Short- Fic: Recomeçar escrita por Lady Salvatore


Capítulo 1
Recomeçar - Part 1.


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem...

( Pessoal, um aviso rápido: eu tenho outra fanfic, de tvd... e se em alguns momentos houver nomes aí: como Damon/Elena... n são personagens novos, é apenas um erro meu. Porque eu já to acostumada a escrever fics de the vampire diaries. Então, me desculpem se ocorrer. )



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/506766/chapter/1

15 de maio de 2017 – São Paulo (Capital)

Esforçando-se para não rasgar o papel, Felix repassou a grossa tinta da caneta vermelha pela folha outra vez. Queria dar ênfase aquele dia, mesmo que no calendário. Reforçou o xis desenhado em cima do número e sorriu brevemente.

Era o ultimo dia.

Ao mesmo tempo em que se sentia orgulhoso de si mesmo por ter conseguido ir até o fim, também praguejava palavras ofensivas a si mesmo por simplesmente ter começado com aquilo tudo em primeiro lugar.

O arrependimento é, e sempre será a pior sensação do mundo, e disso Félix sabia melhor do que ninguém.

Encarou o pequeno guarda-roupa de madeira ao fundo do quarto, as duas portas do móvel já estavam abertas e ele tinha visão completa de suas roupas; Diferentes dos ternos de grifes de antes, aquelas eram apenas roupas... Comuns roupas masculinas e rotineiras.

Lembrava-se de todos os dias que passou ali. Exceto pelo primeiro. Um pouco mais de mil e cem dias e entre todos eles, o único que não recordava com lucidez fora justamente o que lhe colocou naquele lugar.

Conseguia, com dificuldades, ter o flashback de dois homens o segurando pelo braço, de modo bem rude e sem delicadeza. Não conseguia mover os braços, já que era muito provável que uma camisa de força se encontrava ao seu redor. Ouvia esboços de gritos femininos ao fundo, mas não interrompeu o falatório. Se mal conseguia respirar, quanto mais falar.

Apesar de ter certeza de que aquela voz era de sua mãe, implorando para que não fizessem mal a ele.

Mas o importante agora era que aquele era seu ultimo dia naquela clinica de reabilitação após três anos e alguns insignificantes meses. Após as crises de depressão, as tentativas de suicídio, o álcool, as drogas... Após todo aquele inferno, aquele era o momento de sair daqueles muros e tentar almejar felicidade em sua vida outra vez.

A mala de objetos pessoais já estava pronta, faltavam apenas as de roupas, onde em menos de meia hora Félix já planejava terminar.

Blusas, calças, casacos, sapatos, meias, cuecas. Tudo pronto, junto a um falso sorriso no rosto onde internamente ele forçava a si mesmo a pensar que tudo ficaria bem. E disso até o próprio duvidava, e muito. Abriu a ultima gaveta no armário por pura precaução, imaginava que nada além de velhas bugigangas tinha ali. Fez mais para não esquecer nada e ter que voltar naquele lugar outra vez.

Surpreendendo até mesmo o próprio sorriso falso em seu rosto, a expressão de Félix tomou-se pela ambiguidade de lembranças nítidas. Um caderno escondido no canto da gaveta lhe quase marejou os olhos. Nunca fora do tipo que possuía diário; Sempre falou o que pensava sem titubear, doera que doer. Mas num centro de reabilitação as companhias eram nulas, e a escrita era sua única opção.

Apanhou com cuidado o caderno em sua mão, não lhe retirando o olhar do tal por um segundo que fosse. Seus olhos ainda mantinham-se presos a dor e a lembrança do começo. Narrou tudo que sentiu ali dentro; O infarto e a morte de seu pai, três meses depois a épica declaração que disseram um ao outro ao pôr do sol. Narrou também sua queda após tudo isso. A depressão que veio logo depois da perda, seguido pelas tentativas de suicídio. O álcool que chegou para fazer que esquecesse a depressão e a cocaína que no final apareceu para tentar manipulá-lo a esquecer de tudo.

Mas mais do que mencionar César, mencionou Niko. Niko que várias vezes o impediu de tirar a própria vida, que o flagrava horas da madrugada enquanto ele mutilava a pele; Ele que aturou por diversas vezes seu mau-humor e vontade de não levantar da cama, os choros, as conversas depressivas e tóxicas cheias de negatividade por conta da profunda depressão. Roubou tantas coisas dele para comprar drogas, incluindo o dinheiro do restaurante atolando-o em dividas. Sem contar nas vezes que chegava bêbado em casa e o esposo tinha de acudi-lo para que não vomitasse em seus próprios pés.

