Inominável escrita por Sir Andie


Capítulo 5
Crânio de Louça




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Ele a seguiu. Sempre alguns passos atrás. Às vezes alguns passos a frente. Quando a movimentação de fim de noite da cidade permitia se aproximava, quando estavam sozinhos em ruas de lama precisava se esgueirar e se esconder.

Demorou uma hora e duas ruas repetidas até ele ter certeza que ela simplesmente estava andando. Apenas andando pelas ruas. Quando chegaram mais perto da área mais simples da cidade, onde as casas eram pequenas cabanas de madeira a garota se encostou em uma das cercas e apenas esperou. Ficou lá parada por vinte e cinco minutos. Dean se escondeu atrás de um banco apenas observando.

Nada aconteceu.

E tudo aconteceu de novo. Ela andou, repetiu ruas, parou por alguns minutos. Mesmo quando o toró anunciado despencou dos céus ela continuou o seu ritual de caminhada. A chuva não parecia incomodá-la, às vezes tirava a água do rosto e era só. De resto apenas andava e parava. Não havia periodicidade, não havia movimentos, palavras, apenas olhadas para os lados, ou para os próprios pés. Em uma das paradas ela resolveu tentar limpar a bota com a água da chuva. Percebeu que a lama de Saint Andrea era mais paciente do que ela.

Voltou a andar e quando já era quase uma da manhã a garota sentou em um dos bancos da praça central da cidade, apoiou o pescoço na mochila e olhando para o céu com as mãos cruzadas no colo simplesmente fechou os olhos. Dean a observou dormir por quase duas horas antes de decidir que ela apenas iria dormir.

Não tinha nada mais a fazer a não ser voltar para o seu quarto na pensão e também dormir. Entendia que não valia a pena dormir no meio da rua apenas para vigiá-la, nada iria acontecer. De alguma maneira era ela mesma que dizia isso para ele quando desistia de andar.

– Então foi isso? Ela simplesmente ficou andando pela cidade e parando pela cidade e depois resolveu dormir no banco da praça? – Sam não parecia acreditar muito naquela versão.

Pela manhã ele tinha deixado Dean dormindo um pouco, saído para tomar café e aproveitado para passar no legista sozinho. As primeiras horas de serviço são sempre as melhores para se conseguir o tipo de informação mais pura, do tipo que eles sempre precisavam.

– É a verdade, cara. Eu também achei bizarro. No começo era intrigante, desafiador... Até meio sexy. Mas cara, depois de algumas horas ficou apenas... Bizarro. – ele passava a mão pelos cabelos e apertava os olhos com um bocejo. Há tempos não se sentia tão cansado - Às vezes ela olhava para os lados, como se estivesse vendo se algo ia surgir.

– Ela parecia preocupada em se defender? – Sam perguntou enquanto, de volta a pensão, checava endereços no notebook.

– Diz, se ela estava com medo? – gritou o irmão do banheiro. Dean encarava o próprio rosto no espelho oxidado, se perguntando se deveria deixar a barba por fazer. A garota do bar parecia ter cara de quem gosta de barba por fazer. Talvez não de olheiras de uma noite de perseguição infrutífera.

– Se ela se mexia rápido quando ouvia algum barulho. Se a postura dela mudava quando alguém se aproximava. Essas coisas de quem está esperando pelo pior.

Quantas vezes ele teria que dizer coisas obvias a Dean? Chegou a conclusão que apenas nas vezes em que ele ficasse louco por um rabo de saia. O pensamento o assustou. Dean não se desconcentrava dos casos daquele jeito. Não por uma garota que nem conhecia. Cada vez mais a morena vestida de couro do bar ganhava pontos em sua lista de suspeitos.

– Ham... Não, acho que não. – a voz voltou ao normal após uma cuspida de pasta de dente e saliva bem no centro do ralo da pia - Ela parecia bem calma. Sorria às vezes até, como se estivesse se divertindo dentro da própria cabeça. Como eu disse, coisa de gente bizarra.

– E não fez mais nada? Falou no celular, leu algo, escreveu algo, tirou fotos... – Sam revirava as folhas dos antigos casos soltos na cama, da mesma maneira de quando chegaram na cidade, nada existia nada que ligasse os fatos, além de acontecerem na mesma cidae.

