Imbranato escrita por Mari Bonaldo


Capítulo 1
Eu Não Sou Karen Richards.


Notas iniciais do capítulo

Oi galera! Essa fic já foi estava sendo postada, mas com Rachel e Finn (Glee) como casal. Acontece que depois que o Cory Monteith morreu, ficou muito difícil encontrar inspiração pra escrever sobre Finchel. De qualquer forma, estou repostando substituindo o casal principal por Katniss e Peeta e mudando algumas coisinhas da história ♥ Boa leitura!



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Beberiquei um gole do cheiroso capuccino fumegante que a garçonete do Cavallieri’s – um café ótimo e cheio de hypsters escondidinho no Tribeca - colocara à minha frente apenas um segundo atrás. Deixei que a fumaça quente trouxesse um pouco de conforto e a momentânea sensação de que tudo estava bem, enquanto observava a bonita garçonete se afastar. Uns dezenove anos, os cabelos loiros e cacheados presos propositalmente de forma desmazelada, as coxas e o bumbum minúsculos por baixo da calça reta que ela veste. Eu posso apostar que ela entra em um tamanho infantil sem precisar parar de respirar para isso – ao contrário de mim. Mesmo com um uniforme sem graça – calça de cambraia preta, blusa branca de malha e por cima um avental comprido bege – aquela garota me humilha totalmente com sua beleza inocente típica da juventude. Me peguei sentindo falta dos meus dezenove anos (ainda que, mesmo naquela época, eu não fosse assim tão impressionantemente bonita). Que aconteceram, exatamente, dez anos atrás. Dez. A sensação de conforto foi embora tão rapidamente quanto veio.

Quando eu imaginava o meu futuro, na adolescência (a época em que minha auto estima era maior e o meu bumbum menor), minhas expectativas eram exatamente assim: Eu vivia em Nova Iorque, trabalhando na redação de uma grande revista ou jornal. Eu era linda, tinha pelo menos vinte centímetros a mais de altura e cinco quilos a menos. Morava no Upper East Side, em um apartamento moderninho e com uma decoração retro digna da Elle Décor. Tinha um marido maravilhoso, que ficava bonito em jeans escuros e camisa social, e me faria Masala Chai nos dias frios de Novembro.

Isso, nem de longe, é o que a minha vida se tornou. Eu trabalho sim na redação de uma revista – mas não é a Vogue e muito menos a Time. Trabalho na redação da Sweet, uma revista para adolescentes que ainda não atingiu os níveis que gostaríamos. Ganho o suficiente para comprar roupas lindas (e, ocasionalmente, de grifes cobiçadas) e me sustentar, mas definitivamente não moro no Upper East Side. Moro em um apartamento funcional – justo eu, que sempre odiei essa palavra – no Chelsea. Tenho 29 anos, e não tenho nem um namorado fixo, quem dirá um marido. Meu bumbum e minhas coxas são maiores do que eu gostaria. Honestamente, são deselegantes. E, desde a adolescência, eu não ganhei um misero centímetro a mais em minha triste compilação física.

Encaro o meu reflexo no vidro da janela enorme, em estilo colonial, bem ao meu lado. A criatura ali refletida me encara de volta. Seus olhos são cinzentos, e estão um pouco inchados. Os seus lábios são cheios, e ela agradece à MAC por isso. A pele branca já foi mais brilhante, mas ainda está livre de rugas. Os seus cabelos são do mesmo tom escuro sem graça que sempre foram, levemente ondulados, caindo sobre os ombros e o tronco.

Ouço o barulho de alguém brigando com a porta do Cavallieri’s, o que me arranca abruptamente de meus pensamentos. Viro a cabeça para a frente, somente para encontrar Madge, com sua bolsa de couro presa na porta, praguejando baixinho, alheia ao olhar lascivo que recebe do atendente.

Com 1,75m de altura, coxas magras e definidas como as de uma bailarina, e longos e esvoaçantes cabelos loiros, Madge é o tipo de mulher que você odiaria se fosse possível não amá-la.