No fim, tanto julgou a lacraia e a fura olho pelo que fizeram com ele, que no fim fez pior. Fora mais do que justo de sua parte encerrar tudo com ele há dois anos. Disse que não tinha mais salvação e que era melhor ele parar de querer salvá-lo, pois não queria ser salvo. Mandou que Niko seguisse sua vida e que ele continuaria com o tratamento na reabilitação, mas deixou bem claro que não queria mais o ver.

Entre choros e negações, Niko foi embora. O que Félix considerava uma das melhores decisões que o ex esposo já havia feito; Niko merecia ser feliz mais do que ninguém, queria muito que ele seguisse em diante, ao invés de perder tempo com quem só o decepcionava e magoava.

Após isso, Niko chegava a mandar cartas. Não lia, jogava fora antes mesmo de olhá-las. Era difícil demais para ele, só que acima de tudo era necessário. Cortava sua mãe ou alguém de sua família sempre que tentava trazer o assunto à tona, o que acontecia em todas as visitas deles. Niko insistiu nas cartas e nos recados através da família por alguns meses, e para o alivio de Félix não fora para sempre. Pois sabia que não iria aguentar, acabaria perguntando algo disfarçadamente sobre como ele estava.

Félix esperava que bem, quem sabe num relacionamento estável com alguém bom o bastante para ele e que amasse as crianças e claramente não se tornaria um estorvo em sua vida.

– Félix... – Uma das enfermeiras chamou-o, na porta entre aberta. Despertando-se daquelas memórias, Félix sacudiu a cabeça voltando à atenção para a moça. – Já está pronto? – Perguntou.

Ele só respondeu após uma breve observada em volta.

– Só falta guardar algumas coisinhas... Em dez minutos eu desço.

– Essa mala já tá pronta? – Apontou para a maleta de objetos.

– Sim, essa já. Só faltam algumas roupas nessa outra mala, mas essa eu já terminei.

– Acho melhor eu ir levando essa pronta. Assim adianta algumas coisas. – Sem mais delongas a mulher apanhou a mala em suas mãos a levando para seu destino final.

Uma das coisas no qual ele mais odiava naquele lugar era o tratamento formal entre os enfermeiros e os internos. No começo demorou a se acostumar, embora a solução mais prática que ele encontrou era falar o mínimo possível.

Um suspiro sôfrego escapou de suas narinas ao ver o diário livre de suas mãos, encaixou o caderno num canto qualquer da mala e cobriu com algumas blusas. Não queria ver aquilo nem ao menos quando desfizesse tudo. Provavelmente iria atear ao fogo da lareira da mansão, mas ali não deixaria.

Nada que fosse seu ficaria naquele lugar.

Passou o zíper ao redor do objeto e elevou o puxador acima, empurrando-a para fora do quarto no qual não queria pisar nunca mais. Um enfermeiro de pontilha pelo corredor ofereceu-se para levar o item ao seu lugar. Sem se importar com qualquer postura ou gentileza, aceitou o favor vendo-se livre do peso de qualquer bagagem física.

– Finalmente Félix – Disse Leandra, uma das diretoras da clinica ao vê-lo descendo os degraus da amadeirada escadaria.

– Finalmente digo eu, criatura. – Proferiu esquecendo-se das regras de formalidade.

– A sua outra mala já ta no carro que vai te levar. – Falou em direção de Félix; Depois se dirigiu ao enfermeiro ao lado. – Enzo... Vai levando essa daí também, assim a gente já adianta as coisas.

– Sim senhora. – Respondeu obedecendo-a. Depois, saiu

Encarando os lados ao redor de si, Félix não conteve o sorriso de felicidade. Olhou em volta mais uma vez não encontrando o que procurava.

Confuso, franziu o cenho.

– Cadê Mami? Ela já chegou, não chegou? – Esperou uma confirmação vinda do olhar da mulher a sua frente, mas não aconteceu.

– A sua mãe não veio... – Contou delicadamente, tentando soar mais educada que pudesse.

Ele endireitou o corpo e olhou melhor para a mulher, esperava que fosse algum tipo de piada. Hesitou em perguntar, criando coragem após um suspiro pesado de tristeza e falta de entendimento.

– Como... Assim... Não veio? Ninguém veio me buscar é isso que você tá dizendo? – Seu tom elevou-se na ultima frase.

