61ª Edição dos Jogos Vorazes escrita por Triz


Capítulo 15
Capítulo 15 - Seria eu um traidor?


Notas iniciais do capítulo

Desculpem por essa demora terrível! Nossa, nunca tive tantos compromissos em um mês... Desculpem mesmo! Tentarei ser mais rápida, embora ainda tenha muitas provas.

Dica de música: U2 - Ordinary Love

Espero que gostem!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/506323/chapter/15

O elevador aparece com sete mochilas dispostas acima de uma mesa. Duas grandes pretas para os Distritos 1 e 2; duas pequenas azuis para os Distritos 5 e 6 (meus olhos fixam essa parte da bancada); três laranjas médias para os Distritos 7, 9 e 10.

Astrid e eu corremos ao mesmo tempo. Enquanto ela desacelera para pegar as mochilas, avanço diretamente para a floresta à frente para dar-lhe cobertura. Escondo-me atrás de um arbusto, observando-a agarrar as duas mochilas azuis de maneira segura e rápida. Astrid parece cautelosa, olhando para todos os lados para avistar qualquer possível ameaça.

Ela certifica-se de que está livre de oponentes e se vira para a floresta. Astrid está a dois metros da bancada com as mochilas quando algo começa a zumbir em sua direção. Uma flecha se finca em seu ombro esquerdo, o que a faz cair no chão urrando de dor. O sangue mancha toda a sua camiseta.

De maneira automática, começo a correr em sua direção, não importando a distância ou o perigo que corro. O problema é que, por mais que eu corra, ela parece ainda estar longe. Inalcançável. Desde quando aquela distância entre nós era tão grande assim? Não estou nem na metade do caminho quando me desajeito com meus próprios pés e acabo caindo com a cara no chão. Meu pé que fora esmagado por uma pedra há alguns dias inicia uma manifestação de dor. Ouço Astrid gritar por meu nome enquanto se debate no chão, fazendo tentativas em vão de retirar a flecha, ainda presa em seu corpo. Não consigo nem ao menos levantar quando percebo que é tarde demais. Trina aparece e já posiciona mais uma flecha em sua direção com aquele arco enorme de metal.

Minhas esperanças, que pareciam ter escorrido pelo ralo, repentinamente voltam a brilhar ao meu alcance. Roseline aparece por trás da Cornucópia com a lança em uma mão e dá um soco certeiro na cara de Trina, que recua, xingando-a. Durante esse tempo, corro para perto de Astrid para ajudá-la a se levantar. Depois, a garota chuta Trina no rosto duas vezes, com aquela bota cuja sola é feita de uma borracha extremamente pesada, fazendo-a ser arremessada para o chão. Mesmo assim, Trina levanta-se e começa uma luta corporal com Roseline.

— Astrid, fica parada — aviso em tom baixo, visando não chamar a atenção. — Vou tentar tirar a flecha.

Ela apenas assente em silêncio.

A flecha presa no ombro de Astrid parece querer ficar ali, o que é perigoso, pode causar uma infecção séria. Perto de nós, Trina e Roseline se agridem com xingamentos:

— Sádica! Nojenta! Psicopata!— após prender Roseline pelos braços, Trina grita. Seu nariz sangra, deslizando pelo rosto até pingar no chão. — Vá para o inferno!

O rosto de Roseline fica em brasa, vermelho, o que a faz atingir uma cotovelada violenta na barriga de Trina. Ela se solta e dessa vez, a derruba no chão.

Astrid e eu paramos um pouco para observar a luta.

— Não ouse me xingar desse jeito, cabelo azul — mais um soco é acertado no rosto de Trina. E, de repente, seu tom de voz aumenta como nunca fez antes. — Carreirista de merda!

Sua... Sua filha da puta!

Trina então gira nos braços de Roseline e por fim consegue passar uma perna por ela, fazendo-a atingir o chão duro. O arco já está com a flecha posicionada, a mira ajustada no peito de Roseline. Sua testa sangra, e pelo seu olhar de rendição, já deduzo que sabe que é o fim.

Eu e Astrid nos entreolhamos, assustados.

