Aquele Que Veio do Mar escrita por Ri Naldo


Capítulo 2
Aquário




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Meio segundo depois de eu apertar o botão, o MP3 foi crescendo e se transformando até atingir o formato de… uma espada?

A espada era da mesma cor do aparelho. Reluzia como aço exposto ao sol, e seu punho era esculpido em forma de um amontoado de algas. Os fones agora eram como dois laços prateados, contrastando a cor da espada. Ela era exatamente da minha medida. Nem grande demais, nem pesada demais. Segurar ela me deu uma onda de coragem, como se eu fosse invencível. Parti para cima do ciclope.

Ele, ao ver que eu tinha investido, deu um passo para trás, mas logo se recuperou e colocou os braços na frente do corpo como um escudo. Minha espada não causou nenhum dano, apenas atingiu sua dura pele e fez um estrondo que acho que poderia ser escutado do outro lado do quarteirão.

Sabendo que não tinha chance, resolvi voltar a correr. A espada também me dava velocidade, mas eu estava ficando cansado. Já tinha corrido três quarteirões inteiros antes de olhar para trás, e o monstro não apresentava sinais de cansaço, o que não era uma boa notícia. Pelo menos agora eu tinha uma bela vantagem, já que estava correndo mais rápido. As pessoas continuavam desesperadas para sair do caminho do ciclope, mas não estavam tão assustadas, como se fosse apenas um elefante que fugira do zoológico.

Como eu não conhecia bem a cidade, estava correndo aleatoriamente pelas ruas, até que vi a entrada para o zoológico local — cara, há quanto tempo eu não ia naquele zoológico — e entrei às pressas. Aquele ciclope maldito continuava correndo atrás de mim, e eu continuava a não acreditar na existência dele. Derrubei algumas pessoas no caminho, que logo se levantavam apressadas para fugir de um pisão. Alguns turistas olharam para mim com cara de espanto, e corriam logo depois de ver o "elefante". Consegui despistar o monstro fazendo algumas voltas, mas aquela coisa parecia sentir meu cheiro, sempre me achava. Deparei-me com uma construção azul semelhante a uma casa afastada das outras. Depois de um tempo, percebi que era o aquário.

Aquele lugar parecia me atrair para dentro, então resolvi entrar. Tranquei a porta e me encostei na parede. Não havia ninguém lá. Provavelmente eu não tinha notado a placa de "fechado".

Todos os músculos do meu corpo doíam. Não sabia se conseguiria correr mais um metro sequer. Tentei fazer o mínimo de barulho possível, mas eu ofegava muito.

Era um lugar impressionante. Tinha papel de parede do oceano com uma infinidade de peixes desenhados. Em intervalos regulares, a parede dava lugar a grandes janelas de vidro que mostravam todos os tipos de peixe que você poderia imaginar. Era incrível. Fiquei entusiasmado e resolvi dar uma explorada. Depois de mais uns cinco recipientes individuais que continham peixes maiores, tubarões e até uma baleia, eu achei o depósito. Abri a porta, entrei e tranquei exatamente quando ouvi o barulho da porta sendo arrancada das dobradiças.

A maioria do espaço do depósito era ocupado por comida de peixe. As únicas fontes de luz eram a janela — que estava fora de alcance por conta dos sacos de ração — e a minha espada, que refletia a luz.

Não havia muito tempo para pensar quando um ciclope de dois metros e meio estava correndo na sua direção rugindo e berrando, enquanto ninguém ao redor se preocupava em ajudar um garoto de 13 anos correndo em disparada pela rua com uma espada na mão.

Os passos do ciclope estavam ficando mais próximos, e seus rugidos cada vez mais altos. Eu não tinha como sair daquele depósito sem passar por ele. O pânico me dominou. A espada reluziu mais forte, e eu ouvi a voz de novo.

Siga seus instintos, enfrente o ciclope.

— Vai ser bem divertido ser esmagado! — falei, para o vento, em resposta.

Respirei fundo e abri a porta do depósito. O ciclope se agigantou na minha frente. Eu queria gritar como uma menininha, mas engoli o grito. Tinha alguma coisa familiar naquele ciclope, mas quando se está de frente para a morte, não é fácil perceber. Segui as instruções da voz. Deixei meus instintos tomarem conta de mim. Eu ataquei o ciclope com uma determinação e agilidade que eu nunca pensei que tinha. Ele desviava dos meus golpes com facilidade, mas eu também me tornei ágil, e conseguia desviar também. Então a minha concentração vacilou.

O ciclope me deu um chute no braço, e eu senti ele quebrar. Gritei de dor e a espada caiu no chão. A boca do monstro se abriu numa risada estrondosa. E ele falou com uma voz bem grossa, mas com um toque agudo:

— É só o começo, meio-sangue.

Meio-sangue?

— Eu acho que não.

No começo, pensei que era o ciclope falando novamente, mas essa voz era mais imponente que a do ciclope. Vi um vulto correr em minha direção e uma garota aparecer de repente. Ela tinha uma lança na mão. Pegou a lança e atirou contra o ciclope, que sorria — o que era horrível — como se nada houvesse acontecido. A lança teve mais efeito que a minha espada. Atingiu o peito do ciclope, enterrou um pouco na carne e se partiu em dois pedaços. Uma metade caiu em cima do meu braço, o que me fez dar outro grito de dor, e a outra permaneceu atravessada pelo ciclope, que virou poeira segundos depois, me deixando boquiaberto.

Depois que a nuvem de poeira desapareceu, eu pude ver a garota claramente. Ela era radiante e, ao mesmo tempo, ameaçadora. Tinha olhos e cabelos escuros como a noite. E, para ironizar, pele pálida. Era quase tão branca quanto papel. Olheiras se destacavam sob seus olhos e seu peito subia e descia rapidamente, como se tivesse acabado de correr a maratona de São Silvestre. Seus olhos brilhavam com ódio, como se aquela criatura tivesse matado seus pais.

— Q-quem é você? — gaguejei, tentando ignorar a dor lancinante no meu braço.

Ela não me respondeu, apenas sentou-se ao meu lado, pegou a mochila preta do Black Sabbath que carregava e tirou de dentro um tipo de barra de cereal, só que feita de gelatina.

— Coma — ordenou.

— Quem é você? — repeti, enquanto comia a barra com um pouco de desconfiança. A dor do meu braço ia diminuindo rapidamente. Como isso era possível?

— Não interessa. Você me fez vir para o outro lado do país só para te buscar, então levante-se, seu molenga.

— Quanta delicadeza — falei, com sarcasmo. Agora meu braço estava totalmente curado, e eu o mexia livremente.

— Delicadeza não faz parte do meu vocabulário.

Ela se levantou, virou de costas e começou a andar. Permaneci no mesmo lugar. Quando ela percebeu que eu não ia a seguir, deu meia volta e me deu um puxão que quase deslocou meu braço. Eu levantei de um pulo. Os laços prateados voltaram a ser fones e a espada voltou a ser MP3. Ela olhou surpresa por um instante, mas logo virou-se e saiu me arrastando para fora do zoológico, como se eu fosse seu bichinho de estimação.

E ela ainda não tinha me respondido.

Quem era ela?


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