Divã - As Crônicas do Cristal Vermelho escrita por Céu Costa


Capítulo 25
Ele me salvou




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Acho que aqueles podem entrar na lista dos dias mais difíceis. Nos primeiros dois dias, Dakota fez pelo menos sete boletins de ocorrência sobre o sequestro do pequeno John Blake, achando na inocência que se fizesse mais boletins, os policiais agiriam mais rápido. Eu mandava mensagens de alerta no relógio para o Dick a cada meia hora, depois a cada quinze minutos. Depois a cada dois minutos. Eu olhava ansiosa para ele, esperando. Uma luz, uma mensagem, um sinal, qualquer coisa. Mas nada aconteceu.

O detetive passava a vir quase todos os dias lá em casa. Ele me convenceu a não trancar a faculdade, que ela ia me distrair de tudo isso. Ele era um doce, sempre muito preocupado, respondia sempre as perguntas desesperadas que Dakota e às vezes eu fazíamos para ele.

Mas às vezes nem mesmo ele conseguia me acalmar. Nessas horas eu me trancava no quarto, chorava, atirava coisas nas paredes, e apertava o sinal de alerta do relógio tantas vezes que ele quase quebrava. Mas, como sempre, nada acontecia.

Ouvi batidas na porta do meu quarto. Aquela noite eu tinha surtado, e depois de quase destruir meu quarto, eu estava deitada na cama, quase sem chorar. Estava começando a me conformar com a ideia de que ele talvez estivesse com o tal Slade... E nesse caso, que os céus ajudem meu menino.

— Sou eu, Ivy. - ouvi o detetive falar na porta - Eu trouxe panquecas. São salgadas, tem carne, legumes... Acho que o nome é enchiladas, mas parecem burritos para mim.

Houve uma pausa. Me perguntei o que ele estava pensando. Passei a mão pelos meus cabelos, tentando não parecer muito acabada.

— Ivy... - ele disse outra vez - Você precisa comer... Por favor, me deixa entrar...

Soltei um longo suspiro. Ele não vai sair dali. Levantei e abri a porta, vendo um sorriso tímido, um par de olhos azuis e uma bandeja com comida.

— Que atencioso... - eu sussurrei.

— O quê? - ele entrou no quarto, sentando na cama - Você me fez um elogio?

— Ah... - eu corei, fechando a porta do quarto. - Não se acostume.

Ele riu, enquanto eu sentava do outro lado da cama. Ele era uma boa companhia para a Dakota e eu, mesmo me irritando, e isso eu tinha que admitir.

— Você deixou a janela aberta.

Olhei lá fora. A lua brilhava forte, mas não havia estrelas. As árvores ficavam escuras, pareciam assustadoras.

— Estava esperando ver alguma coisa. - eu suspirei. - Mas quando a gente mais precisa de ajuda, parece que todo mundo desaparece.

Ele concordou com a cabeça. Depois olhou para mim.

— Mas eu tô aqui. Isso deve contar, certo? - ele deu um sorriso tímido.

— Espero que sim. - eu peguei um prato da bandeja - Até porque não acho que policiais frequentem muito​ a casa da mesma vítima, e levando burritos.

— Eram pra ser enchiladas... - ele riu.

Eu larguei o prato, e me dirigi até a janela. Dei uma boa olhada lá fora, no fundo tinha esperança de ele aparecer. Por fim, resolvi fechar a janela.

— O que é isso brilhando no seu bolso? 

Olhei no meu bolso e vi uma luz meio forte. Corri para o banheiro do meu quarto e tranquei a porta. O relógio tinha uma mensagem do Dick. Eu não sabia que ele podia fazer isso.

"Falei com a polícia. Sei onde ele está. Vou busca-lo."

Eu abracei o relógio, quase chorando. Meu pequeno Juanito vai ser salvo. Dick vai ajudar. Mas por que ele não veio falar comigo? Por que ele não me respondeu antes? Por que me deixou nessa espera?

Enfiei o relógio no bolso e saí do banheiro. O detetive discretamente guardava algo em seu bolso, e estava com a boca cheia de comida, eu tive que me esforçar para não rir.

— Era meu celular. Mensagem de telemarketing. - eu sentei do lado dele - Me fez lembrar de outra coisa; tenho que começar a me preocupar com meus avós. Logo eles vão receber a notícia e vão voltar. Isso se já não tiverem recebido...

— Voltar? - ele se esforçou para falar.

— Estão em um cruzeiro de férias. - eu comentei - Era para eles voltarem em alguns meses, fazendo um cruzeiro pelo Caribe, América do Sul e Europa. Estão planejando isso há anos. Aliás, essa aqui é a casa deles.

Ele concordou com a cabeça outra vez. No meio disso tudo, eu tinha esquecido deles. Nem sei se queria contar.

—Nossa! - o detetive deu um pulo, tirando o celular​ do bolso - A Central tá me chamando. Tenho que ir, Ivy.

— Tudo bem. Obrigada pela panqueca/enchilada/burrito/sei lá. - eu disse, enquanto ele se dirigia até a porta.

— De nada. Estou aqui para o que precisar. - ele sorriu docemente, e saiu.

Por algum motivo, eu peguei no sono pensando naquele sorriso.

***

Acordei com uma luz forte passando rapidamente pelo quarto. Olhei no celular, quatro da manhã. Eu me levantei o mais rápido que consegui, derrubando a bandeja da minha cama, quebrando um dos pratos. Desci as escadas ainda vestindo o robe, e abri a porta da frente no desespero. Haviam dois carros de polícia lá, com as sirenes piscando sobre os capôs. 

Dois policiais desceram de um dos carros, fardados e meio sérios. Meu caro detetive desceu do outro. Eu saí da varanda, caminhando na direção deles. Ia perguntar o que estava acontecendo quando vi que o detetive não estava se aproximando de mim, como os outros policiais. Abrindo a porta de trás do carro, ele ajudou uma pessoa a sair. Meu coração parou.

— JOHNNY!

Eu corri tão rápido que os policias se assustaram. O garoto praticamente pulou nos meus braços, no abraço mais forte da minha vida.

— Está tudo bem agora, querido... - eu beijava o topo de sua cabeça, enquanto ouvia ele chorar - Você está em casa.

O detetive olhou para mim, soltando um pequeno sorriso aliviado. Eu sei que não nos entendemos bem no começo, mas, ele trouxe meu menino para casa, eu sentia que já podia confiar nele. Meu menino, pobre menino... Olhei para as marcas em suas costas, braços, pernas, pescoço...

— Ah, garoto... O que fizeram com você?... - eu sussurrei, quanto mais eu olhava, mais machucados eu via. - Quem fez isso com você?...

Johnny olhou para mim, os olhos cheios de lágrimas. Seu rosto também sangrava em vários pontos, tinha um corte feio na sombrancelha e nos lábios.

— O Batman me salvou.

Eu nunca pensei que odiaria tanto ouvir essa frase.


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