Mais feliz escrita por sirmasson


Capítulo 1
Capítulo Único




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Quando a claridade tênue do sol entrou pela janela naquela manhã cinzenta, não trouxe nada de animador para o rapaz que jazia sobre a cama. O ar ainda estava úmido da chuva forte que caíra na noite anterior, e o cheiro suave da grama molhada permeava o ar do quarto.

O rapaz olhou para o despertador digital que ficava sobre o criado-mudo ao lado da cama, e viu que ainda eram quinze para as seis da manhã. O alarme da escola só deveria tocar às seis e meia, mas ele não estava com vontade alguma de voltar a dormir. Seus sonhos tinham sido invadidos por uma imagem que se repetia amargamente, lembrando-o dos acontecimentos que presenciara no dia anterior.

O rapaz levantou-se da cama em silêncio. Podia ouvir o barulho de alguém na cozinha, provavelmente seu pai fazendo o café da manhã antes de ir para o escritório. Ele caminhou até a mesa onde o computador permanecera ligado a noite toda e sentou-se em silêncio, colocando o fone de ouvido e ligando uma música enquanto num gesto automático abria as mensagens enviadas para sua página social.

Arrependeu-se de ter feito aquilo na mesma hora quando a página abriu. O assunto na rede social era apenas um: Mônica e DC tinham ficado, e ele finalmente estava no passado da amiga. A comoção era geral, toda a turma dando apoio, palavras de incentivo, indiretas de como ela tinha finalmente deixado o passado pra trás, de como merecia ser feliz e tinha escolhido o melhor caminho. A amiga Denise tinha inclusive postado fotos de vários ângulos da cena que eles tinham armado no dia anterior, da Mônica abraçando DC e a cara de surpresa dele.

Ele leu as mensagens – todas elas – numa espécie de transe masoquista. Cada comentário maldoso, indiretas e até diretas, cravavam nas costas como punhais de gelo, mas ele não conseguia parar de ler. Ele sempre se esquecia do quão pouco podia contar com aquelas pessoas, afinal, eles eram a “turma da Mônica”, não do Cebola. No fim, ele pensou, sabia no fundo que poucos o entenderiam e apoiariam. No máximo, o eterno amigo Cascão, lhe daria apoio, como sempre o apoiara nos planos e surras de outrora.

Cebola esperou o seu pai sair com o carro e foi até a cozinha – sua mãe e irmã não acordariam até às seis e meia – e pegou uma caneca de café e algumas torradas, voltando ao quarto em seguida. Pensou em ligar algum jogo pra distrair os pensamentos, mas parecia que haviam roubado todo o seu ânimo pras coisas. Ficou ali sentado navegando por sites aleatórios até o despertador tocar.

Quando alcançou a rua pra ir à escola, o amigo Cascão já estava esperando no portão. Carregava o skate debaixo do braço, e sua expressão era de preocupação.

—Fala aí, careca — disse ele, meio sem jeito — como é que estão as coisas?

—Naquelas — disse Cebola, desconversando — hoje é dia de que?

—Aula do Licurgo — disse o amigo, percebendo que ele não queria falar do assunto — Sabe, ainda não acredito que aquele maluco é diretor da escola. Eu ainda nem entendi sobre o que é a aula dele.

—Não estou nem aí — disse o rapaz secamente, enquanto fechava o portão e seguia o caminho da escola — desde que ele não fique pegando no meu pé como ele sempre faz.

—Verdade, eu esqueço que ele pega no seu pé desde criança — disse Cascão, com um sorriso — você achava que ele era louco.

—E não é? — perguntou Cebola, levantando uma sobrancelha, e emendou com amargura — Além disso, parece que todo mundo anda esquecendo um monte de coisas sobre mim ultimamente.

Cascão tentou balbuciar uma resposta, mas não saiu nada. Talvez estivesse com medo de chatear o amigo ou de aumentar mais ainda a ferida aberta. De qualquer forma, continuou calado até chegarem à escola, e no momento de atravessarem o portão, finalmente criou coragem para falar alguma coisa e segurou Cebola pelo ombro.

