Ao se aproximar do banheiro, John ouviu o barulho de água caindo e certos palavrões vindos de Sherlock. Achou estranho, geralmente o moreno era silencioso durante os banhos e era raro ouvir tais palavras saindo de sua boca. Claro que isso era quando ainda moravam juntos.

“Sherlock?” John chamou ao bater na porta. Tudo ficou silencioso, até o barulho de água havia parado. “Sherlock, está tudo bem?” Perguntou quando o mesmo não se pronunciou.

“Sim. O que faz aqui?” Perguntou numa voz controlada. Algo estava errado.

“Eu vim falar com você, a porta estava destrancada como sempre então resolvi entrar. Você tem certeza que está tudo bem?” John tornou a perguntar.

“Sim, John. Você não pode voltar mais tarde?” Sherlock tornou a ligar a água e praguejou novamente.

“Sherlock, não mente para mim. Já não bastaram dois anos de mentiras?” Ele se arrependeu assim que as palavras saíram de sua boca. Claro que Sherlock mentiu, era o que ele fazia. Mas se ao menos John soubesse seus motivos...

“John, o que você quer? Está tudo bem. Você pode muito bem voltar depois, aposto que a Mary está te esperando.” A resposta saiu mais seca do que esperava, mas Sherlock não se importou no momento. A água quente escorrendo por seu corpo passando pelos machucados recentes o fazia estremecer e gemer baixinho e agora, era o único tipo de dor que poderia lidar. Uma coisa de cada vez.

“Oh Sherlock...” John não sabia ao certo o que dizer. “Será que dá para você sair daí para gente conversar?”

“Não.”

“Sherlock, eu vou entrar.” Disse abrindo a porta se surpreendendo ao estar aberta. “Seu bastardo, como você pode vir tomar banho e deixar tudo aberto dessa maneira? Sei que é descuidado, mas...” As palavras morreram em sua boca quando a porta do box se abriu e deu de cara com um Sherlock nu (não seria a primeira vez que o via assim, acidentes acontecem quando você divide o flat com uma pessoa. Bem, dividia.) e cheio de machucados. “Mas que porra?!”

“Feliz agora?” Sherlock perguntou sem paciência, sem ao menos tentar esconder suas partes intimas. Mas isso não importava agora. Nada mais importava, John já tinha visto.

“Sherlock, o que houve?” A voz estremecida de John deixou Sherlock alarmado.

“Dois anos de mentira.” Disse virando as costas e exibindo mais cicatrizes. Passou as mãos sobre as mesmas soltando mais um gemido.

“Sherlock-“

“Você realmente acha que eu passei dois anos numa boa, John?” Sherlock perguntou virando-se para ele. A expressão de dor em seu rosto quebrou John. “Você acha que fiquei feliz me escondendo de você? Acha que tudo o que eu te disse quando voltei foi mentira? Que eu não tentei ir atrás de você várias vezes? Isso aqui é apenas mais uma consequência das coisas que tive que fazer para ter certeza de que tudo estaria bem quando voltasse.” As perguntas foram jogadas na cara de John como tapas e sua nudez completamente ignorada. Ambos estavam machucados pelas coisas que Moriarty fez, ambos tinham muito que dizer. Só não tinham certeza se a amizade que tinham antes seria capaz de sobreviver a um baque tão cruel.

“Eu não sabia! Droga, Sherlock! Eu passei dois anos pedindo para você não estar morto, dois anos sofrendo para você então aparecer quando estou prestes a pedir a mulher que esteve do meu lado durante meses, assistindo a minha miséria, em casamento. Você acha isso justo?” John fechou os olhos por um momento tentando se acalmar.

“Você a ama?” Sherlock perguntou pegando John de surpresa. É claro que amava, não amava?

A verdade era que havia se perguntado isso milhões de vezes e nunca achava a resposta certa para isso. Mary era bonita, gentil e tinha estado com ele durante meses, sem falar na paciência e no carinho que tinha com ele. Ele gostava dela, mas amor era outro nível. Amor era complicado. E John agora sabia o porquê jamais sentiu algo tão forte. Olhou nos olhos de Sherlock e viu a mesma dor refletindo na sua própria.

“Não.” Disse fracamente, desamparado.