– Sam, eu não sou uma das suas testemunhas de interrogação. – mais uma vez a conversa deles chegava a aquele ponto, desde que tinham chegado aquela cidade a disputa era sobre Sam tentando incriminá-la a qualquer custe e Dean envolvido sem motivo além do olhar, mas ainda consciente de seu papel na cidade - Eu segui a garota estranha e ela só andou pela cidade. É estranho, eu sei que é estranho, mas é só estranho.

– E quando é que alguma é só estranha? – Dean ignorou o tom de Sam, fingindo que abotoar a camisa parecia mais interessante que olhar o irmão nos olhos e manda-lo tomar no cú por continuar falando o óbvio.

– Não achou nada? – preferiu dizer.

– Fui no necrotério enquanto você dormia aí de manhã – as palavras saíram tão decididas quanto o sanduiche que voava na direção do rosto de Dean sem que ele tivesse tempo de fazer o caminho da porta do banheiro até a cama.

Ainda procurando por endereços no Facebook Sam contou sobre o que tinha descoberto no necrotério. Mais um monte de nada. Uma tarde e uma noite na cidade e a garota de couro no bar era mais estranha do que os acontecimentos sem explicações.

Sam queria que a garota estivesse envolvida. Dean queria se envolver com a garota.

– Nada faltando. Nada de estranho nos corpos. Todos morreram exatamente como as leis da física explicariam as mortes que as testemunhas presenciaram. Nenhuma gosma, nenhum cheiro estranho, nenhuma anomalia corporal. E...

– E? – até o sanduiche de atum parecia esconder mais segredos que aqueles casos, talvez o gosto azedo não fosse limão e sim azedo mesmo.

– Durante a madrugada aconteceu de novo. Uma mãe afogou os filhos gêmeos na banheira de bebê e depois o pai das crianças a matou, bateu com a cabeça dela na privada até quebrar a louça e furar o crânio da mulher. Um verdadeiro ataque de fúria.

– Ele ainda está vivo. O pai? – o último pedaço do sanduiche foi engolido a força. Não tem como mastigar e dar nó em uma gravata ao mesmo tempo. Mesmo que você seja Dean Winchester você ainda é um homem e homens não sabem fazer duas coisas ao mesmo tempo.

E homens gostam de mulheres que se vestem com couro e camiseta de banda rasgada.

– Sim. Foi levada para a delegacia as seis da manhã. Ele mesmo ligou reportando o incidente. Pelo jeito ele era um dos três únicos policiais da cidade. – só mesmo Saint Andrea para ter apenas três policiais - Já terminou de se vestir?

A primeira parada era obviamente a delegacia. Com certeza aquela não parecia ser a cidade mais perigosa do país. Gothan sentiria vergonha por ter sido comprada com Saint Andrea. O pó nos arquivos, a mancha de café ainda melada no teclado do computador do setor de evidências. Tudo era uma preguiça que só por ali. Mesmo os casos novos não os tinha feito se mover.

– Sr. McAllister é importante que o Sr mantenha a calma. Precisamos fazer algumas perguntas que podem ajuda-lo mais tarde em sua audiência... – Sam tentava ser paciente, mas o homem em sua frente, já vestindo laranja vindo de um roupão apertado não parecia nenhum pouco preocupado em manter a calma.

– Calma, meu filho? Que calma você conhece? Eu me casei com aquela vaca mesmo ela tendo dado para metade da escola antes de aceitar namorar comigo. Eu paguei a maldita festa, eu paguei até mesmo o vestido de noiva dela. Eu a amava a amava tanto que parecia um doente. Mas agora estão vocês aqui, na minha frente, como se eu fosse o culpado. Eu sou o culpado por vingar a morte dos meus filhos? Aquela vadia os fez comigo, fui eu quem meteu nela para nascer aquelas crianças, elas eram tão minhas quanto dela! Os meninos... Ah eu sei que eles eram bons meninos. Eles deviam estar prevendo o quanto louca era a mãe deles. Eu posso jurar que ela os torturava, porque meus filhos não paravam de chorar um minuto desde a última semana. Ela se fingia de cansada, dizia que não sabia o que estava acontecendo. Até chorar aquela maldita psicopata chorou. Mentirosa, sem alma. Era ela, eu sei que era ela. Maldita. Vadia. No fim da noite disse que tentaria dar um banho neles para ver se se acalmavam, quando ela encostou neles eles choraram, choraram muito mais, entraram em uma verdadeira crise de nervosos. Oh céus... Meus filhos... Meus pequenos filhos... Eles estavam tão irados. E de repente... Eles simplesmente pararam.