Ela consegue, finalmente, soltar sua bolsa que fora engolida pela porta do Cavallieri’s, e se vira em minha direção, abrindo um enorme sorriso com covinhas e dentes brilhantes. Eu, imediatamente, me levanto, e quando ela me alcança damos um longo e reconfortante abraço (e eu agradeço por estar usando meu sapato de bico arredondado e salto monstruoso, que comprei ontem por uma pechincha em um outlet da Valetino). Se você nos visse assim abraçadas, pensaria que não nos vimos por dezenas de dias. Talvez até meses. Mas nos vimos a três dias atrás. A verdade é que Madge é o tipo de pessoa verdadeiramente efusiva e carinhosa que dá esse tipo de demonstração de afeto o tempo inteiro.

Nós nos conhecemos há oito anos em um pub escocês, no meu primeiro ano em Manhattan, quando ainda estava na universidade. Madge estava linda, com um cardigã de cashmere Michael Kors que eu cobiçava havia tempos. Sorrateiramente, me aproximei dela, e quando ela me notou, torci para que não me achasse louca por pedir para que eu tocasse na peça. Ela não achou. Não só me deixou tocar seu cardigã, como também abriu o jogo pra mim e disse que havia-o adquirido em um bazar oferecido por uma daquelas garotas ricas da Quinta Avenida, senão nunca poderia pagar por tamanho luxo. E, naquele momento, descobrimos uma mesma paixão e uma mesma necessidade: a paixão era a moda e a necessidade era se vestir bem sem gastar muito. Daquele dia em diante, descobri muito mais coisas sobre Madge. Por exemplo, descobri que eu e ela não éramos nada parecidas. Madge é efusiva, divertida sem nem ao menos se esforçar para isso, carinhosa e pouco sensível. Ela tinha um namoro firme há anos, mas era uma amiga extremamente fiel e nunca agia como uma Comprometida Convencida. Gale Hawthorne, seu namorado, era devoto e fiel e eu e ele nos dávamos muito bem, como irmãos.

Madge sentou-se à minha frente na mesinha redonda, e me observou atentamente, franzindo o cenho a medida em que seus olhos claros passeavam pelas pequenas bolsinhas inchadas abaixo de meus olhos e minhas bochechas avermelhadas.

– Kat, por favor, não me diga que você não esperava por isso!

Eu desviei meu olhar de seus olhos incrédulos, mordendo o canto da boca enquanto apertava com um pouco de força a alça da caneca quente. Ah, não. Lá vinham elas de novo. As lágrimas. Tentei refrêa-las. Em vão. Explodi em um soluço que eu esperava que não houvesse sido tão escandaloso quanto pareceu. Madge suspirou, enfiando a mão em sua bolsa gigantesca e retirando de lá um pacote de Kleenex.

– Eu vim preparada. – disse ela, com um mover de ombros, ante ao meu olhar indagador.

Aceitei de bom grado os lenços de papel, agradecendo mentalmente por estar usando rímel a prova d’água.

– Amor, o Ted não vale nem metade desse rio que você está chorando. Sério Kat. Por favor,– a voz dela ficou levemente debochada – ele era modelo de pasta de dentes. Você não quer um modelo de pasta de dentes como seu futuro marido. Primeiro, porque essa nem é uma profissão de verdade, e segundo porque os dentes dele são tão brancos que me assustam.

Eu assimilei suas palavras, deixando de chorar. Realmente, os dentes de Ted eram absurdamente brancos. Ou talvez fosse só o contraste com sua pele bronzeada. Pensando melhor, o arranjo todo era um pouco estranho... Perfeito demais. Sim, tentei convencer a mim mesma, perfeição demais era irritante.

– Além disso, - ela continuou – ele roubava seus hidratantes da Benefit. E era totalmente auto centrado, menos quando se tratava de outras mulheres. E também se importava mais com aquele cabelo ridículo cheio de luzes do que com você. O conjunto todo berrava cafajeste.

Fazia sentido. Mas eu acho que a doce e jovem Kate, sua amantezinha, não pensa assim, já que não hesitou nem um minuto em dormir com aquele cafajeste que, por sinal, era meu namorado.

– Eu achei que era ele, Madge. Eu juro que podia vê-lo abaixado sobre um joelho, e depois me esperando no altar, usando um terno com corte italiano. – eu confidenciei à minha amiga, esperando um pouco de solidariedade de sua parte. Mas tudo o que ouvi foi:

– Você acha que todo cara é o amor da sua vida.

– Eu não... – comecei a argumentar mas logo fui rudemente, em minha humilde opinião, interrompida.