A mulher tentou acalmá-lo.

– Espera, espera. Não foi isso que eu quis dizer.

– Então o que? Se minha mãe que é minha mãe não veio, então quem é que...

– Eu. – Uma voz o interrompeu atrás de si. Relativamente longe, mas precisamente perto para ouvir e reconhecer com clareza. Até porque, reconheceria aquele timbre mesmo que mil soassem junto.

Não esperou um segundo que fosse para que ficha caísse, sua cabeça virou antes de qualquer outro instinto e a curiosidade fez-se mais forte.

– Niko... – Sussurrou completamente atordoado. As sobrancelhas franzidas, a testa enrugada, os lábios rígidos; Sinais claros da ambiguidade de seu estado. – Eu não esperava que você...

– Eu imagino. – Interrompeu-o outra vez. Frio, sem demonstrar emoção. Diferente do Niko sempre tão emotivo que todos conheciam. – Senhorita eu já assinei os papeis... Será que podemos ir agora? – Perguntou para a diretora, ignorando por completo a expressão pasma de Félix.

– Bom... O Senhor Khoury assinou os dele hoje bem de manhã; Então se tá tudo certo, podem ir.

– Muito obrigado, senhorita. – Agradeceu formalmente. Depois, voltou-se para Félix novamente. – Vamos? – Disse simplesmente, antes de apressar passo a frente dele, em direção ao estacionamento.

Só pode tá brincando comigo. Pensou Félix numa explosão de raiva por aquele jeito indiferente. Não poupou solas de sapato e marcou firme em direção a Niko, que andava freneticamente em direção a seu carro em meio estacionamento vazio.

– Niko! – Chamou, mas o mesmo não atendeu. – Niko! – Disse mais alto. – Niko pelo amor de Deus, quer pelo menos olhar na minha cara? – Gritou impaciente, fazendo o outro finalmente virar-se.

A distância entre os dois só contribuía para o tom alto da voz de cada um.

– O que? – Perguntou ainda frio, como se nada tivesse acontecido.

Aquilo assustou Félix em inicio, mas preferiu dissimular suas reações.

– O que tá fazendo aqui? – Encarou-o confuso.

– Já disse que vim te buscar. Não percebeu ainda?

– Percebi, só não consigo entender. – Afirmou firmemente. – O que eu quero saber é por que. Porque veio me buscar?

Mais em calmo, Niko tranquilizou seu tom de voz.

– Caso você não se lembre, fui eu quem te pôs aqui. Sou eu quem pagava isso aqui.

– Minha mãe pagava...

– Não, EU pagava. – Voltou ao status de impaciência.

–Então é isso? Tá aqui por um simples acerto de contas e honras pra alimentar orgulho?

Os dois se olharam. Canalizando um do outro o sentimento de raiva que mantinham no momento.

– E se for? – Disse Niko. – Não acha que depois de tudo o que aconteceu eu merecia?

Houve uma longa pausa. Félix não respondeu a pergunta, que mesmo obvia não era retórica. Cruzou os braços na linha abaixo do peito e soltou o ar preso ali. Segundos depois, Niko adentrou ao carro esperando para que ele entrasse também.

Não teve coragem imediata, conseguiu apenas quando interrompeu seus próprios pensamentos e seguiu pelo impulso. Entrou no carro.

–--x---

Ele estava diferente. Muito diferente. Fisicamente nem tanto; O corpo e o rosto continuavam praticamente os mesmos de quando o viu pela ultima vez há dois anos. O cabelo estava mais escuro, e não tão loiros e os cachos mais altos e grossos. O que assustava Félix era o jeito tão frio que o tratava; Começa a questionar se Niko agora era assim com todos agora ou só hoje, exclusivamente com ele.

Não haviam trocado uma palavra desde adentraram no carro, a musica alta no radio o ajudavam a dissipar o ambiente constrangedor. Embora não parecessem nada com as antigas viagens de carro pela estrada de Angra, no auge da paixão dos dois.

Mas ali não era Angra; O paraíso particular dos dois. Era São Paulo. Não era o paraíso, era o concreto. Não era particular, era de um país inteiro.

– Só não entendo porque Mami não mandou nem um motorista pelo menos. – Explicou Félix, quebrando o silêncio ali pela primeira vez.

Niko não retirou os olhos da estrada, continuou falando com indiferença.

– Tá todo mundo preparando uma festa de boas vindas pra você.

Timidamente, Félix sorriu. Já imaginava aquilo.