—Cebola, tem certeza que quer fazer isso? — disse ele, olhando para o amigo com compaixão — dê um dia pelo menos pra poeira baixar, pro bafafá diminuir um pouco. Vai pro shopping, pra lanchonete, sei lá, pra qualquer lugar, mas não vai pra aula hoje.

—Pra que, Cascão? — disse ele, olhando pro amigo desafiadoramente — Pra todo mundo tirar sarro de mim de como eu sou covarde? Que eu estou chorando como uma menininha em casa porque a Mônica ficou com o DC? Se todo mundo já está me malhando na internet, imagina o que vão falar de mim pelas minhas costas se eu não aparecer hoje. Não, vou enfrentar tudo isso de cabeça erguida, mesmo que por dentro esteja tudo quebrado.

—Bom, careca, você é quem sabe — disse simplesmente o amigo — mas garanto que não vai ser nada fácil.

Nisso o amigo apontou para a porta da escola, e Cebola sentiu um nó na garganta. Podia ver Mônica encostada na parede da escola, e DC abraçando-a pela cintura, conversando algo no ouvido dela. O rapaz disse alguma coisa no ouvido dela e ela deu uma gargalhada tão alta que as pessoas que passavam olharam pra ela, espantados. Cebola sentiu o sangue ferver nas veias, e sentiu um impulso de avançar até lá, mas lembrou-se que eles agora estavam juntos, e ele não podia fazer muita coisa, nem tinha autoridade pra isso. Resmungou algo para o amigo e seguiu na direção da escola.

O rapaz se espantou como era incrível a reação das pessoas com o que acontecera. Assim que atravessou o portão e entrou no pátio da escola onde podia ser visto, a escola parou. Parecia que o tempo havia sido congelado e as pessoas tinham virado estátuas. Quem estava no pátio parou no lugar e fixou a atenção nele. Alunos que passavam pelo corredor e o avistaram pela janela colaram no vidro para assistir à cena, ou buscavam uma posição melhor para assistir ao que acontecia. Parecia que todos haviam esperado por aquele momento desde o dia anterior, o babado do momento, a notícia nova. Ninguém queria perder o desfecho, o primeiro encontro dos três após a decisão da Mônica.

Cebola sentiu-se pequeno com tantos olhares sobre ele, mas levantou a cabeça e caminhou adiante, tentando não pensar que todos esperavam pra ver sua reação. Disfarçadamente, olhou de esguelha para um pequeno grupo à sua direita, e viu que cochichavam algo sobre ele.

—O que você acha — perguntou uma garota loira que tentava esconder-se atrás do caderno.

—Acho que ele vai surtar, ele sempre surta — disse com desdém outra, de blusa azul e cabelos cacheados.

—Acho que ele não chega nem na metade do pátio — disse um terceiro, de óculos escuros — vai voltar correndo pra casa de vergonha.

Ele ainda pôde avistar Denise pairando como um urubu ao redor do pátio, celular numa mão e máquina digital na outra, esperando ansiosa pro outro flagra, outra notícia, outro babado quente pra postar na página da escola pra todos rirem. Ele cerrou os dentes, cansado de todo aquele circo.

Avançou com passos largos na direção da porta do colégio, olhando fixamente para os dois amigos encostados na parede, como se esperassem de propósito que ele passasse por ali. Cebola pôde ver que DC já o havia avistado, olhando para ele se aproximando com um sorriso maldoso no rosto, como se a exibisse, como se o desafiasse a tomar a atitude que todos esperavam.

Mas algo na mente de Cebola deu um estalo e ele teve uma ideia. A maior força de DC residia justamente no fato de que ele contrariava todas as expectativas. Sempre agia ao contrário do que se esperava, nunca sendo previsível, sempre surpreendendo a todos. Ele, no entanto, era teimoso e sustentava suas convicções até o fim, por mais que estivessem erradas, e DC sempre usava isso como forma de diminuí-lo, debochando de sua insistência.

—Nunca mais — pensou Cebola.

