Waisenkind escrita por HarpiahAvalon


Capítulo 7
Capítulo 7


Notas iniciais do capítulo

Capítulo pequeno...



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          Shari foi pegar seu diário e uma caneta. Esta era pesada e ela teve dificuldades em escrever nas primeiras linhas, mas logo pegou o jeito e começou a escrever:

         

‘‘Este diário pertence à Sharon Andrea.

Aqui estão os relatos de todos os meus sonhos malditos. ’’

 

         - O que eu escrevo agora? – perguntou ela para o Bill, depois de alguns segundos de reflexão.

 

        - Comece pelo dia em que foi seu aniversário. Não foi naquele dia que sua irmã morreu?

 

        Ela consentiu. Ao longo de algum tempo, as primeiras palavras começaram a fluir tranqüilamente:

 

       “No dia 28 de agosto, eu fiz aniversário. Neste dia, minha família que há muito tempo eu não via, me recepcionaram numa singela comemoração. Depois de algum tempo, meus dois queridos amigos Bill e Tom foram me dar um pequeno presentinho, para que a minha data fosse ainda mais feliz. Logo que eles apareceram, minha família tratou de ir embora (alemães e judeus juntos não podiam mais ficar por ordens do maldito governo), e eu fiquei só, com a minha família em casa. Logo que caí no sono, tive um maldito pesadelo em que a minha irmã tinha se apaixonado por um oficial do exército alemão, e que essa paixão fora uma emboscada, apenas um pretexto para que a vizinhança fosse atacada e dizimada. Assim que acordei, suando muito, percebi que não fora apenas um sonho. Pulei a janela de casa para que pudesse me refrescar, e também por que meu sexto sentido apitava diante da rua da minha casa. Como numa premonição, os eventos dos meus sonhos se tornaram verdade, e além de perder minha irmã, morreram meus pais – Tenho certeza! Algo em mim diz isso – e fiquei sem chão. Não sei ao certo como eu vim parar na casa de Simone e Gordon, mas eles me acolheram e desde o primeiro segundo tentaram me fazer sentir em casa.”

 

       - Acho que já está mais que o suficiente. – disse ela, sorrindo para Bill – mais alguma grande idéia?

 

       - Como meu pai morreu?

 

      Ela se assustou como nunca. Começou a gaguejar, e como não conseguiu dizer, escreveu:

 

     “A polícia mais uma vez estava pelas redondezas. Muitos alemães que tinham ajudado seus amigos judeus estavam sendo presos acusados de trair a pátria. Um desses policiais reconheceu Gordon quando ele foi tentar ajudar tirando-nos de casa. Um deles viu Gordon na rua e o reconheceu quando ele tentava nos salvar. Ele seria levado para a prisão. Por nossa culpa. Mas Gordon não tinha medo da morte. E desafiou o oficial:
 

- Porque eu serei preso? Por carregar no coração o sentimento feliz de ajudar as pessoas?
 

- Porque ajudando essa gentinha você se iguala ao lixo que elas são.
 

- Mas isso prova que eu tenho mais caráter que você.
 

Os policiais se entreolharam. E um deles não hesitou, e atirou bem na cabeça do Gordon em pleno local público

 

      Bill ficou triste, mas ao mesmo tempo muito orgulhoso do pai. Ele foi muito bravo defendendo o que acreditava. Aquilo lhe fez amenizar a dor, e quando deu por si, estava abraçado à Sharon, agradecendo-a por ter lhe contado o motivo:

 

     - Só, por favor – disse ela, quase asfixiada pela força do abraço – não conte para sua mãe. Senão ela pode me achar uma louca desvairada.

 

     - Fique tranqüila – disse ele, parando de abraçá-la e olhando no fundo de seus olhos – muito obrigado.

 

      Ela não conseguiu responder. Percebera os olhos dele dentro dos seus e sorriu. Bill saíra do quarto sem maiores explicações e ela ficou sozinha no quarto novamente, mas dessa vez decidira sair do quarto e respirar um pouco de ar puro, para ver se a cabeça ficava um pouco mais leve.

 

      O clima estava relativamente fresco e uma rede simples e meio velha estava armada entre duas colunas no quintal de sua casa. Simone estava inconsolável em sua cadeira de balanço, olhando toda hora para o horizonte, com o coraçãozinho miudinho se apertando de uma reles e pequena esperança. Dava muita pena olhar pra ela, mas nada mais podia ser feito.

 

Alguns dias se passaram, sem que – óbvio – Gordon visse e Simone aquietasse seu coração. Sair de casa estava fora de cogitação, mesmo que uma pequena estadia na varanda, para tomar um pouquinho de ar puro era improvável, já que mais ninguém tinha ânimo pra nada. Sharon passou muitos dias sem dormir com medo de sonhar, mas várias vezes o sono a vencia, e seus cochilos duravam pouco mais de 20 minutos. Ela mal se alimentava e seus olhos estavam fundos devido à insônia crônica que a abateu durante vários dias seguidos.