– Ué não vai virar ali? – Perguntou confuso, vendo o carro seguir o caminho contrario a mansão Khoury.

– A gente tá indo pro San Magno Félix. Não pra sua casa.

– Como assim Carneirinho? O que a gente vai fazer no hospital pelas contas do rosário?

Droga. Pensou Niko, controlando-se para não socar o volante. Chama-lo por aquele apelido era como um tiro no meio do peito. Félix não pareceu perceber o uso do carinhoso codinome.

Demorou em responder, esperou que estivesse confiante o suficiente em manter sua meta. Passaram-se três anos praticamente desde que tudo aconteceu, mas era pesado demais para simplesmente engolir tudo fácil assim.

Se bem que estava começando a pensar que Félix não queria nada de si. Nem que perdoasse, nem que esquecesse.

– Acho que você não entendeu... Quando eu disse que todo mundo tava preparando uma festa de boas vindas pra você, eu quis dizer TODO MUNDO.

– Quer dizer então que nesse momento todo mundo do San Magno tá...

– Exatamente. – Completou Niko sem que ele precisasse responder.

– Nossa, se até aquele povinho tá com pena de mim... Eu devo ter caído muito baixo mesmo. Inacreditável.

O coração de Niko desabou de desanimo. De certa forma sabia que Félix realmente havia caído baixo; Muito baixo. Mas também não queria que ele pensasse que todos estavam ali apenas por pena. E que havia sim os que gostavam dele.

E uma parte duvidosa e contraditória de si gritava afirmando que ele merecia tudo aquilo. Era um árduo desafio ter de interpretar o indiferente para Félix, já que o que tinha sobrando em relação a ele eram sentimentos:

Raiva, sim tinha muita. Amargura, demais de quase explodir. Decepção, de quase matar. Amor, até de morrer.

Eram muitas coisas e significativas demais para agirem como se nunca existiram.

– Pelo menos se lembraram de você. – Disse, em um tom recatado. O que surpreendeu Félix.

– Acho que eu devo ter dançado funk com os véus de Salomé. Isso sim. – Ele respondeu numa voz monótona, sem animação nenhuma por trás de suas palavras. Félix arrastou os olhos em direção a Niko, que mesmo que prestando atenção na estrada, conseguia enxergar por visão periférica, seu olhar curioso em si. Niko conhecia aquele olhar; Queria perguntar algo, mas estava sem coragem. – Você vai?

Niko o encarou, por poucos segundos.

– Vai aonde? – Fez-se de desentendido, voltando a atenção para o volante.

– Na festa que vai ter no San Magno... Você vai?

– Claro que não Félix, eu tenho que cuidar dos meus filhos. – Falou sem a preocupação de ser educado. Mesmo assim, aquilo não abalou Félix; A pronúncia de Jayminho e Fabrício fez um sorriso ascendente brotar em seu rosto e não sair mais.

– Meu Deus, Niko... Os meninos... – Proferiu, com a voz recheada pela doçura e saudade. Só de ouvir o nome daquelas crianças, que era inevitável. – O Jayminho já vai fazer catorze esse ano, não é?

Esquecendo-se qualquer tipo de objetivo, Niko também sorriu. Mostrando aquele típico sorriso doce que fez o riso de Félix crescer ainda mais.

Aquele sim era o sorriso do homem que conhecia.

– É... Ele tá enorme de alto. E o Fabrício uma graça, aprendeu a andar e a falar muito cedo. Fala enrolado, mais fala; É muito inteligente.

– Tem alguma foto recente aí? Eu quero vê-los. – Perguntou, quase que como implorando por uma resposta positiva.

– No porta luvas eu acho que tem muitas fotos recentes. Pode abrir se quiser.

Não pestanejou um segundo que fosse, mais parecia um tigre faminto correndo em direção ao bote. Sentia muita falta daquelas crianças e as tinha como seus filhos também.

Apanhou o máximo número possível de fotografias em suas mãos, virando uma a uma e rindo internamente de cada expressão feita, de uma careta boba. E principalmente o agridoce sabor da amargura que o inundava a cada foto de Niko com os meninos.

– Eles estão lindos. – Sussurrou maravilhado ao fim das fotos, mais para si mesmo do que para o outro ao lado. – Fabrício cada vez mais parecido contigo. – Ambos sorriam. Sorrisos dignos de dois pais abobalhados pela nostalgia, quando reviram álbuns de fotografia antigos. – Daqui a pouco o cabelinho dele tá mais cacheado que o seu. – Disse em meio a uma risada leve. Aproximou de seus lábios uma foto de Jayminho segurando Fabrício em seus ombros e depositou um leve beijo.