Num passo decidido e expressão calma, Cebola passou pelos dois numa atitude surpreendentemente impassível. Aqueles que esperavam pela explosão, pelo atrito, ficaram boquiabertos, sem acreditar no que viam. Cebola seguiu em direção da classe com passos firmes, sem olhar pra trás para ver a reação de DC ou da Mônica. Não queria nem saber. Sentou na carteira e puxou o caderno da mochila.

—Careca, o que aconteceu? — perguntou Cascão, que sentava ao seu lado — Achei que você ia dar bafão ali na frente, mas você passou reto, sem nem olhar pros dois. Você tá bem?

—Cascão, não tô nem aí mais pros dois — disse ele, dando de ombros — tenho coisa muito mais importante pra me preocupar do que com o que os outros pensam.

Cascão olhou para o amigo com uma expressão séria no rosto, mas não disse mais nada o resto da aula, ficando em silêncio, pensativamente. Mônica e DC não se sentaram ao seu lado, para sua alegria, mas ficaram juntos dando risadinhas no fundo da sala, como para provoca-lo. Ouvia ainda os amigos cochichando baixinho pelas suas costas, enquanto a aula passava, mas decidiu não ligar mais.

Quando o intervalo finalmente chegou, Cebola saiu da sala e caminhou para os fundos da escola, onde ficava o refeitório e as quadras poliesportivas. Pegou um salgado na cantina e seguiu na direção das quadras, sentando num banco de concreto enquanto comia. Seu olhar perdeu-se no céu, observando as nuvens cinzentas que o vento começava a carregar pra longe. Estava perdido em pensamentos quando ouviu uma voz familiar.

—Cê?

O rapaz baixou os olhos do céu e teve uma surpresa ao ver quem falava com ele. A garota de cabelos curtos que sempre parecia estar por perto quando ele estava na pior. Irene estava muito bonita naquela manhã, seus olhos pareciam brilhar e seu sorriso parecia mais largo que o normal.

—Posso sentar aqui com você? — perguntou a garota. Cebola podia ver a ansiedade em seus olhos.

Clalo, Ilene — disse ele meio sem jeito, dando espaço para a garota. A garota sorriu tão gostoso que ele engasgou com as próprias palavras.

Enquanto Irene se sentava ao seu lado, Cebola pegou-se pensando nela e em tudo o que ele sentia sempre que a garota se aproximava. Seu coração disparava, as palavras tropeçavam na boca, as mãos suavam frio e hesitavam nos gestos. Parecia que quando ela chegava ele virava um trapalhão, uma criança.

—Fiquei sabendo do que aconteceu, Cê — disse ela, olhando pra ele — e aí, como você está?

—Sabe Irene — disse ele, inclinando pra trás e deixando os olhos vagarem novamente pelas nuvens — Eu não vou mentir pra você. Sempre senti algo muito forte pela Mônica, desde pequeno, não sei explicar muito bem o que era. Uma vontade de implicar com ela, de estar sempre torrando a paciência, sabe, como se fosse uma competição pra ver quem era mais popular. Sempre querendo que ela prestasse atenção em mim. Sempre querendo derrota-la.

—Acha que era amor, Cê? — disse ela, se aproximando.

—Não sei, achei que fosse. Mas agora que ela está com o DC, me sinto estranho. Uma parte de mim está com ciúmes, mas outra parte está aliviada, como se alguém tirasse de cima de mim uma pedra enorme. Parece que agora que ela está com outro eu não preciso mais me preocupar em ser melhor que ela, posso simplesmente ser eu mesmo.

—Como assim? — perguntou a garota.

— Acho que sempre me senti meio que com a obrigação de ficarmos juntos — disse o rapaz, levantando-se — Todo mundo sempre falou que éramos feitos um para o outro, então acho que acabei acreditando nisso. Mas agora, parando pra pensar bem, acho que nunca rolaria entre nós. Eu sempre estaria tentando ser melhor que ela, acabar com essa atitude que ela tem de se sobressair aos outros, deixar todos em segundo plano. Agora que acabou, posso finalmente ser só o Cebola.