— E vocês?! — Roseline berra, ainda encarando Trina. — Vão ficar aí olhando? Não creio que os salvei em vão. Fujam logo!

— Vem, Geoff — Astrid levanta-se e então nós corremos para longe.

Enquanto corro para longe, viro a cabeça para trás.

Trina estica a corda do arco. Roseline fecha os olhos de maneira calma, uma lágrima escorrendo por sua face, caindo pelo queixo. A flecha estala no arco e desliza pelo ar. Trina permanece séria, olhando o corpo de Roseline se curvar para trás, a flecha enterrada no peito. Nenhum gemido de dor ou qualquer outro som de sofrimento, apenas silêncio. A poça de sangue abaixo dela. O tiro de canhão.

Já estou longe o suficiente para me dar conta do arrependimento. Por que não a salvei? Está certo que Roseline não era mais minha aliada, só que se ela não tivesse nos ajudado, poderíamos estar mortos a este ponto. Não, não deveria tê-la deixado. Era só ter acertado Trina com meu facão e acabado com isso de uma vez! O ódio por mim mesmo percorre minhas veias enquanto a floresta fica cada vez mais densa.

O som de água em movimento soa como música para meus ouvidos. Em alguns metros, encontramos um rio fino, que provavelmente foi meu acampamento alguns dias atrás.

— Vamos ficar por aqui — sugiro.

— Por favor — Astrid pede. — Preciso parar. Esta flecha me incomoda muito.

— É melhor tirarmos logo. Anda, senta aí. Vou puxar de uma só vez.

Astrid senta-se na margem do rio, e eu logo atrás dela. Com uma mão, seguro a flecha e a outra deixo apoiada em suas costas. Puxo com força, ignorando seus resmungos de dor, o que faz a flecha sair dali, melada de sangue. Infelizmente sua camiseta fica rasgada e a manga inteira acaba descosturando e caindo, exibindo seu ombro ossudo.

— Ei! — reclama ela.

— Espere um pouco, precisamos lavar isso aí.

Pego a água do rio e passo cuidadosamente ao redor do buraco deixado pela flecha, retirando qualquer resquício de sangue. Abro a mochila azul com o número seis estampado na frente e a abro, encontrando um kit de primeiros socorros. Dentro dele, encontro ataduras, uma embalagem de remédio e um pote com um unguento pegajoso.

— O que encontrou aí? — pergunta ela.

— Um kit de primeiros socorros. Ataduras, remédios e um unguento. Acho que é melhor passar em você. Consegue alcançar suas costas?

— Acho que não.

— Então eu passo em você.

Coloco o dedo no unguento e esfrego onde a flecha atingiu. Ouço mais alguns resmungos de dor, mas em seguída, escuto suspiros de alívio. O silêncio reina por mais alguns instantes, fazendo minha mente encher-se de pensamentos ruins, o que me faz suspirar de raiva.

— O que foi? — pergunta Astrid.

— Deveríamos ter ajudado Roseline — digo, deslizando o unguento pelo machucado de Astrid. — Poderíamos ter esfaqueado a Trina, ou ser uma distração à ela, mas não tivemos coragem para fazer nada. É assim que chegaremos aos finalistas, Astrid?

Ela suspira.

— É, é sim. Matando os outros ou assistindo suas mortes. É claro que Roseline nos ajudou, mas pense, ela era forte e se continuasse viva, poderia ser um problema. Sem contar com a possibilidade de que Leonard estivesse dando cobertura à Trina, é lógico. Aí sim, estaríamos ferrados em dobro.

— Isso me dói um pouco — com raiva, soco minha própria coxa, fazendo o pote de ungento voar no chão, por sorte fechado. — Por que temos que aguentar isso?

— Geoff, o que você pode fazer? — seu tom de voz aumenta, indignado. — Não se sinta culpado. Às vezes, abaixar a cabeça e aturar é a única solução. Se sair vivo, terá que aturar pesadelos com essa tortura todo santo dia! Até o final disso, terá que suportar todas as mortes!

— Eu sei disso, só que é um pouco difícil engolir essa besteira toda.

