudo o que envolvesse números.

— Que feio, dormindo em sala de aula – a voz de Trevor surgiu ao seu lado, como um fantasma, e ela deu um pulo, assombrada.

Ela evitara olhar para ele desde o início do dia. Não queria ter de lembrar da festa novamente. Mas agora era praticamente obrigada a encará-lo.

Seu susto foi tão grande que chegou a derrubar o livro que estava lendo.

— Nossa, sou tão feio assim para te fazer derrubar o livro? – ele falou, falsamente ofendido.

— Demais – ela devolveu. – E eu não estava dormindo. – falou, tentando agir normalmente. Até então estava conseguindo.

— Não, só estava lendo o livro de olhos fechados. – o rapaz retrucou com um explícito tom de divertimento na voz.

Ela bufou, irritada, e revirou os olhos. Pegou o livro do chão, procurou a página em que estava e voltou a ler, tentando, sem muito sucesso, se concentrar. Mas com a presença dele ao seu lado isso era quase impossível.

Eles ficaram em um silêncio desconfortável por um longo tempo, mas não seria America a quebrá-lo. Depois de alguns segundos que pareciam durar uma eternidade, ele perguntou:

— Lembra do trabalho de economia?

— Sim – ela falou. Como esquecer?, completou mentalmente.

— O prazo para entregar é daqui a duas semanas. Temos que fazê-lo logo.

— Você se interessando por algo que envolva estudar? Essa é nova. – ela falou, rindo. – Mas ok. Quando?

— Eu tenho os dois últimos vagos amanhã à tarde. Você tem alguma aula?

A francesa consultou seus horários e viu que por uma grande coincidência, também não tinha nenhuma aula naqueles períodos. Ela suspirou e respondeu:

— Não. Não tenho.

Ele sorriu levemente e ela se arrependeu de ter dito que não. Devia ter dito que sim, que fariam o trabalho outro dia. Devia evitar aqui, mas agora era tarde demais.

— Ótimo – ele proferiu. – Meu pai trabalha com economia, ele tem muitos livros sobre isso. Com certeza há algum sobre a economia da França. – disse, deixando claro que fariam o trabalho na casa dele.

— Ok. – ela assentiu e mergulhou novamente no livro de Estatística.

***

A última aula do dia de America havia acabado a não muito tempo. Ela estava andando devagar em direção à saída, assim como alguns outros alunos. Trombou com Guilherme, que andava a passos rápidos e distraído.

— Desculpe – ouviu ele dizer, mas ele não pareceu notar que era ela.

Guilherme parecia tão distante, tão aflito nos últimos dias. America suspeitava que tivesse algo a ver com sua ex noiva, Maya, e o filho, que a francesa não sabia qual era o nome. Tinha um grande pressentimento de que se tratava disso.

America não sabia muito bem o que pensar quando se tratava disto, da família “imperfeita” – ou “quebrada” se adequaria melhor? – dele. Não sabia muito bem o que acontecera entre Guilherme e Maya, não sabia a razão de terem se separado, porém gostaria de saber. Tinha a impressão de que, quando juntos, eram o tipo de casal perfeito. Mas provavelmente nunca descobriria se isso era verdade ou não.

Seus pensamentos que iam cada vez mais longe foram totalmente interrompidos quando, ao longe, viu Andy conversando com Amanda, de um jeito gentil e carinhoso que a francesa nunca vira em sua vida inteira. O que era um tanto estranho, porque ele não havia aparentado ter gostado muito dela. Bom, talvez tivesse se enganado.

Decidiu não atrapalhar os dois e dobrou à esquerda, na direção da outra saída e enxergou Dan, o melhor amigo de Trevor. Quando ele a viu, lhe deu uma olhada demorada e maliciosa e ela revirou os olhos, cruzando apressada por ele.