– Sim, você acha sim. O problema com você Katniss, é que é capaz de transformar qualquer defeito em qualidade. Você se recusa a aceitar os defeitos dos homens, projetando neles todas as qualidades que espera do marido ideal. E, honestamente, você tem que parar com isso.

– Bear tem que parar com o quê? – disse uma voz afetada, logo acima de minha cabeça. Eu não precisava olhar para saber que era Marvel. Afinal, só ele me chamava de Bear (Eu juro que passei anos analisando esse apelido sob todos os ângulos possíveis e, mesmo assim, ele continua não fazendo sentido). Mas, mesmo não precisando olhar, eu olhei. E devo dizer que a beleza exótica de Marvel me atinge com força total, da mesma forma que me atingiu a seis anos atrás, quando o vi entrando, absolutamente lindo em jeans modernos e uma camiseta Abercrombie & Fitch de gola V, no campus de jornalismo da NYU. Os cabelos, agora em corte retrô, antes exibiam lindas ondas claras. Aquele detalhe, misturado aos olhos cor de castanhas e ao rosto liso e infantil, me conquistaram na hora. E então, nós saímos juntos por três meses.

Até Marvel admitir que era gay.

Eu acho que sua fascinação em me maquiar devia ter me alertado de que aquilo, cedo ou tarde, aconteceria. Sua inveja por meu cabelo também. Entretanto, decidimos levar a amizade adiante, e aquela fora provavelmente minha melhor decisão. Marvel é o amigo gay que toda garota quer: jornalista de moda; imã de gente rica e bonita; talento nato para a maquiagem e, ainda por cima, divertidíssimo. Mas, na época em que saiu do armário, a confissão de Marvel me pegou de surpresa e atingiu com força total. Afinal, ele fora o meu primeiro marido em potencial, como Madge e Marvel tão carinhosamente gostavam de chamar os homens com os quais eu saía e pelos quais, cedo ou tarde, (na maioria das vezes cedo) eu me apaixonava. Como se estivesse lendo meus pensamentos, Marvel respondeu:

– Tem que parar de achar que vai se casar com qualquer um que saia com ela por mais de uma semana.

Marvel prontamente balança a cabeça, concordando. Em um gesto exagerado, joga-se no espaço livre do banco onde estou sentada, e segura minhas mãos.

– Você sabe muito bem o que aconteceu à Karen Richards!

Todos nós estremecemos simultaneamente. Ninguém quer acabar igual à Karen Richards.

– Em um momento, ela tinha tudo. – começa Marvel, com a voz enlutada, recontando-nos a história a qual já havíamos ouvido um milhão de vezes. – Era a mente brilhante da turma de jornalismo da NYU, a garota prodígio. Em outro, estava apaixonada por Gabriel. – Marvel recosta o corpo musculoso no encosto macio do banco, jogando a cabeça para trás, e voltando o olhar para a rua molhada e caótica pela chuva que começara a cair. – E o resto, meus amores, é tão deprimente que não posso dizer tais palavras em um dia tão triste.

Nós fazemos um minuto de silêncio, tensos, pensando em Karen Richards. Ela foi nossa colega, minha e de Marvel, na universidade. A garota mais bonita e inteligente que você já conheceu. Ela poderia mudar o mundo, se quisesse. E ela queria. Mas resolveu deixar os planos de lado, por uns tempos, ao conhecer Gabriel, um cara magrelo que escrevia poemas esfarrapados para convencer as mulheres de que ele tinha uma alma inquieta. E, bem, ele tinha um certo magnetismo, tenho de admitir. E Karen achou que ele era o cara perfeito. Eles começaram a sair, depois a namorar, e antes que você possa dizer “absurdo”, já estavam casados. Acontece que, depois de um tempo, a máscara de artista perturbado de Gabe começou a cair, e todos nós descobrimos que ele não passava de um Cafajeste. Com C maiúsculo. Todos nós... Menos Karen. A Karen que continuou casada com Gabe, e depois abandonou a faculdade porque ele sentia-se diminuído pelo brilho dela. E todos nós vimos como Gabriel fazia mal à ela. Menos Karen. Karen, que teve filhos com ele, e a longo prazo, perdeu sua beleza. Mas o pior de toda essa história é que Karen estava miserável – sem seu brilho, sua beleza, inteligência e os grandes sonhos, além de carregar bons chifres na testa – e, mesmo assim, ela preferia viver essa vida a ficar sem Gabriel. Porque a verdade é que para ela, ele sempre seria o artista inquieto e sensível. Karen se negava a enxergar os defeitos de Gabriel.