Niko tentou ao máximo não distrair-se com a cena, não tentar imaginar imagens do que poderia ter sido. Se na ausência de Félix não conseguia controlar sua mente. Na presença seria trágico o que a imaginação faria perante a realidade que se aconteceu.

– Chegamos! – Agradeceu mentalmente por poder dizer tais palavras. Respirou fundo, tentando guardar tudo. Tinha que sair logo dali antes que viesse a explodir.

– Não vai nem entr...

– Não. – Interrompeu afoito. – É melhor você ir, eu tenho muita coisa pra fazer ainda.

– E as minhas malas? – Perguntou quase se esquecendo.

Niko pensou um pouco antes de responder

– Eu dou uma passada na sua casa, e deixo lá. Vai indo, não se preocupa com as malas.

– Ok então. – Murmurou, retirando o cinto de segurança. Evitou olhar para ele; Desviou o olhar para baixo e esperou que a entrada fosse destravada para sair. – Tchau. – Disse ao bater a porta, devagar.

No rádio momentaneamente a saída de Félix, ‘’ codinome beija-flor’’ do cazuza começou a executar-se. Aquela letra... Seria bobagem adolescente sua escutar uma música, se identificar e automaticamente pensar que fora feita exatamente para o momento em qual está vivendo? Adolescentes fazem isso, adolescentes pensam assim. Adultos não; Ou pelo menos não deveriam.

As frases ‘’ Pra que mentir? Fingir que perdoou? Tentar ficar amigos sem rancor’’ ou então: ‘’ Pra que usar de tanta educação? Pra destilar terceiras intenções, desperdiçando meu mel... ’’. E por aí seguia.

A tentativa estúpida de manter a convenção social ao invés de explodir e falar logo o que pensava, perguntar o que queria perguntar. A maldita mania de guardar para si mesmo e fingir que ‘’ amizade pode continuar’’ ou que não é estranho.

Não dessa vez. Pensou Niko, saltando em raiva para fora do carro. Novamente, pela segunda vez naquele dia, ambos se enfrentariam num estacionamento vazio. Ao menos queria que saíssem explicações dessa vez.

– Por quê? – Gritou em direção a Félix, que confuso virou em direção ao outro. Félix havia feito à mesma pergunta para ele do ‘’ porque estava lá para busca-lo’’ e agora era vez de Niko fazer suas próprias perguntas, e as dele estavam entaladas há meses.

– Ah, mas eu devo ter roubado os esmaltes da Rainha de Sabá. Sério mesmo que a gente vai fazer isso duas vezes no mesmo dia? – Questionou Félix em raiva. Niko não respondeu. – Tá bom então. O que quer saber? – Sua voz saiu um pouco mais irônica do que gostaria.

Vendo a coragem escapar-se por si aos poucos, Niko percebeu que se ele quisesse suas respostas teria que agir como Félix. Sem delicadeza, sem voz doce ou sem uma brecha de compreensão ou formalidade perante situações fortes.

Engoliu uma saliva seca em sua boca, assim como engolira a covardia. A única coisa que não pôde engolir foram às lágrimas; Essas vieram no momento em que iniciou sua fala.

– Porque eu não fui suficiente? Porque tudo que eu fiz por você não foi capaz de te salvar de nada? Porque você não tentou? Porque você nem ao menos aceitou minha ajuda? Porque você nunca pensou na sua outra família? Porque nunca... Porque nunca passou pela sua cabeça que outras pessoas também precisavam de você? Porque nunca teve um momento que você disse que também queria ajuda? Porque você não foi capaz de superar por mim quando eu fui capaz de superar tudo por você? Porque você... Nunca me disse nada, quando eu sempre te disse tudo? Porque você...