Sua maior vontade no momento era chegar em seu apartamento, tomar um banho quente e olhar um bom filme, além de comer algo, claro, pois sua barriga estava roncando. Pena que seus planos estariam arruinados por causa do maldito trabalho com Trevor.

***

America estava prestes a bater na porta da casa de Trevor quando ouviu vozes. Uma era dele e a outra, ela demorou um tempinho para descobrir, era de Dan.

— Me pergunto se significou algo para ela – ouviu a voz de Trevor falar, e seu coração palpitou mais forte em seu peito, com uma pergunta que não queria calar em sua cabeça: estariam eles falando sobre ela?

Talvez sim, talvez não. Talvez. Infinitos talvez.

— Não sei – Dan disse. – Acho que sim. Ou não. Bom, vai saber como é a cabeça das garotas.

— É. Sei lá. Isso não importa também. – o outro articulou, e os dois gargalharam.

Ela engoliu em seco e respirou fundo. Havia quase esquecido o acontecido da festa, mas aquilo a fez lembrar-se demais. Revirou os olhos e bateu com força na porta. Ouviu alguns murmúrios abafados vindos do outro lado e Trevor abriu a porta. E ficou um tanto surpreso ao vê-la ali.

Ele estava prestes a perguntar, bruscamente, o que ela estava fazendo ali quando viu a bolsa em seu ombro e lembrou do trabalho de economia.

— O gato comeu sua língua ou o quê? – ela falou e ele piscou os olhos.

— Ah... oi. Entre. – disse ele, e deu espaço para ela passar.

Ela entrou, um tanto desconfortável e se viu espantada com o tamanho da casa. Aquela podia muito bem ser uma réplica da mansão dos vampiros Salvatore do seriado The Vampire Diaries – que America adorava. As paredes e o piso eram de um tom marrom, e o hall de entrada acabava em uma enorme sala em que havia um grande tapete que parecia ser persa, dois grandes sofás, uma enorme TV de plasma e uma linda lareira de pedra no canto, além de uma mesa de centro de mogno. Havia alguns quadros nas paredes, que pareciam ser antiguidades, e havia também uma mesa com várias garrafas de grande variedade de uísque, algumas velhas, outras novas.

— Eu já estava de saída mesmo. – Dan falou, tirando-a de seus devaneios.

Olhou para ela, de cima a baixo, e Trevor percebeu.

O amigo saiu e ele fechou a porta. Se jogou no sofá e então ouviram um miado.

— Você tem um gato? – ela perguntou, surpresa ao ver o enorme, peludo e gordo gato preto aparecer e se esfregar em suas pernas, miando novamente.

— Ah, ele não é meu. Ele é da Maya. – o gato ouviu a voz dele e se aproximou dele, e Trevor esticou a mão para coçar-lhe a cabeça. – Oi, Anúbis.

— Ele parece gostar de você. – ela falou.

— Ele gosta. Maya diz que não, mas ele gosta.

O gato subiu no sofá, se acomodou perto das pernas de Trevor e fechou os olhos.

— Essa é a sua casa? – America perguntou. – É incrível.

— Ela não é exatamente minha. É do meu pai. Estou morando aqui enquanto meu apartamento está sendo reformado. Mas obrigado mesmo assim – ele deu um sorriso convencido e ela revirou os olhos.

— Vamos fazer esse trabalho logo. – ela resmungou.

Trevor não falo nada e se levantou do sofá de um pulo – mas sem desacomodar o gato – e caminhou na direção de um corredor. Ela o seguiu, e os dois chegaram a um cômodo. A biblioteca.

A francesa parou onde estava e ficou apenas observando, estarrecida. A sala parecia ser do tamanho de todo o seu apartamento, literalmente, pois era gigante. Havia muitas estantes enormes que iam quase até o teto, repletas de livros, e no centro do cômodo havia algumas mesas com abajures. Parecia uma espécie de biblioteca de universidade.

Trevor percebeu que ela havia parado e se virou, e riu baixinho ao ver a expressão dela.