– Eu não sou Karen Richards. – eu disse, um pouco rude demais, quando percebi o motivo pelo qual havíamos entrado naquele assunto, afinal.

– Não, não é.- disse Marvel, com convicção. – Mas está a um passo de tornar-se.

– Não, eu não estou! – teimei.

– Você está sentada em um café, em uma tarde chuvosa de segunda, com os olhos inchados por um cara com o qual passou um mês. – diz Madge, com delicadeza. – Kat, você está a alguns passos de se tornar Karen Richards.

Marvel concorda, colocando uma de suas mãos manicuradas sobre o meu ombro.

Será mesmo que a minha situação era assim tão grave?

– Meu bem, quantas vezes nós estivemos na mesma situação nesse ano? –perguntou Madge.

Tentando criar tempo, coloquei a xícara de capuccino em meus lábios, fingindo estar impossibilitada de responder mas, na realidade, pensando sobre o assunto. Houveram sim alguns maridos em potencial. Dois no máximo. Teve o cara de Wall Street, Jhon; o escocês com sotaque bonitinho, Damian; Dylan, o personal trainer; Paul, o músico folk; e também Jamie, o londrino. E também Ted, o cafajeste. Ok. Isso aqui é um pouco mais que dois caras.

– Pare de fingir que está tomando esse capuccino, Srta. Romântica Incorrigível. – diz Marvel, divertido.

– Meu Deus... – eu digo, finalmente. – Eu sou Karen Richards.

A onda de compreensão me atinge com tanta força que, por um tempo, eu mal me movo. E quando consigo me mover, é pra agarrar o braço de Marvel, horrorizada com a súbita certeza de que as palavras de Madge mais cedo eram verdade. Eu projeto meus desejos e expectativas nos homens. Eu nego defeitos. Eu sou tão inocente que, se minhas coxas diminuíssem e me dessem uma saia xadrez, eu poderia me passar por uma colegial!

– Você não é Karen. – diz Madge, enquanto retira a minha mão do braço de Marvel, já avermelhado pela força do aperto – Mas, o que estamos querendo te dizer, é que você tem grandes chances de se tornar.

– Obviamente uma versão mais glamurosa de Karen. – diz Marvel, rapidamente, o que faz com que eu me sinta minimamente melhor.

– Eu não quero terminar a minha vida com dois filhos que me batem e berram comigo, um marido idiota, e obcecada por limpeza e programas do Discovery Home & Health. – me peguei dizendo, enquanto sentia o desespero crescer dentro de mim.

– E você não vai. – diz Madge, com convicção. – Porque você tem a mim e a Marvel.

– Exatamente. E, Bear, você precisa parar de chorar. E de se apaixonar tão facilmente.

– Eu... eu não consigo! – respondo, com uma voz um pouco esganiçada. – Como vocês conseguem?.

– Na realidade, eu tenho sorte de ter me apaixonado por alguém que me corresponde. – Madge dá de ombros, como se aquela fosse uma explicação perfeitamente plausível. – Mas, de qualquer forma, as coisas entre eu e Gale correram a seu tempo. Eu nunca o pressionei e ele também sempre respeitou minhas decisões. - Me peguei invejando, pela primeira vez, a sorte de minha melhor amiga em ter um relacionamento tão inabalável. Era verdade. Eu tinha acompanhado toda a trajetória do relacionamento entre eles, desde o dia em que se conheceram cinco anos atrás até os dias de hoje, em que estavam morando juntos no apartamento de Gale. E Madge era tão autoconfiante! Nunca, em nenhum momento anterior, deixou-se abalar com a possibilidade de que talvez Gale estivesse enrolando-a, ou que ele pudesse conhecer uma nova garota, acreditando fielmente que quando conhecesse a pessoa certa tudo seria perfeito sem que ela precisasse perder a cabeça por isso.

Eu não podia culpá-la por ter essa visão tão cor-de-rosa do amor e do mundo: Se eu tivesse sido criada da mesma forma que ela, eu provavelmente seria bem crédula e confiante também. Os pais de Madge eram casados – e felizes! – há vinte e cinco anos.

