Após o beijo, Iago me olha como se eu estivesse ficando louca. Realmente eu estava ficando louca! Como aquele idiota pôde beijar aquela fogosa na minha frente? E ainda por cima fazer uma ceninha de casalzinho apaixonado, fala sério!!! Esse beijo dos dois fez meu estômago revirar... Vou vomitar tudo na cara daquele imbecil, otário e filho da égua (me perdoe dona Keila, mas seu filho é pior cara de todos).

– Vamos embora daqui, Iago! – com raiva eu disse.

– Algo está te entediando? – respondeu ele. Não bobo, imagina.

– Só quero sair daqui e ir para minha sala.

Nos levantamos e ficamos perto da minha sala. Ele me encostou na parede e tentou me beijar.

– Iago, calma...

Ele se afastou frustrado.

– Era por causa daquele Thomas, certo? Se gosta dele, então por que está comigo? – cruzou os braços.

– Iago... Eu gosto de você – balbuciei.

– Se gosta, então deixa eu demonstrar meus sentimentos.

– Mas... Parecia ontem que a gente era colega e você tinha namorada. Entende?

– Estou com a Fernanda? Estou na sua classe? Pronto ué.

Suspirei e coloquei uma mão no rosto. Ai meu Deus, esses meninos não entendem quando você não tá afim! É, apesar que poucos minutos atrás eu estava desentupindo a pia com ele.

Para mostrar que eu não estava apenas usando ele (ou estava?), decidi que ia fazer o que ele queria. Uns beijinhos a mais não ia me dar sapinho, certo?!

– Pronto ou quer que eu te dou um tapa na cara para parar de graça? – falei me afastando.

– Te vejo amanhã então, vou ter que resolver umas paradas e não vou poder te levar até onde você pega ônibus – ele me beijou e virou à direita.

Cheguei na sala e Rosa estava lendo seu livro, o que não é novidade. Thomas ainda não tinha chegado, até que...

– Poderia dar licença para eu passar? – disse ele. Passa por cima meu filho.

– Passa, uai! – estendi a mão.

Na saída, Thomas esperou a Maria na porta da sala dela e os dois saíram de mãos dadas. Ai que fofinho, vou até tirar uma foto para colocar no mural: “Os retardados do ano”, me poupe de ver essas cenas, meu querido. Quem me dera se eu podesse “desver” isso.

Hoje eu fui com Rosa até o ponto, normalmente ela vai com a prima dela, a Mirela, mas hoje ela percebeu a gravidade da situação e se dispôs a ir comigo. Chegamos lá e a criança nem deixou eu respirar e começou a me alfinetar.

– Bom, você sabe que não gosto de enrolar, então quero ir logo ao assunto. Está “pegando” o Iago porque gosta dele, por revolta ou para fazer ciúmes no Thomas? – disse ela cruzando os braços e semicerrando os olhos, como se estivesse me estudando. Algo muito normal vindo dela.

Limpei a garganta antes de falar, não para fazer um discurso e sim porque acho que peguei um resfriado do cacete. Mas, voltando ao assunto, eu não sabia bem o que dizer... Não poderia ser um pouco de cada?

– Gosto dele, fiquei revoltada mas não estou fazendo ciúmes – menti sobre o ciúmes. – Só acho que também tenho o direito de ser feliz.

– Cara, você é idiota?? Até um cego vê que o Thomas gosta de você – disse ela fazendo uma expressão de frustação. – Estou afim de tirar meu tênis e jogar em você, acorda, mulher! Vai deixar um cara lindo daquele pegar aquela menina?? Se eu fosse você já tinha pegado de jeito.

Às vezes acho que a Rosa não mede as palavras e acaba falando besteira, mas ela é minha amiga do coração então eu ignoro.

– O que você acha sobre ele ficar com aquela menina?

– Vou ser sincera – como se ela não fosse o bastante. – Não dou nem um mês para eles “terminarem” – ela fez aspas com os dedos.

– Eu não sei o que eu faço.

– Se continuar assim, nenhum vai querer você! Vai ficar para titia!

– Ah, que se dane se eu ficar para titia, pra vovó, pra mamãe!!

O ônibus que Rosa pegava estava se aproximando. Ela foi um pouco para frente e falou:

– Decida sua vida, minha filha – ela fez sinal para o ônibus. – Tchau.