– Chega. – Implorou Félix de olhos fechados; Ao mesmo tempo repleto pela suplência de um desesperado, com a frieza de um condenado. Niko calou-se, mas mesmo assim manteve sua postura firme esperando por uma resposta. Félix voltou a falar, após reabrir os olhos, que agora também lacrimejavam levemente como os de Niko. – Eu fui acusado pelo meu próprio pai, de ter sido culpado pela morte do meu irmão. Eu fui odiado simplesmente pelo que eu sou, descriminado, ouvi da boca dele que eu era quem deveria ter morrido. Fui rejeitado a minha vida inteira... E quando eu finalmente consegui um mísero grão de amor dele, ele morreu. Eu não defendo as coisas que eu fiz, não era motivo. Mas se eu tivesse tido uma infância como a sua, como a de fulano, de ciclano... Seria muito mais fácil superar a morte, porque eu teria lembranças de uma vida inteira de amor. Mas nem lembranças eu tenho, e o que eu tinha era muito pouco. E o pensamento de que eu poderia ter mais e não tive, de novo por conta da droga do destino, me fez enlouquecer. Se o que aconteceu com meu pai acontecesse contigo, com o Jonathan, com nossos filhos, a Márcia... O mesmo teria acontecido, eu teria feito à mesma coisa. Com a minha mãe talvez não, porque ela me deu amor à vida toda e eu teria o que recordar. Mas você que eu tive pouco? Meu filho Jonathan que eu não aproveitei enquanto eu podia?

– Então é assim? Sempre que alguém morrer você vai enlouquecer e agir de forma psicótica e descontrolada? – Houve um longo silencio. A voz de Niko hesitou, e por algumas vezes chegou a falhar de tamanho receio que tinha em dizer aqueles tipos de palavras para Félix. – Sabe o que eu acho? Eu acho que você tem medo de merecer felicidade, acha que não merece ser feliz por causa das coisas ruins que você já fez... E se auto sabota porque acha que só tem direito a infelicidade.

Os pesos daqueles dizeres atingiram Félix como uma demolição interna em seu peito. Não era a primeira vez que ouvia a mesmas palavras; Ditos, claro, de maneiras diferentes e por bocas diferentes. Sabia que era verdade e mesmo com a confirmação, sentia que não havia nada que pudesse fazer para mudar tamanha realidade.

Engoliu em seco as lagrimas e encarou os olhos tristes e sedentos de Niko, que esperavam por uma resposta sua.

– Tem razão. – Ele confirmou, em voz fraca. Tão triste quanto Niko. – De nós dois fica muito claro quem é o melhor homem e quem realmente merece ser feliz... E não sou eu.

As sobrancelhas de Niko se franziram. Não entendeu o que ele quis dizer.

– Como assim? Do que você tá falando?

– To falando que... Não importa o quanto eu tente mudar, você sempre vai ser muito melhor do que eu. E eu sempre vou ter que viver sobre expectativas suas e quando eu falhar de novo, porque isso vai acontecer, tudo vai recomeçar. Vai sofrer por minha causa, e você não merece isso. Você não merece passar por um inferno por causa de uma pessoa como eu, que não vale nada.

Mesmo com toda a explicação, a expressão de Niko ainda era confusa.

– Então... Quer dizer que pra você, a nossa vida juntos era simplesmente uma competição de quem era o homem melhor? Não é uma competição Félix, vê se entende isso de uma vez.

– É simples pra você dizer isso, não é? Quando VOCÊ é claramente o homem melhor, é o que ganha. Assim fica muito fácil falar que não importa. – Retrucou sem hesitação. Ele respirou fundo, acalmando o tom acusador de antes. – Mas importa. – Sussurrou, sem muita coragem para encarar Niko.

O outro também não o encarava mais.

– Acho melhor eu ir embora. – Disse Niko suavemente. Esperou uma resposta vinda de Felix, mas ele também não falou nada.

Estava a poucos metros de seu carro, caminhou em passos lentos ansiando que Félix dissesse algo no qual pudesse mudar tudo. Mas nem ao menos um olhar de despedida aconteceu. O carro deu a partida para fora do estacionamento e Félix adentrou ao hospital.

– -x- -

Horas depois...

Num arfar alto de um gemido doloroso, Félix despertou de seu sonho sentindo gotículas de suor por sua testa. Acabara de ter um pesadelo, e não lembrava com o que. O engulo de uma saliva por sua garganta seca, assentiu em si a vontade por um copo d’água.

Já acordei mesmo. Pensou levantando-se da cama.

Um pouco mais de uma da manhã; Era madrugada e a casa estava escura. A festa no hospital havia sido estranhamente, boa. Não fazia ideia que sentia tanta falta de toda aquela ralé. Mesmo assim a conversa com Niko no estacionamento martelava em sua mente.

Há dois anos quando o deixou ir, e quis terminar tudo, fora mais fácil. Talvez mais para si mesmo, do que para Niko. Estava na reabilitação, no inicio do tratamento com raiva de tudo e de todo o mundo.