— Vamos nos acalmar por enquanto. O que tem em sua mochila?

— Deixe-me ver.

Abro a mochila com o número cinco e encontro um pouco de comida (alguns pequenos sanduíches de diversos sabores) e uma espécie de luva preta, longa, que estende-se até o meu ombro. É resistente e flexível. Coloco-a no braço direito e reparo que é como se fosse uma proteção para aquele enorme corte que adquiri na luta com Lars. Além de me proteger, também me ajuda a segurar o facão sem sentir tanta dor.

Oh, obrigado pelo Ágape.

— Com esses sanduíches, dá pra nos virarmos sem caçar por um tempo — Astrid diz, colocando o casaco por cima da blusa rasgada. — E água temos aqui. Acho que estamos numa boa.

Finjo indignação, erguendo uma sobrancelha e colocando as mãos na cintura.

— Ei, quem disse que vou te dar meus sanduíches?

— Olhe como fala! — ela cruza os braços, dando risada. — Antes de entrarmos nesta arena, eu te dei um pedaço de bolo!

— Isso não conta.

— Ah, conta sim. Me dar ao menos um é mais do que sua obrigação. E bolo é mais gostoso que sanduíche, então teria que me dar dois, mas convenhamos que sou legal.

— Sou obrigado a aceitar isso — ergo as mãos em sinal de rendição. — Bolo é realmente mais gostoso que sanduíche.

— Viva!

— Estava brincando. Pode pegar um sanduíche.

— Eu sei, seu idiota.

— Se me chamar de idiota vai perder o bolo, ok?

— Shh.

Abro a bolsa e arremesso um sanduíche para Astrid.

— Oba, rosbife! — comemora com um sorriso no rosto.

Eu e ela devoramos o sanduíche com prazer. O vento balança as folhas das árvores, trazendo o delicioso aroma natural da manhã, o qual eu já estava completamente enjoado. Como a floresta a esse ponto é mais densa, a iluminação quase não passa do topo das folhas. Uma das áreas iluminadas aqui perto é uma clareira, localizada no centro de árvores de dez, quinze metros de altura.

A clareira possui a grama mais verde, as plantas mais bonitas. Algumas flores coloridas brotam do chão, distraindo a monotonia esverdeada do solo. Tudo de repente parece tão tranquilo... Até Astrid, de boca cheia, cantarola alguma coisa, o que me faz lembrar de alguns dias atrás, quando cantávamos no terraço. Parece que isso aconteceu há anos. Uma sensação de saudade aperta meu peito. Ela fica bonita quando o seu cabelo esvoaça com o vento, deixando seus olhos verdes ainda mais chamativos.

Percebo as folhas do topo das árvores perto da clareira se movimentarem.

— Pelo visto alguém não sabe disfarçar — comento entre mastigadas do meu sanduíche.

— Shh, não chame a atenção — avisa Astrid. — Acho que a pessoa já sabe que estamos aqui. Não tem saída. E também não podemos alcançá-la.

— Certo.

Escuto alguns galhos de lá de cima se partirem de maneira brusca, e em seguida uma silhueta pequena desaba do topo da árvore, atingindo o chão em um baque barulhento. Paraliso, colando no chão e focando meus olhos ali contra minha vontade. O cabelo escuro cobre o rosto, porém rapidamente fica cheio de sangue. O corpo é feminino, possui curvas suaves e quase imperceptíveis, como o de uma criança de no máximo doze anos, e está dobrado de maneira esquisita. Os braços se curvam em posições que parecem ser extremamente desconfortáveis, mas antes que eu me pergunte se a pessoa está sentindo dor, o canhão toca. Reconheço aquele corpo como o de Antonia.

— Ela caiu! — exclamo. — Astrid, ela caiu da árvore!

— Acho que não — Astrid baixa os olhos. — Olhe como os galhos estão posicionados lá na árvore. A esse ponto, quase que não dá pra cair. Ela não aguentou ficar longe do primo. Antonia se suicidou, Geoff.