As mãos do homem, apertadas sobre a mesa se tonaram vermelha pela força empregada contra ela mesma. A voz era um misto de raiva que sai por entre os dentes e desgraça que escapa pela respiração.

– Levantei para ir até o banheiro. Eles já não se moviam dentro dagua e ela... Oh céus, aquela mulher diabólica, ela ainda os estava sacudindo dentro dagua. Batia a cabeça de um contra o outro. Eles já estavam mortos! Ela já os tinha feito se calarem. Mas ela batia, batia, batia, batia. Batia a cabeça de um contra o outro.

Ele demorou a continuar. Mordeu a própria boca até que o sangue o fizesse falar.

– Ela queria estourar a cabeça deles, eu sei que ela queria. E então eu entrei na loucura. Meus filhos choravam há sete dias. Minha mulher os tinha matado no banho. Essa maldita cidade está o caos. Quem iria julgar um louco no caos? O ódio dentro de mim, a raiva dentro de mim. A ira que me dominou. Eu me deixei levar por essa doença de pessoas sem alma. Eu só queria mata-la. Completamente consciente – seu tom aumentava, ele gritava ainda mais – eu a matei. Bati sua cabeça contra a privada. Ela não morreu fácil. Vadias não morrem fácil, nasceram para apanhar e serem esfoladas. Mas eu continuei batendo a cabeça dela, eu gostava que ela estivesse viva.

Antes de continuar os três viraram a cabeça na direção do corredor. Duas senhoras de idade entravam na delegacia aos berros. Que para duas senhoras de idade significavam apenas alguns sussurros e apontadas de dedos.

Eles ignoraram. Os segundos que se passaram não eram tão importantes, muito menos tão chocantes quanto o depoimento que se seguia.

– Eu gostava de ouvir os gritos dela, eu gostava de sentir a privada tremer contra a testa dela. Querem saber? A melhor parte foi quando a porcelana quebrou. O único pedacinho que eu precisava. Três golpes. Eu segurei o cabelo dela por entre as mãos com ainda mais força e bati três vezes contra aquela ponta cortante. Na terceira, quando eu senti o cérebro dela sujar minha mão... Na terceira ela ainda estava acordada. Gemeu e se calou. – ele respirou fundo e pela primeira vez falou com calma e com o tom de voz normal – e então, como minha casa estava em silêncio eu vim para a delegacia e contei tudo o que tinha acontecido.

Sam e Dean não sabiam o que dizer. Era mais fácil quando as pessoas diziam que não tinham tido culpa. Ou quando pareciam loucos de quem se sente pena. O Sr. McAllister ali em sua frente, mesmo com seus vinte e poucos anos parecia completamente lucido e ciente do que tinha feito. Dean respirou fundo antes de continuar.

– O Sr. Percebeu algo de estranho em sua casa quando as crianças começaram a chorar? Cheiros estranhos, temperatura anormal, muito frio talvez. Plantas mortas, plantas estranhas... Marcas estranhas talvez... – sugeriu o mais novo dos Winchester.

– O que isso poderia significar? – perguntou o homem tentando voltar a controlar sua respiração, mas prendendo os dentes para isso, o que o fazia parecer ainda mais irado.

– Muita coisa – advertiu Dean sem paciência, mas quando percebeu que seu desdém quase o rendeu um soco algemado arregalou os olhos e continuou – Pode significar, por exemplo, que alguém estava tentando sabotar a rotina da sua casa. O Sr, ou a sua... A Sra. McAllister tinham algum inimigo?

– É claro que não! Inimigos... Nessa cidade ninguém é inimigo. Não tem como ser inimigo. Como você vai brigar com o dono da padaria? Vai acabar sem pão! Como vai tentar dar em cima da mulher do açougueiro? Arriscar perder o pinto para o próprio primo? – a paciência dele mais uma vez ia por agua abaixo pelas palavras que cada vez ficavam mais altas – Aqui todo mundo se conhece, aqui todo mundo é primo de alguma forma.

– Senhores. – uma quarta voz surgia na sala. O delegado da cidade os interrompia com pesar nos olhos e sob o peito o chapéu – Acredito que estamos tendo um problema na praça em frente.


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