Ela se levantou e pegou na mão dele. Cebola se virou para ela e finalmente parou pra notar o quanto Irene era linda. Meiga, gentil, carinhosa. Seus olhos azuis-oceano transmitiam paz e serenidade para a sua alma, e seu sorriso sincero trouxe a ele uma sensação de alegria que não sentia há muito tempo.

Cebola aproximou-se dela lentamente. Irene não resistiu, parecia esperar por aquilo há muito tempo. Ele se inclinou sobre o rosto dela e seus lábios se encontraram lentamente, sem pressa. Irene se entregou àquele beijo com tanto ardor que o rapaz achou ele ela iria engolfá-lo com aquele abraço. Diferente do beijo com a Mônica, aquele foi um beijo sincero, sem pressão, sem disputa com o DC. Os dois ficaram ali, beijando-se sem falar mais nada, apenas curtindo o momento. Não eram necessárias palavras, o coração já falara tudo.

É claro que aquele beijo não passou despercebido, nada naquele colégio escapava ao cerco de Denise. Quando voltaram pra classe, toda a escola já estava sabendo que a fila da Mônica não era a única que tinha andado, mas Cebola já não ligava mais. Ele até achou ter visto a Mônica dar um chilique com a Magali no final do período, mas não se preocupou mais com aquilo. Estava feliz, como nunca estivera antes.

Conforme o tempo se passou e o babado correu a escola e o bairro, ninguém negou achar que o Cebola iria correr atrás da Mônica pra sempre, e a surpresa quando ele e Irene oficializaram o namoro alguns dias depois. Cebola foi ficando cada vez mais distante da turma, afinal, não precisava mais da “Turma da Mônica”, e aqueles que ainda o consideravam seu amigo continuaram sua amizade, como aconteceu com Cascão e Cascuda, cansados de viver à sombra da amiga. O rapaz percebeu finalmente que não precisava viver preso àquelas amizades simplesmente para ficar na turma, podia simplesmente ficar com as pessoas que o consideravam tão importante quanto os outros, como igual.

E assim, finalmente livre da sombra da Mônica, com amigos sinceros e uma namorada carinhosa que o amava por quem ele era, como igual, viveu muito mais feliz.

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E a Mônica e o DC? Bom, digamos que ela descobriu da pior maneira possível que “um tigre não muda as suas listras”. Durante a primeira semana de namoro, ainda no calor da paixão, ela achou graça quando ela o convidou para ir ao cinema assistir a um filme que queria muito ver, e ele se recusou, convidando-a para assistir a um campeonato de dominó que seu avô participaria.

Na semana seguinte, quando estava com vontade de comer cachorro-quente na lanchonete da esquina, teve muita paciência e aceitou comer sanduíche de abobrinha com ele numa lanchonete que só ele conhecia nos cafundós do bairro.

E na outra semana, quando quis ir à festa da Carminha Frufru, ele teimou tanto com ela acabou indo sozinha na festa, já que ele não queria ir.

E no outro mês, discutiram feio porque ela precisava estudar matemática e ele queria estudar português, e foi o que ele estudou.

Mônica lembrou-se tarde demais que DC ainda significava Do Contra. Ele nunca faria nada que ela quisesse, como seria esperado de um namorado, porque sua natureza o obrigava a contrariar tudo, nunca fazer nada que fosse do gosto dos outros simplesmente pelo prazer de contrariar. Ele era assim mesmo, só agradava a si mesmo, mesmo que isso significasse ficar de fora de todas as atividades que a turma planejava. Nas poucas vezes que ela conseguiu arrastá-lo a um passeio contra a vontade, ele fazia todas as atividades ao contrário, estragando o passeio dela e o dos outros.

O namoro não durou muito tempo, já que a paciência nunca foi a maior virtude da garota. Mas quando finalmente caiu em si do que tinha feito ao Cebola, já era tarde demais. Ele já tinha arrumado um bom estágio numa empresa de informática, o namoro com a Irene estava firme, e ela o apoiava e auxiliava como deve ser um namoro de verdade, sem competição.


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