Casa, 12:23 –

Estava exausta. Passei pelo corredor e encontrei Lucas fazendo o dever, fui para meu quarto e joguei minha mochila em qualquer lugar. Deitei na cama e fiquei imaginando cada coisa que acontecera hoje.

– Caramba - disse em voz alta. – Seria tão fácil se eu não fosse tão difícil... Nem sei se gosto mesmo do Iago. Cada vez que vejo Thomas com a panaca, dá uma vontade enorme de jogar ela num abismo e dar um tapa nele. Por que? – me virei para o lado e vi o ursinho que Eila tinha me dado jogado no canto da cômoda. Me levantei.

Passei mão no bichinho de pelúcia para tirar a poeira, fazia um tempo que eu não o limpava. Era um ursinho tradicional, segurava um coração e tinha um lacinho na orelha esquerda. Havia 3 anos que eu tinha ele. Me lembrei do dia que Eila havia me dado o bichinho. Passou um filme em minha cabeça:

– Olívia, tenho um presente para você – disse Eila sorrindo, o que me fez lembrar das suas covinhas na pele um pouco enrugada.

– Espero que não seja um par de meias – brinquei. – Mas se for, usarei até as traças comerem.

– Não, não – ela sorriu. – É algo que espero que você guarde.

– Para sempre? – perguntei arregalando os olhos.

– Sim. Toda vez que ver ele, não se esqueça de lembrar que estarei com você sempre. – ela passou as mãos em meu cabelo.

Eila não tinha filhos. Bom, na verdade ela tinha, uma garota cujo nome era Odete, namorava um cara chamado Heitor, que aos olhos de Eila, era um tremendo cafajeste. Ele batia nela com frequência, mesmo Eila falando para filha terminar que ela era muito nova para sofrer, a garota insistia no relacionamento que só gerava ferimentos. Um dia Odete fugiu de casa, ela tinha uns 16 anos. Sua mãe tinha ficado em desespero, passou meses procurando a filha e no sétimo mês, Eila havia encontrado uma carta debaixo do colchão de Odete, não era muito grande, era com o se fosse um recado. A carta dizia:

“Mãe, me perdoe mas eu não posso viver aqui... A senhora não aceita meu namoro com Heitor e muito menos aceitaria o que está acontecendo comigo. Eu estou grávida e sei que não temos condições de criar a criança vivendo debaixo deste teto... Quando ler isso, por favor, não fique com raiva por ter escondido isso. Eu vou morar com Heitor para longe daqui. Vamos criar nosso filho e trabalhar. Se quiser me encontrar mamãe, estarei em Bom Despacho. Me desculpe por não ser a filha que a senhora queria. Eu te amo...”

Quando Eila leu aquilo, sentiu esperança de encontrar a filha, não só ela, mas também seu neto. Viajou para Bom Despacho mesmo sem saber com exatidão a localização de Odete. Bateu na primeira porta e mostrou a foto da filha, foi quando Eila recebeu a surpresa. A dona da casa havia reconhecido Odete e mostrou para Eila uma notícia de jornal. Odete havia sido agredida por seu namorado e encontrada em um matagal, um morador próximo a levou às pressas para um hospital, mas nem ela e nem o bebê resistiram. Odete estava esperando uma menina e Heitor foi preso, nunca se perdoou pelo que fez, tanto que depois que saiu da prisão, ele teve sérios problemas mentais e hoje mora com a mãe.

Mesmo depois de vinte anos, a minha antiga vizinha lembrava da filha e pensava na neta que nunca conheceu. Então, desde que mudei para perto de Eila, ela me considerou sua neta e eu a considerava como uma avó ou uma segunda mãe. Quando cheguei de viagem e ela não estava lá, senti um aperto. Mas sei que ela teve seus motivos.

– Já foi almoçar? – disse Thomas interrompendo meus pensamentos.

Deixei o ursinho na cômoda e limpei a lágrima que caiu no meu rosto.

– Não – balbuciei.

– Estava chorando?

– Não te interessa! Saia desse quarto pois ele não te pertence.

– Era por causa da sua vizinha. Não era?

Abaixei o olhar e balancei a cabeça.

– Ela... – tentei segurar as lágrimas. – Ela era especial – disse já não aguentando e derramando em lágrimas.

Thomas se aproximou e me abraçou. Acariciou meus cabelos e falou:

– Eu não irei te deixar, Olívia... Você pode estar com qualquer pessoa, porém não vou deixar você.

– Você promete?

– Sim, eu prometo.

Fim do capítulo 22.