Aquele Que Veio do Mar escrita por Ri Naldo


Capítulo 4
Chapéu




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Do alto da colina dava pra ver todo o Acampamento. Tinha um rio que o dividia em dois, uma parte com as construções e a outra com a floresta. Na parte das construções, havia uma espécie de mansão preta com detalhes dourados, uma quadra de vôlei onde adolescentes e crianças jogavam contra sátiros, um anfiteatro e uma arena, na qual várias pessoas duelavam com espadas, machados, arcos, e outros tipos de armas que eu não conhecia. Havia também outras construções, mas eu não as reconhecia, nunca as tinha visto na vida.

Do outro lado, na floresta, pessoas tomavam banho na praia. Tinha gente por todos os lugares, indo para lá e para cá. Um pouco afastado das outras construções, havia um conjunto de chalés de diferentes cores, tamanhos e decorações, que formavam um U. Praticamente todos que estavam no Acampamento usavam uma camisa alaranjada, mas eu não estava perto o suficiente para ler o que tinha escrito nela.

Saindo da grande casa preta, pensei ter visto um cavalo, mas, focando a visão, percebi que não era só um cavalo. Da cintura para cima, tinha o corpo de um humano. Centauro. Eles eram reais.

— E lá está o todo poderoso Quíron… — falou Julieta.

— Vamos, temos que apresentar você a ele.

Antes de passar pela espécie de barreira que protegia o Acampamento, me deparei com uma coisa que não tinha visto antes: um dragão. Normal. Ele estava todo enroscado no pinheiro gigante e apenas bocejou quando eu passei, apesar de eu quase ter molhado as calças — o que não seria uma coisa muito apresentável para três garotas.

— Está com medo do Peleu? — perguntou Louise, com uma risadinha de deboche.

— Hm… Não — respondi, incerto.

Louise fez uma cara de descrença, e desceu a colina calmamente, enquanto Julieta e Mirina apostavam uma corrida até a casa preta. Andei ao lado de Louise.

— Grande isso aqui, não? — falei, tentando puxar assunto.

— É.

— Precisa ser tão curta e fria?

— Não te conheço, então preciso.

— Que indelicadeza.

— Já falamos sobre isso.

— Aposto que chego antes de você naquela casa — apontei para a construção preta.

— Ah, a Casa Grande? Por que eu perderia meu tempo com um idiota tipo você?

— Ué, está com medo do "Perdeu!"?

— Idiota… — e saiu correndo.

— Ei, assim não vale! — saí atrás dela.

— Você não disse nada!

Corremos uns 300 metros até chegarmos na frente da Casa Grande, como Louise a chamou. Mirina e Julieta já estavam à nossa espera. Quando nos viu chegar, Julieta soltou um risinho.

Atrás das duas, o centauro que eu vira do alto da colina apareceu. Ele parecia muito maior de perto, tinha cabelos escuros um tanto grisalhos e barba mal feita também escura, com uma aparência de meia-idade.

— Ora, ora, um novo semideus? — perguntou, simpático.

— Hm… Acho que sim… — falei.

— Ele não sabe?

— De quase nada — respondeu Julieta.

— Então acho que devemos explicar… Venha, sente-se.

Ele nos convidou para entrar, e todos se sentaram no enorme sofá que ocupava metade da sala de estar. As paredes eram decoradas com vinhas e quadros diversos de um cara baixo e gordo, com a cara rosada, camisa havaiana e bermudas de praia. Em um canto, havia a cabeça de um leopardo entalhado, só que ela parecia estar viva. Ele bocejava e lambia os beiços.

Quíron pegou um pedaço de carne de um prato em cima da mesa e atirou ao leopardo, que o abocanhou e mastigou ferozmente.

Para onde iria aquela comida?

— Então, hã… — ele começou, olhando para mim como se esperasse algo.

— Dylan — completei.

— Então, Dylan, como alguém já deve ter lhe falado — Julieta levantou a mão, Quíron acenou para ela —, você é filho de um deus da mitologia grega, também chamado semideus — continuou. — Não sabemos qual. Aqui você estará seguro de todos os perigos que a vida de semideus pode oferecer, como, por exemplo, o monstro que lhe atacou.

Como ele sabia disso?

— Isso é simplesmente loucura. Em um dia eu sou só um cara invisível em um internato e, no outro, sou filho de um deus? Fala sério.

— Creio que, na infância, você tenha passado por várias ocasiões estranhas, não?

— Sim. Muitas, na verdade, cada uma mais inacreditável que a outra.

— Todos passaram por isso aqui. Você está entre semelhantes.

— Mas… como vocês vão descobrir de quem eu sou filho?

— Isso depende da boa vontade de seu pai ou mãe. Geralmente eles reconhecem seus filhos na primeira semana, mas muitos não foram reconhecidos ainda, e já passaram muito tempo aqui. Enquanto não determinados, os novos campitas permanecem no chalé de Hermes, o deus dos viajantes.

— E dos ladrões — adicionou Mirina. Quíron assentiu.

— Se tem mais alguma pergunta, acredito que nossa colega Louise — ele olhou para ela com os cantos dos lábios curvados — lhe levará para um pequeno tour pelo Acampamento.

Ela revirou os olhos, mas se levantou.

— Vamos logo — Louise disse, com rispidez.

Levantei-me e acenei para Mirina e Julieta, que acenaram de volta e ficaram parar conversar sobre algo com Quíron. Saí andando ao lado de Louise.

— Se tiver alguma pergunta, faça logo.

— O que é aquilo?

— Estábulo.

— Aquilo?

— Os chalés onde ficam os filhos dos deuses. Cada deus tem seu chalé.

Assim fui tirando minhas dúvidas, e, em pouco tempo, fui conhecendo todo o Acampamento. Só faltava um lugar…

— Você mal chegou a já quer ir à praia? — ela perguntou, incrédula. — Não acha que precisa de uma sunga ou roupa de banho?

— Eu não vou tomar banho, só quero ver como é lá.

Ela suspirou e saiu correndo floresta adentro, comigo em seu encalço. Atravessamos o lago com um bote e corremos mais um pouco. Não pude deixar de notar que, quando ela corria, sua camisa colava ao corpo. Quase bati numa árvore pensando nisso.

— Aqui está, surfista.

Chegamos à praia, e eu não aguentei. Saí correndo em disparada até a água. Só quando eu já estava todo molhado que percebi o que tinha feito. Entrei com roupa e tudo dentro d’água. Todos olhavam para mim com cara de espanto. Mas, do nada, os campistas ao redor se curvaram para mim, como se eu fosse alguém mais alto na hierarquia. Louise permaneceu em pé, me olhando interessada. Eu não entendi o que estava acontecendo.

— Acho que o chalé de Hermes não vai precisar de um hóspede novo — ela disse, depois de um tempo.

Louise viu minha cara de desentendimento e apontou para minha cabeça. Olhei para cima e vi uma figura que não me era estranha. Era um tridente. Então eu entendi o que significava.

Poseidon.


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