O aerodeslizador desce a garra e puxa o corpo de Antonia para cima. Observo a cena com certo horror. Horror à essa carnificina. Horror às pessoas que planejam esses Jogos. Mas também sinto pena porque Antonia tinha seus doze, treze anos. Sua atitude, apesar de tola, foi um pouco sábia. Se chegasse na final, ela não teria chances se tivesse que enfrentar qualquer um de nós. Até Astrid, magra e pequena, era mais perigosa que ela.

Como as pessoas tem coragem de fazer isso com uma criança? Machucá-la física e psicologicamente até um horror desses acontecer? Será que algum maldito Idealizador possui um coração?

Astrid me abraça. Deve estar sentindo o mesmo.

— Um dia isso vai acabar — suas palavras soam dolorosas. — Digo, é o que espero.

— Aham — é tudo o que consigo responder.

Quando ela me solta, encosto em um tronco próximo, observando a clareira. Há alguns minutos, era bela, mas agora está manchada com o sangue de Antonia, o que restou dela aqui.

De repente perco o apetite e ponho a metade restante do meu sanduíche na mochila. A tarde desce rapidamente, trazendo o degradê azul e laranja ao céu. Astrid se levanta e começa a andar em círculos, pensativa, e eu fico observando-a.

— Isso tudo é uma droga — ela reclama.

— Oh, até que enfim você percebeu — reviro os olhos.

— Shh.

— Não me mande calar a boca sempre que eu falo.

— Então não fale — ela suspira. — Deixa pra lá. Estou pensando.

— Você sempre está pensando.

Ela finge tossir.

— Enfim. Sobraram cinco pessoas na arena, ou seja, isso vai acabar rápido e um de nós estará morto em pouquíssimo tempo. Isso está me enlouquecendo.

— Deixe o tempo decidir isso por nós. Nem eu e nem você queremos nos separar, mas isso é inevitável, então isso só acaba quando um de nós morrer.

— Você... — ela para de andar e para, encarando o chão. — Você tem razão. Um de nós tem que morrer e eu não sei se suporto essa ideia.

Quando ela fica ainda mais cabisbaixa, sinto essa energia negativa me alcançar. Estamos conectados de um jeito ou de outro, o que também é inevitável. Por que demorei tanto para me dar conta disso?

Acho que uma pessoa com mente normal nunca faria o mesmo que eu. De vez em quando, tomo atitudes sem pensar, e não sei se isso é uma qualidade ou um defeito. E o que fiz foi me levantar, puxar Astrid pela cintura delicadamente e aproximar nossas faces, até sentir o choque de respirações.

— Geoff, o que você...

Não a deixo falar mais nada porque a beijo. Fecho os olhos lentamente, aproveitando a boa sensação de finalmente tê-la perto de mim. De início, Astrid parece assustada, mas depois retribui, o que me deixa muito feliz porque não sabia qual reação seria a dela. Ainda mais por eu nunca ter feito isso antes. Ela apoia as mãos nos meus ombros.

Quando nos separamos e finalmente abro os olhos, noto seu rosto ficar vermelho, mas mesmo assim ela sorri.

— Não me odeie por isso — digo.

— Nunca.

O clima silencioso toma conta do ar, mas não ligamos, porque estamos felizes dessa maneira. Nos sentamos e permanecemos com os dedos entrelaçados, olhando o céu ficar azul-marinho, estrelado, como o vestido de Astrid no dia da entrevista. Ela apoia a cabeça em meu ombro. O hino da Capital quebra o silêncio por um momento e os rostos de Antonia e Roseline brilham no céu.

Me sinto muito mal por isso. Apesar da assassina de Roseline ser Trina, parece que sou eu. É como se fosse uma traição deixá-la morrer. Encaro meus próprios pés, pensando na possibilidade de um fantasma de Roseline vir me assombrar. Não sei como sobreviverei com esse sentimento de culpa pressionando meus miolos, aumentando drasticamente o peso de minha consciência.

Sinto nojo de mim mesmo.

Seria eu um traidor?


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

E aí, gostaram? Não se esqueçam de cometar, fico sempre muito feliz. Até o próximo o/



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "61ª Edição dos Jogos Vorazes" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.