Um dia, quando eu, Madge e Marvel estávamos de pilequinho no meu apartamento, inevitavelmente caímos no assunto “família”. Marvel e eu havíamos sido criados em Minessota, ambos em cidades pequenas e terríveis. A diferença é que Marvel sempre havia sonhado em deixar para trás a família – sua mãe submissa e muito religiosa e o pai alcoólatra - e a cidade em que crescera, e eu só havia começado a desejar tal coisa depois do ponto de ruptura que acontecera na minha família. Nós dois fomos bem rápidos, portanto, em avacalhar nossa famílias. Eu sempre fora muito cuidadosa com esse assunto, não só pelas lembranças dolorosas que ele despertava, mas também porque eu sentia tanto medo das suposições que as pessoas poderiam fazer de mim. Aquela noite eu não agi de modo diferente: mesmo colocando para fora tudo o que eu tinha a dizer sobre minha mãe histérica e meu pai relapso, eu não toquei no nome dela nem uma vez. Não falei em minha irmã e no episódio que ocorrera naquele verão que eu tentava a todo o custo esquecer.

Marvel, por sua vez, fora bastante dogmático em sua história.

–... E a minha mãe é simplesmente uma vaca! – disse ele, a voz degringolada pela bebida – Ela me trancou em casa por três semanas quando me pegou em um amasso com o filho dos Burke, o... como era mesmo o nome dele? – Ele pareceu pensativo e deu mais um grande gole na garrafa de vinho branco – Foda-se, o importante é que ele tinha um pinto do tamanho da Estatua da Liberdade. De qualquer forma, minha mãe ia todas as noites ao meu quarto e me dizia pra pedir perdão a Deus por ser uma aberração. E então eu dizia: “Querido Deus, obrigada por ter permitido que eu chupasse a coisa do filho dos Burke antes da Bruxa Má do Oeste nos flagrar”. Eu ganhei um tapa a cada noite, mas sempre valia a pena.

Eu me lembro de ter rido e batido palmas, mas Madge se limitava a sorrir, parecendo desconfortável com nossas declarações.

– E você, Baby Doll, quais são as coisas terríveis do seu passado familiar? – perguntou Marvel a ela, derrubando um pouco de vinho no meu tapete enquanto me passava a garrafa.

Madge sorriu amarelo, parecendo muito envergonhada, antes de começar a falar.

– Na realidade, minha família é bem legal. Meu pai é banqueiro e minha mãe artista plástica. Eles estão casados há vinte e cinco anos. Eu tenho três irmãos, todos mais velhos e nossa casa era sempre barulhenta e cheia. Eu... gostava de casa.

Olhamos chocados para ela, a garrafa de vinho na minha mão pendendo levemente para o lado.

– E os barracos? – perguntou Marvel, ainda chocado.

Madge deu de ombros.

– Tenho certeza que os meus pais discutiam, mas não na minha frente e acho que nem na frente dos meus irmãos. Na maioria das vezes eles estavam só... felizes.

O que eu me lembro, daquela noite, é que depois da declaração de Madge sobre sua família nós passamos a finalmente entender o lado “Pollyanna” de sua personalidade.

Hoje, porém, eu precisava dos conselhos de alguém que tivesse vivido a vida real. Olhei para Marvel, pedindo socorro.

– Olha, eu não me envolvo por que sempre acho algum defeito. – Ele tirou a xícara de minha mãos, dando um grande gole em meu capuccino. Fez uma expressão de deleite, e em seguida, continuou. – Todas as vezes em que me envolvi com alguém, até hoje, encontrei defeitos na pessoa...

– Marvel, todos tem defeitos. O príncipe não existe. Sai da Disney, homem. – interrompeu-o Madge, revirando os lindos olhos verdes, o que foi bem irônico se levarmos em consideração a vida que ela tinha vivido.

– Como eu estava dizendo antes de ser interrompido por essa senhorita indelicada... – ele continuou, mexendo as mãos como uma diva. – Até os meus vinte e um anos, eu estava preso em Nárnia, então os defeitos de meus conjugues eram óbvios: tinham uma racha. Depois, eu passei a enxergar pequenos ou grandes defeitos que me tiravam do sério, mas eu os ignorava. Até tornarem-se grandes problemas. Os defeitos de outra pessoa não devem te incomodar. Eu vou saber que encontrei o cara certo quando eu simplesmente conseguir aceitar seus defeitos. Enquanto não encontro, me divirto com os errados.

