Quando você era minha

Estava sendo difícil de concentrar no livro a sua frente. As pequenas palavras se embaralhavam em sua cabeça. Ichigo lia e relia a primeira pagina de Romeu e Julieta. Não era a primeira vez que lia aquele livro, ao contrário, poderia recitar os diálogos dos protagonistas apaixonados, de olhos fechados. Mas a ansiedade ocasionada pela viagem estava tirando sua concentração.

Estava de mudança para Inglaterra a fim de se graduar em uma das melhores universidades de toda Europa. Viajaria junto com seus amigos de infância. Imaginou o que Toushirou fizera no dia anterior antes de partir. Ele o havia dito que queria ter se despedido de algo, às vezes o Kurosaki não conseguia entende-lo. Já a Kuchiki... Sabia muito bem de quem ela se despediria.

— Que cara é essa? – indagou ao ver a feição carrancuda do ruivo.

Ichigo levantara a cabeça fitando a porta. Havia esquecido que ela dormira em sua casa na noite de ontem.

— Desaprendeu a bater na porta? – perguntou mantendo a expressão de desagrado.

— Ela estava entreaberta, então não me importei. – respondeu a pequena Kuchiki fechando a porta as suas costas. — Tentando ler?

— Uhum. – grunhiu afirmando. Percebeu que ela também segurava um livro. — Tentando também?

— Sim, mas não consegui... Shakespeare também? – questionou parada de frente à porta.

— Romeu e Julieta. – respondeu fechando o livro.

— Você e essas coisas românticas. – comentou com desagrado. Estendendo o livro, continuou: — Hamlet.

Os dois se encararam. Shakespeare era a ligação deles. Lembrava o inicio da pré-adolescência de ambos, quando a garota novata chegara à escola e vira um pequeno garoto estranho com um cabelo chamativo segurando um livro de capa violeta. O garoto estranho lia Shakespeare, a garota de inicio caçoara, mas tempos depois se encantara pelo autor favorito de Ichigo e pelo próprio ruivo.

Rukia sentara no canto da cama enquanto Ichigo permanecia na cabeceira da mesma voltando a encarar o livro, não queria encara-la agora. Não após de lembrar-se que não era com ele que ela estava no dia de ontem.

— Chocolate, caixa de coração? – indagou com os olhos semicerrados ao notar a caixa ao lado do ruivo. Poderia Ichigo ter arrumado uma namorada no dia anterior a viagem?

— Yuzu. Prometi um dia pra sair com ela antes da viagem. – comentou notando uma mão boba em sua caixa. — Não disse o que podia pegar.

— Posso pegar mais um? – indagou enquanto degustava o bombom.

— Agora você pede... Toma.

Ela o encarava com indiferença enquanto degustava mais um bombom. Yuzu sentiria muita falta de seu irmão, ela sabia disso. Ichigo era um bom irmão, sempre cumpria com suas promessas. Karin era outra que sentiria falta, mas a Kuchiki sabia de quem mais ela sentiria saudade. Certo baixinho mal humorado que odiava ser chamado de baixinho. Riu ao lembrar-se do dia em que vira a Kurosaki em cima de seu amigo, os dois estavam tão empolgados com a partida de futebol que nem perceberam a posição constrangedora em que estavam.

— Por que essa cara?

— Nada. Só vou sentir saudades daqui.

— Daqui ou de alguém em especial?

Rukia sabia de quem ele estava falando. É claro que sentiria saudades do Ácido, ele era seu noivo. Mas realmente sentiria falta dali, da sua casa, da sua família, da cara emburrada se seu nee-sama. De quando as três famílias se reuniam. De ficar algumas noites na casa do Kurosaki ou então de quando dormia na casa de Toushirou. Sentiria saudade como sente saudade dos tempos em que namorava o ruivo.

— Pelo dia de ontem vai demorar para eu sentir falta dele.

— Ele te levou para um restaurante francês.

— É romântico. – respondeu como se defendesse a acusação que viria a seguir.

— E você detesta.

— É detesto, mas ele não sabe disso.

— Ele é seu noivo e não sabe disso? Em um dia de namoro eu já sabia. Você não parava de resmungar sobre o quanto estava entediada.

— Mas oficialmente não estávamos namorando, então não vale. – respondeu cruzando os braços na defensiva.

— Foi no dia em que eu te pedi em namoro então conta sim.

Os dois se encararam, o semblante sereno se dissipava de suas faces.

— Então, vai encarar um relacionamento à distância. – seu semblante permanecia sério.

— Sim, mas com a vantagem de que ele vai me visitar todo o fim de semana. Então não é a mesma situação que nós passamos.

— Que bom... – sorriu meio tristonho.

— É.

Os dois encaravam-se tristes. Lembrar-se do que o afastaram era o que mais lhes doía. Principalmente a Ichigo

— Vai ser estranho... – principiou o ruivo ainda a encarando. — Estaremos morando no mesmo apartamento a partir de amanhã. Tão próximos e separados.

— A gente decidiu ficar junto, os três, lembra? E também sempre estamos juntos Ichigo.

— Próximos e separados... – sussurrou levantando-se. — Vai começar nosso programa favorito.

Desviar do assunto era o que mais os dois faziam. Ichigo ficava pensando o quanto a relação dos dois eram estranhas. Ex-namorados que se viam todo dia, assistiam a filmes abraçados no sofá enquanto partilhavam da mesma tigela de pipoca e iam morar juntos. Aquilo às vezes o deixava louco, tê-las nos braços sabendo que ela era de outro. Mas eram amigos acima de tudo.

— Ichigo, está tudo bem? – indagou ao observar o rosto amargurado do ruivo.

— Estou. Só sinto falta de quando você era minha.