— É. Essa é a biblioteca. – ele informou.

— Nossa. – ela murmurou, extasiada, ao passar pelas prateleiras e passar os dedos por todos aquelas capas, algumas antigas e outras mais novas.

Trevor andou por algumas estantes procurando o rótulo “economia” e achou vários livros. Pegou-os e os colocou em cima de uma mesa, fazendo um baque surdo.

— Quando falou que seu pai tinha alguns livros sobre o assunto, não imaginei que fossem tantos assim – ela falou.

Ele deu risada. Havia aproximadamente uns dez ou doze livros na pilha que ele trouxera e todos eram grossos, pareciam ter umas seiscentas – ou mais – páginas.

— Vamos começar? – perguntou ele, e ela assentiu.

***

O sol terminava de se pôr quando America levantou da cadeira e se espreguiçou, estralando os dedos e o pescoço.

— Parece que faz horas que estou sentada aqui. – falou ela.

— É. Parece mesmo. – concordou ele, rindo.

A mão de ambos já estava cansada e dolorida se tanto escrever. Os dois haviam discutido mais cedo, pois Trevor também queria escrever, mas a francesa não queria deixar. Porem acabou que ele escreveu, sim, no trabalho, e ela descobriu que a letra dele era bem mais bonita do que ela imaginava. Quando ele viu sua expressão surpresa, falou:

— Minha mãe me obrigou a fazer caligrafia por um longo tempo.

Ela riu baixinho e assentiu.

Poderiam ter feito um trabalho impresso, entretanto, a professora que parecia ainda viver nos anos setenta, deixara bem claro que o trabalho teria de ser feito à mão.

— Estou com fome. Vou comer alguma coisa. Você quer algo? — indagou ele.

— Não, obrigada. Onde fica o banheiro?

— No final do corredor, na porta à esquerda. – ele lhe informou.

Ela saiu da biblioteca, indo em direção ao banheiro e parou no meio do caminho ao ver um lindo quadro pendurado na parede.

— Esta... esta é sua mãe? – perguntou.

Trevor, que estava voltando da cozinha, ouviu a pergunta dela.

— Sim – respondeu, se aproximando devagar.

No quadro havia uma fotografia de uma linda mulher de longos cabelos loiros. Seus olhos eram de um tom azul intenso, da cor do mais límpido oceano que poderia existir. Ela possuía um sorriso sereno e gentil no rosto, e em seu rosto não havia resquício algum de maquiagem. Seu sorriso era espontâneo, como se fosse pega de surpresa naquele momento, e em sua mão havia uma linda margarida, em cores fortes e vibrantes.

— Ela estava tão feliz nesse dia. – Trevor falou, baixinho, depois de um longo período em silêncio. – Eu me lembro perfeitamente desse dia, como se fosse ontem.

— Ela é... ela é linda. Qual era o nome dela? — America perguntou, cautelosa, porem com uma admiração profunda. Aquela mulher parecia ser o tipo de pessoa que distribuía alegria por onde passava, parecia ser uma pessoa sábia que sabia exatamente as palavras certas para dizer em qualquer momento.

— Clarisse. Ela era tão... querida. Amada por todos. Meu pai a amava tanto. Seu nome significava algo como “ilustre”, “brilhante”, “iluminada”, e ela de fato parecia irradiar uma luz de si. Ela era como a luz da vida dele, como a razão de sua vida. – ele falou, sem ter exatamente consciência do que falava. Mas simplesmente parecia certo contar a ela aquilo naquele momento.

— E quando ela se foi – continuou ele –, foi como se... se a vida dele não tivesse mais propósito. Como se não tivesse mais pelo o que viver. – ele respirou fundo. – Mas ele tinha nós. Ele tinha eu e Thomas. Mas parece que ele simplesmente desistiu. Desistiu de tudo. Parece que ele desistiu de nós.

