Proteja-me. escrita por Lucciola


Capítulo 2
Mi casa es su casa




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O teto branco do pequeno avião da Companhia causava um leve ardor nos olhos de Jenny e a falta de janelas não a ajudava muito quanto ao nervosismo. Não que ela nunca tivesse viajado de avião, muitas vezes viajava para se esconder e se manter em segurança, mas dessa vez seria diferente, e era exatamente isso que Jenny mais ansiava.

Ela queria ser diferente de uma forma normal. Queria ter amigos de sua idade ou até mesmo mais velhos, queria ter pais normais que implicassem com seus amigos rebeldes, queria estudar em uma escola e se formar como qualquer um. Queria uma vida normal.

– Abra os olhos. - Disse uma das profissionais encarregadas de muda-la em poucas horas. Enquanto uma cuidava das roupas que ela levaria na mala, outra estava focava no cabelo dela e a ultima nos mínimos detalhes restantes. Jenny abriu e se arrependeu disso quase que imediatamente devido a forte claridade. A mulher forçou seus olhos a abrirem ainda mais e colocou em cada olho uma lente de contato mais escuro do que a própria cor já era. - Pronto.

O que mais alegrava Jenny era saber que não iria precisar usar identidades falsas, como sempre tinha feito. Agora ela seria ela mesma. Finalmente poderia ser ela mesma. E isso era como tirar um grande peso de seus ombros.

Ao desembarcar do avião e deslizar no bando de trás do carro da Companhia, pegou-se imaginando como seria a casa em que Ben morava. Com certeza o que ela havia imaginado não chegou nem perto do que viu.

O apartamento ficava em um bairro qualquer da cidade, não tão barulhento, nem tão calmo. O edifício chamava muita atenção pela fachada feita de tijolos vermelhos e por causa da grande árvore na frente de uma de suas janelas, ela não tinha folhas mas era repleta de pequenas flores brancas que Jenny não soube lembrar o nome. Todas as janelas eram grandes e a madeira parecia recém pintada, e todas as pequenas varandas brancas tinham pequenos vasos de plantas.

Jenny se apaixonou por aquele lugar. Poderia viver ali o resto de sua vida e nunca, nunca iria abusar. Ela desceu do carro, colocou sua jaqueta e pegou sua surrada mochila e sua mala média, subiu as escadas de ferro preta se apoiando no corrimão enquanto levantava a mala na outra mão.

Quando abriu a porta e um sino tocou, achou aquilo bem antigo para o século XXI, mas gostou. A parte de dentro era simples e aconchegante, tudo cada vez mais parecido com Ben. A sua frente havia a porta do elevador e a placa ao lado dizia: Quando a porta abrir, olhe direito para não cair no Além. Não nos responsabilizamos por descuidos fatais alheios. Ela riu com aquilo.

– Gostou da placa? - Do lado da porta de entrada estava a recepção, e ali encontrava-se um garoto moreno com cabelos lisos e negros bagunçados que tentavam esconder seus olhos grandes e castanhos claro, quase amarelado. Ele sorriu cruzando os braços no peito, sentado com as duas pernas em cima do balcão, bastante relaxado. - Posso ajudar em alguma coisa? Pode ser qualquer coisa.

– Er... - Encostou a mala na parede e se aproximou do balcão. - Estou procurando Ben Thomas, avisei para ele que viria aqui.

– O Ben? - Ele levantou uma sobrancelha com um ar duvidoso, talvez com muita inveja do amigo. - Só um minuto.

O moreno tirou as pernas de cima do balcão e deslizou com a cadeira até o telefone ao lado do computador. Ele discou um número e se apressou para perguntar o nome de Jenny.

– Jenny Gates.

Sem demorar muito, ele avisa para Ben sobre a chegada de Jenny, tentando ser discreto quando avisou ao amigo para se vestir antes que ela o visse.

– É no quarto andar, número 18. Fique o aviso que caso você entre e ele esteja girando aquilo como se fosse divertido, não o mate, ele paga as contas em dia.

– Vou tentar. - Eles riram.

Jenny pegou a mala no canto e chamou o elevador, lembrou-se do aviso na placa e quando a porta abriu se certificou de que o elevador havia mesmo chegado. O moreno riu, lançou um sinal de positivo com o polegar e voltou para sua posição relaxada de antes lendo um gibi.

Quarto andar. Número dezoito. Ela repetiu em voz alta.