Caminhou até as escadas deleitando-se com o prazer de acordar sem sentir dor na coluna pelo colchão da cama da ‘’ rehab’’. Para sua surpresa, as luzes do andar inferior não estavam completamente apagadas. A iluminação amarela vinda do abajur perto do sofá, refletia uma sombra escura em volta dali.

Félix reconheceu a sombra.

– Mami? – Perguntou confuso, para a mulher sentada no sofá. Ela não parecia perceber que ele estava ali.

– Oi, meu filho. Tá aí é? – Pilar virou a cabeça sorrindo levemente para tentar fitá-lo na escuridão.

Félix se dirigiu até ela, sentando-se ao seu lado. Ele também sorria.

– Acordada essa hora? Que milagre é esse? – Falou lhe depositando um breve tapa indolor na perna da mãe.

– Se quer saber a verdade eu nem fui dormir ainda. – O tom de voz de Pilar era sereno. – É que é tão bom te ter aqui de volta... Nem acredito ainda.

– Sabe que nem eu. – Eles sorriram. – Foi tão bom poder ver você, o Jonathan, a vovó, todo mundo sem ser naquela clinica.

– Você se instalou bem? No seu quarto, suas coisas? – Inquiriu Pilar e ele assentiu positivamente em resposta. – O caseiro que tava aqui na hora disse que o Niko trouxe tudo.

Niko. A menção do nome causou um arrepio espinhal em Félix. A expressão desanimou em tristeza pela lembrança do dia que tiveram. Pilar percebeu sua reação; De certa forma ela esperava que o reencontro dos dois pudesse não ser dos melhores. Queria que Félix falasse sobre isso; Dissimular mais sentimentos, e guarda-los para si, sem ninguém para dividir nunca fez bem ao filho, e tudo que ela mais queria para ele era que fosse finalmente feliz.

– Pelo visto o reencontro de vocês não foi muito bom, não é? – Lamentou também em desanimo. Félix compartilhava do mesmo sentimento que a mãe.

– Não, não foi muito bom mesmo. – Desestimulado com o assunto, Félix encarou as próprias unhas. Confirmando por fim a verdade, suspirou em deprimo. – Há essa hora ele já deve tá em Angra pelo jeito.

– Angra? – Pilar repetiu suas palavras, carregadas pela falta de abrangência.

Félix estranhou sua reação.

– É mami, Angra. Angra dos reis; Não conhece mais? – Ironizou, com um sorriso divertido.

Mas Pilar não riu, pelo contrário. Continuou séria.

– Félix... O Niko não mora mais em Angra há quase de dois anos.

Sobressaltado, a postura de Félix endureceu. Abriu a boca várias e várias vezes pensando em algo para que pudesse se dizer. Sua mente contorcia em nós, onde ele conseguia sentir até mesmo seus cromossomos sendo amarrados uns aos outros.

– Como assim, mami? E a casa? O restaurante? O que... O que ele...

– Ei, Félix calma. Calma. – Pediu Pilar, segurando-o pelos ombros. Voltaria a falar apenas quando o filho estivesse mais tranquilo. – Ele devolveu a casa pra mim... Disse que nunca foi dele e que não tinha sentido continuar lá.

– E você, o que você disse? – Perguntou afoito, quase que se atropelando em suas próprias palavras.

Pilar não entendeu muito bem o sentido da pergunta.

– Ah, eu disse que... Ele podia continuar lá, tentei convencer. Mas ele tava decidido a sair mesmo. Não tinha muita coisa que pudesse fazer.

– E ele voltou pra cá? Pra São Paulo? Pra antiga casa?

Pilar pensou um pouco antes de responder.

– Não... A antiga casa, eu acho que continua alugada. Mas a casa nova dele fica no mesmo bairro, quase que na mesma rua então... Não tem muita diferença, foi fácil pra ele e as crianças se acostumarem.

– E ele administra o restaurante de Angra daqui... – Concluiu pensativo. Deve ter arranjado um novo gerente. Pensou; Já imaginando coisas em qual não gostava de pensar. – E ele tá namorando? – Tentou não parecer muito curioso, ao perguntar aquilo. Não queria que sua mãe adivinhasse o que passava por sua cabeça, mas mesmo assim Pilar entendeu suas intenções antes mesmo que terminasse de falar.

Contendo um sorriso dentro de si, ela respondeu:

– Estava... Há uns quatro meses atrás eles terminaram.

– Era o Eron? – Disse ele com desprezo incrédulo.