– Faz sentido. – eu disse. – O problema, Marvel, é que segundo vocês eu projeto qualidades em cima dos defeitos alheios. Então, acho que isso não dá muito certo pra mim. – apoiei minha cabeça nas mãos. – Eu estou ferrada. O meu destino é ficar presa nesse ciclo doloroso, em busca de um relacionamento sério, mesmo que com a pessoa errada.

– Para de procurar, Kat.

Olhei para Madge, indagando-a com o olhar.

– Se eu parar, nunca vou achar.

– Na realidade, é o contrário. Já foi comprovado que, ao procurar por relacionamentos, você se torna menos aberta a eles. Se a procura é obsessiva, como claramente é a sua, causa estresse, e ansiosidade e isso te afasta das chances de conhecer caras legais.

Marvel revirou os olhos ante a mini tese de Madge e tomou minhas mãos.

– O que a Madge ta querendo dizer com toda essa pompa, é que os homens fogem de mulheres loucas. Então pare de agir como uma. Distraia-se, crie novos hobbys, tire de sua mente a ideia velha de que para ser feliz você precisa de um marido. Você é uma mulher moderna, sexy e forte por si só. Nós, que estamos tão próximos de você, enxergamos isso. Está na hora de começar a mostrar essa atitude para o mundo, Katniss Everdeen.

Eu e Madge olhamos para Marvel, embasbacadas. Ele soltou minhas mãos e tomou mais um pouco de meu capuccino.

– Que foi, bonitas? Posso ser profundo quando quero. – disse com um dar de ombros.

Ficamos em silêncio por alguns minutos, observando a chuva que só fazia aumentar o típico caos de Manhattan.

– Kat precisa de uma intervenção. – soltou Marvel, de repente, batendo as mãos como uma criança. – Meninas, vamos fazer compras!

– Marv, nem tudo é sobre aparência. A Kat precisa mudar de atitude, e nenhuma bolsa Chanel pode lhe trazer isso.

– Mas a bolsa Chanel pode me deixar bem feliz. – eu respondi prontamente, já pegando meu casaco que despencava inerte no minúsculo espaço vago ao meu lado. Se eu ia ter que mudar de atitude, precisava me dar um pequeno presente por isso.

Meu pequeno presente custou boa parte do meu salário, e nem foi uma bolsa Chanel. Eu precisaria vender meus órgãos no mercado negro para pagar pela bolsa Chanel. Meu presente foi um vestido maravilhoso: preto, colado ao corpo, com um corte sexy que evidenciava meus seios e me deixava enlouquecidamente gostosa. Era lindo, e eu estava morrendo para usá-lo. Mas havia dois pequenos problemas: Marv me fez prometer que eu só usaria esse vestido quando estivesse saindo com um homem real – com defeitos que eu reconhecesse e aceitasse. O vestido seria a minha recompensa por ser uma boa menina. O segundo problema é que, por ter comprado o vestido, eu não poderia gastar mais nem um centavo do meu suado salário em minhas amadas coisinhas supérfluas. Adeus conjunto de lingerie de girassóis da La Perla.

Após um banho quente na minha velha banheira, me sentei na cama com o meu caderno de finanças na mão, observando interessada um pequeno padrão em minhas finanças: eu fazia a “louca-do-cartão-de-crédito” toda vez que terminava com alguém. A minha conta da Topshop era quilométrica. E porque diabos eu havia comprado uma caçarola, afinal? Eu nem ao menos gostava de cozinhar!

Sentindo-me o próprio Freud, conclui que eu comprava com a intenção de preencher o vazio que os homens deixavam em minha vida toda vez que iam embora. Tentando não pensar em minha desastrosa vida amorosa, liguei a TV em um canal qualquer e fui até a cozinha agarrar um pacote de batatas fritas antes de me enfiar na cama novamente. O caderno de finanças ainda estava lá, me acuando, quase como se não fosse somente um objeto inanimado.

Bufei. Eu realmente precisava aprender a viver sem os homens. Ou ficaria pobre.


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Notas finais do capítulo

Gostaram? grande parte já está escrita, então se forem bonzinhos tem mais história logo logo :)