Apertou o botão 4 e atendeu o telefone que insistia em vibrar dentro de seu bolso. Era Joshua, ela notou, um dos capangas da Quinta Divisão, basicamente encarregados de limpar os rastros das primeiras Divisões e para a infelicidade de Jenny, ela era ou ainda é sua chefe.

A porta abriu e Jenny saiu com um ar raivoso. Bateu na porta com um pequeno 18 na frente e friamente encerrou a ligação. Ela guardou o celular em um bolso dentro da jaqueta e levantou o rosto em direção a porta agora aberta. Mesmo depois de treinar sua reação, foi inevitável que aconteceu.

De surpresa ou cansaço, não soube identificar no momento, ela prendeu a respiração e gelou no lugar. A sua frente estava um garoto magro, alto e mal vestido. Usava uma camisa grande de mangas compridas - que não valorizavam nenhum músculo -, uma calça de moletom bege e em seu rosto havia um bigode mal formado. Seus cabelos estavam uma confusão de cachos negros que se enrolavam de qualquer jeito e seu olhar, mais assustado ou surpreso do que o dela.

– Você está horrível. - Aproximou-se dele e o abraçou sentindo seu corpo ficar tenso. Ela entrou, largou a mochila no chão deixando a mala encostada na parede,tirou a jaqueta e se sentou no sofá mais próximo.

Jenny estava mais bonita do que Ben se lembrava. Não era como uma modelo ou estrela do rock, sua beleza era de um jeito simples, não forçada. Seu cabelo continuava extremamente escuro como ele lembrava, mas seus olhos estavam azuis muito escuro, contrastando com a cor pálida de sua pele e com suas leves sardas no nariz e nas bochechas.

– Oi, como você está? Estou bem, obrigada por perguntar. - Ben sentou ao seu lado como um saco de batatas pesado. Odiava acordar cedo e ficar mal humorado logo no inicio do dia. Mas ela não estava facilitando as coisas. E o pior era o perfume dela. Ele nunca entendeu o porquê das garotas usarem perfumes adocicados. Era enjoativo.

– Também estou bem.

– ...

– ...

– Quer beber alguma coisa? Suco... Talvez água. - Perguntou sem olhar diretamente para ela.

– Água serve. - Ele se levantou e foi até a cozinha deixando Jenny observar mais de sua casa. O apartamento não era tão grande, mas era espaçoso o suficiente para ser confortável.

No primeiro piso havia um sofá cinza de dois lugares com cinco travesseiros médios coloridos, e duas poltronas azul escuras dos dois lados, no centro tinha uma mesa pequena redonda cheia de chaves, controle remoto e de vídeo game, todos virados para uma tevê grande presa a parede.

Em um canto havia uma pia sob um pequeno armário para guardar os utensílios, uma mini geladeira e um armário na parede ao lado lotado de comida e embaixo da escada no fim de um pequeno corredor, uma porta que deduziu ela, ser o banheiro.

O primeiro e o segundo piso eram ligados pela escada de madeira clara, em cima havia um grande armário, uma cama de casal desarrumada e uma estante cheia de livros, bonecos e revistas eróticas.

– Aqui. - Disse Ben a assustando um pouco. - Então... Como anda a vida?

– Bem, eu acho... - Ela tomou um longo gole. - AI MINHA NOSSA, VOCÊ TEM UM GATO!

– Uma gata. Ali. - Ele observou Ali puxar incansavelmente a bainha da calça de Jenny que sorria divertida e tentava acariciar sua cabeça. Por pouco ele se deixou lembrar daquela Jenny criança, e como ele sentia falta dela. Mas não podia confiar nela de novo. Não depois dela ter o abandonado. - É melhor você se acomodar, não é? Vou procurar alguma coisa para comer enquanto você se espalha por ai.

– Onde vou dormir?

– No chão. Tenho um colchão inflável que você pode usar.

– E por que não posso dormir na cama de cima e você dorme no colchão aqui em baixo como uma pessoa hospitaleira e educada faria?

– Não sou hospitaleiro e muito menos educado.

– Disso eu sempre soube.

– Primeira regra do dia. Nunca suba essas escadas, lá em cima é meu santuário.

– Você não mudou nada, Nicholas.

– Não posso dizer o mesmo sobre você. - Ele subiu as escadas e abriu uma porta do armário, de lá tirou um colchão preto todo enrolado. Desceu as escadas, jogando o embrulho no sofá. - Mi casa es su casa.


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