Sherlock se aproximou de John e manteve seus olhos conectados até estar frente a frente e pronunciar as palavras que guardou por tanto tempo.

“Eu morri todos os dias, John.” Respirou fundo duas vezes antes de continuar. “Eu morri quando te ouvi pedindo por mais um milagre. Eu te ouvi. Eu quis aparecer ali mesmo e nunca mais sair do seu lado. Esse pensamento me tentou tantas outras vezes, mas eu tive que puxá-lo para longe. Eu não suportaria a ideia de te ver machucado caso eu voltasse... Ou até coisa pior. Eu não podia. Eu tive que seguir o plano, entenda. Eu sei que isso te machucou, Deus, como eu sei, porque isso me machucou de maneira enlouquecedora.” Suas mãos foram para o rosto de John e as mãos tremulas de John cobriram as suas, ambos respirando pesadamente. “Mas o pensamento de voltar para você me manteve são durante todo esse tempo. Eu podia suportar qualquer dor, qualquer tortura se isso resultasse em ver você novamente. Eu sinto muito que tenha te machucado de tal maneira. E eu sinto muito que tenha demorado tanto. Eu sinto muito que seja tarde demais para nós.” Seus olhos agora se encontravam fechados, sua testa encostada na de John. Seu peito batia tão violenta e dolorosamente que achou que não ia suportar, mas isso era o resultado de tanta espera para algo... Para algo que agora podia não ter mais jeito. “Eu sinto muito ter aparecido daquele jeito, ter estragado seus planos. Eu só estava tão desesperado em ver você que não cogitei a ideia de você ter seguido em frente.”

“Shh, por favor. Não diga mais nada.” John estava chorando, não queria mais ouvir nem saber. Já tinha ouvido o suficiente. “Você está machucado, Sherlock, você precisa de cuidados.” John sussurrou abrindo os olhos e se afastando um pouco. Sherlock estremeceu.

“Mycroft tentou me convencer ter cuidado médico, mas não era realmente algo que me atraiu na hora. Acho que me arrependo um pouco.” Disse ao fazer uma careta.

“Eu sou um médico, não?”

“Sim, mas... John, você não pode fazer isso. Não agora, não depois de tudo o que eu te disse.” Sherlock disse hesitante, com certa tristeza em sua voz. "Você deveria voltar para sua casa."

“O que?” John perguntou.

“Em outras palavras, eu disse que te amo, mas que obviamente não podemos ficar juntos, porque você tem a Mary.” Sherlock disse claramente confuso.

“Você não ouviu a parte que eu não a amo? Você acha que eu realmente me casaria, teria uma família e essas coisas sabendo que você estaria aqui em Baker Street? Sabendo que eu poderia ter a vida que eu amava com você aqui? Ainda mais depois de ouvir o que você disse?” O choro ainda era claramente visível, mas agora havia um sorriso bobo em seu rosto. “Mary é ótima, mas não há lugar para mim no mundo que não seja ao seu lado, seu idiota.”

“Então isso quer dizer que...?”

“Ela sabe disso. Sempre soube e sabia, assim que acordou essa manhã, que não teria mais jeito. E foi assim que meu noivado acabou antes de existir.” Disse mordendo o lábio e sorrindo. E antes que pudesse dizer qualquer outra coisa, Sherlock o abraçou e beijou ignorando toda dor, sendo ela emocional ou física. Ter John em seus braços aliviava qualquer coisa.Os lábios de Sherlock eram suaves e quentes, os de John botavam mais pressão. Eles precisavam mais desse contato de qualquer ar.

“Eu te amo, John Watson.” Sussurrou em seus lábios ainda o mantendo em seus abraços.

“Eu a você.” John disse sorrindo se sentindo estranhamente feliz, estúpido e ridículo. “Mas deixa eu cuidar desses cortes, tudo bem?” Sherlock o abraçou mais um vez e deixou cuidar de seus machucados logo em seguida. Sabiam que tinha muita coisa para consertar, muitas feridas para curar, muitos sentimentos para lidar e saudade para ser saciada, mas fariam uma coisa de cada vez. Tudo em seu devido tempo. No momento, aproveitaram seu primeiro banho juntos, cuidando das feridas de Sherlock, trocando beijos singelos, sorrisos bobos e olhares que transbordavam sentimentos que sempre estiveram entre eles.