Os dois ficaram em silêncio, ambos perdidos em pensamentos. America foi até o banheiro, deixando-o sozinho junto a seus devaneios, e antes de sair de lá prendeu seus cabelos prestos em um coque apertado. Quando voltou, Trevor estava na cozinha.

— Este era você? – perguntou, ao passar por um quadro com a fotografia de um lindo garotinho de uns quatro ou cinco anos de cabelos de cabelos loiros e olhos verdes azulados, ao lado de uma garota que parecia ser dois ou três anos mais velha que ele, que tinha olhos castanhos e cabelos também castanhos. Os dois estavam em um vasto campo verde, e ao redor deles havia três cachorros Golden Retriever.

— Sim. – respondeu ele. – E esta é a Maya.

— Eu achei que ela tivesse cabelo vermelho. – a francesa disse.

— Ela tem, mas nessa foto ela ainda tinha cabelo castanho. Acho que ela tinha sete anos nessa foto.

America se aproximou e ficou com os braços apoiados no balcão de mármore.

— Você e Maya são bem próximos, não é? – perguntou.

— Sim – falou ele, abrindo a geladeira. – Ela me entende melhor do que eu mesmo.

— Hmm, seu irmão me contou que são melhores amigos.

Trevor cerrou os punhos ao ouvir “seu irmão”. Tudo estava tão bem, até que ela disse aquilo.

Ele pegou a margarina de dentro da geladeira e largou com força no balcão, mas ela não pareceu notar.

— Stacy não sente ciúmes dela? De Maya? – ela perguntou.

Suas perguntas estavam começando a irritar Trevor. Ele não sabia se ela estava fazendo de propósito, mas estava o irritando. Muito.

— Às vezes. – respondeu, seco. Rapidamente fez um sanduíche e começou a comer.

Ela deu uma risadinha baixa e falou:

— É. Se eu fosse ela, também sentiria.

— Mas você não é. – ele retrucou, e deu uma risada fria e curta.

A francesa o encarou, surpresa, porém logo a expressão sumiu de seu rosto.

— Felizmente. – proferiu. – Você é um idiota. – murmurou em voz baixa.

Ele deu outra risada e permaneceu em silêncio, comendo seu sanduíche.

Os dois passaram um longo tempo em silêncio; parecia que as perguntas irritantes de America haviam finalmente cessado, para o alívio de Trevor. Ela olhava para a frente, mas na verdade estava perdida em seus pensamentos. Não estava mais escorada no balcão, estava de pé.

— Trevor – articulou ela, depois de quase mais de dez minutos em silêncio.

Ele não respondeu, apenas olhou para ela.

— O que... – ela começou a falar; era possível notar o receio evidente em sua voz. – Aquele beijo. Na festa da Warnock. O que foi aquilo?

Bingo. Ele sabia que em algum momento ela mencionaria isso, já estava até demorando. E Trevor simplesmente não sabia o que responder. Porém seu rosto era uma máscara fria e sem emoção, e ele fez o que fazia de melhor: agiu como um babaca.

— Aquilo? Ah, aquilo não foi nada. Não significou absolutamente nada. – ele respondeu. A francesa respirou fundo e não disse nada. – Olha, America, você é melhor que a Stacy. É mil vezes melhor que ela, e você sabe disso. Mas você é só mais uma garota. Que não fará diferença alguma.

A expressão dela era um misto de surpresa, confusão e choque. Ela olhou para ele, e então ele sentiu algo indo contra seu rosto.

Era a mão dela. Ela lhe dera um tapa, e seu rosto estava formigando agora.

— Isto – falou ela, pausadamente; havia muita raiva em sua voz – é por ser tão idiota.

Foi a vez dele de ficar chocado, em silêncio. Ele observou enquanto ela praticamente correu até a biblioteca, pegou suas coisas e voltou.

— Termine o trabalho sozinho. – falou para ele depois de vestir seu casaco, e foi embora.


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