– Não, não era o Eron... Esse ai já casou, e tá muito bem resolvido.

– Lacraia casou? Bendita seja a alma de quem teve essa coragem. – Gargalhou, numa risada aguda. Havia mesmo reparado que Eron não estava na festa no hospital, talvez até não estivesse mais trabalhando lá. Ou ainda não gosta de mim o suficiente para ir. Ao relembrar a pergunta que deu inicio ao assunto, seu riso sumiu por completo. – Mas se não era o Eron... Quem era? – Voltou com a mesma duvida.

– Você não conhece... Edson o nome dele. Ficaram uns... Seis meses juntos, era um cara bem legal. Também já tinha uma filhinha adotada, as crianças brincavam juntas; Um bom moço.

Edson... Nome de bicha pão com ovo. Pensou em raiva. Mas a raiva durou pouco. Imaginar as crianças felizes brincando com a filha do namorado e todos vivendo juntos como a vida que antes tinham, doía. Mas pensar que esse homem deveria ser muito melhor para Niko do que ele... Dava-lhe mais certeza de que estava fazendo o certo.

– Bom pra eles. – Félix cochichou.

Pilar o observava sem falar muito, mesmo assim era como se lesse seus pensamentos. Sabia o sinônimo de cada expressão sua.

– Juro pra você que... Eu cheguei a pensar que TALVEZ vocês pudessem se entender.

– É, mas não vai acontecer. – Garantiu, tentando passar firmeza. Não deu certo. – O Niko merece alguém que... O empurre pra frente, e eu... Com certeza não sou essa pessoa.

– Mas Félix vocês...

– Mami, Mami... – Interrompeu-a, antes que pudesse continuar. – Eu já sei o que você vai falar. Só que é verdade, e eu não quero mais tocar nesse assunto. Não me faz bem, e essa é a minha decisão final.

Em silencio, Pilar atendeu suas palavras dando-se por vencida, mesmo que contrariada. Félix não ouviria nenhum de seus conselhos.

– É melhor eu ir dormir. – Falou a mãe, frustrada pelo desejo de Félix. – Vai continuar aí? – Perguntou, enquanto levantava-se do sofá.

– Daqui a pouco eu subo. – Avisou sem prestar muita atenção. Os olhos dele se mantinham frios em encarar o escuro mais ao redor; Assim sua cabeça conseguia pensar.

Pilar subiu de volta para seu quarto; Ficou, mais alguns minutos lá em baixo, até beber uma água e voltar para cama.

Eu to fazendo o certo, é o certo, é o certo. Repetiu a mesma frase para si mesmo, como um mantra no qual tinha que decorar.

–--x---

Um mês depois...

– BOM DIA, FAMÍLIA. – Gritou Félix ao descer as escadas em direção à sala de jantar. Todos já estavam lá.

– Tá de bom humor pai. – Disse Jonathan olhando-o de cima abaixo, enquanto o pai sentava-se na antiga cadeira onde era de César.

– Mas é claro Jonathan eu to indo pra Angra. Tem como não ficar de bom humor assim?

A preocupação de Pilar voltou com a menção de Félix.

– Meu filho, tem certeza mesmo que você quer fazer isso? Ir pra quela casa assim...

– Eu vou ficar bem, mami. Vão ser só duas semanas. – Explicou evasivo. Entendia a inquietação de sua mãe em temer que com a lembrança da morte de seu pai lá, seus vícios e sua depressão o atingissem outra vez. – Mami a senhora tem que confiar em mim. – Completou, enquanto passava um queijo branco num pequeno pão. – É junho. Todo mundo entra de férias, assim eu fico lá descanso um pouco, relaxo... E quando voltar eu recomeço a minha vida, procuro um emprego e pronto.

– Deixa Pilar. – Disse Bernarda, intrometendo-se. – Um recomeço de uma nova jornada espiritual vai fazer muito bem pro Félix, e voltar pra lá pode ser muito bom.

– Recomeço de uma nova jornada espiritual? Tá aí vovótrix A-D-O-R-E-I.

Vendo que não havia mais por onde insistir, Pilar desistiu daquele assunto. Para ela, bastava apenas torcer que tudo ficasse bem para Félix e que a lembrança não fosse o bastante para puxá-lo de volta para a escuridão.

Se ao menos o Niko tivesse lá com ele. Pensou ela.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Com pelo menos seis comentários ou mais eu posto a parte dois( a parte dois é a ultima parte).



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Short- Fic: Recomeçar" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.