 

     Bill e Tom percebiam a sua tristeza e indisposição e pedia a ela que dormisse nem que seja um pouco. Sharon se recusava veemente e dizia que não mataria mais ninguém. Era se como ela tivesse uma espécie de maldição alojada em seu corpo. O gêmeo mais novo não iria desistir tão fácil. Ele a via se matar aos pouquinhos, se privando de tantas coisas boas como o sono e o alimento. Quando a noite foi chegando e ela sucumbiria, Bill a colocou em sua cama; sentou ao lado e a acalentou como uma criança que se recusava a dormir de qualquer maneira por que queria brincar com os coleguinhas. Resolveu fazer como a sua mãe sempre fazia quando o sono não vinha, mas ao invés de cantar aquelas doces canções de ninar, quis usar algo que ele tinha escrito especialmente pra ela. Ele queria que ela soubesse do seu sentimento de amizade, então começou:

 

“Einsam und verlor’n

Unsichtbar gebor’n

Beim ersten Schrei erfror’n

Aus der Welt verbannt

Vergessene Kinder

Name unbekannt

Endlos weggerannt

Aus der welt verbannt

Vergessene kinder”

 

      Mais alguns minutos e ela se rendera aos encantos do sono, e em pouco tempo estava quase babando no travesseiro de Bill, fazendo-o rir. Saiu do quarto e apagou a luz da vela para que dormisse o mais confortável possível.

 

Tom tinha observado pela janela, enciumado do irmão. Sabia que Bill só tinha olhos pra Allaine, mas sabia que os olhos de Sharon brilhavam pelo gêmeo mais novo. Uma imagem formou em sua cabeça: os dois, Bill e Shari se beijando. Uma raiva tomou conta do seu corpo. E assim a olhou até que o sono o venceu. Deitou em sua cama e começou a ter seus próprios sonhos, onde ele tinha a garota pela noite toda, sem se cansar.

 

Quando ele acabou de mergulhar num sono profundo, a parte mais temida da noite aconteceu. Sharon se remexia em sua cama, suava frio e seu corpo se arrepiava. Bill, que tinha ido até a cama de sua mãe para acalentá-la ficou estático na porta do quarto, vendo como ela se remexia na cama e sabia que aquilo representava apenas uma coisa:

 

     - Oh céus, está acontecendo de novo.

 

Ela balbuciava nomes enquanto se mexia:

 

     “- Corre... Bill... Ela morrerá... Não... NÃO... NÃOOO!!!”

 

O garoto não sabia o que fazer diante daquela cena. Um arrepio de pavor corria por sua espinha:

 

     - Não a deixe SOZINHA! Ela precisa tanto de VOCÊ!

 

Tom começara a acordar com tamanha gritaria, e quando viu o que estava acontecendo tratou de ficar silencioso como um rato:

 

    - Corra, corra! ALLAINE!

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     O coração de Bill parou de bater no mesmo momento. Ele correu até a casa dela sem olhar pra trás. Tom o seguiu para que ele não fizesse nenhuma bobagem. Sharon ficou deitada com uma poça de suor em seu travesseiro:

 

“- Você vai me amar pra sempre? – ela perguntava com as mãos no peito másculo do louro.

 

- Claro que vou – disse um rapaz alemão, de farda, com um cabelo bem penteado. Seu rosto me era familiar – Pra sempre!

 

- Como eu sou feliz em te ter! – ela dizia, balançando os cabelos negros no ritmo do vento – Eu te amo!

 

Era tudo o que ele queria ouvir. Em seguida sacou o revólver de seu bolso apontando para ela e em apenas um tiro, findou aquela vida pra sempre:

 

- Você sabia que judeus não podem se relacionar com alemães, não é verdade? Você infringiu uma lei. Agora agüente com as conseqüências.

 

Ele virou-se e foi saindo de casa correndo, mas não antes de jogar uma quantidade grande de gasolina em volta da casa e atear fogo. Em questão de minutos ele foi-se embora. Quando Bill chegou até a casa da sua amada, viu a sua morada pegando fogo e sentiu um cheiro de carne se espalhando pelo ar.”

 

Sharon acordou. Acordou chorando. Ela sabia que tinha feito mais uma vítima. 

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       - Não! NÃO! NÃO! – ele gritava a plenos pulmões - Allaine! Allaine! Meu amor!

 

Tom estava a alguns metros de distância, horrorizado com a cena da casa virando cinzas e seu irmão descontrolado de dor:

 

      - Eu vou matar o desgraçado que fez isso! Eu o odeio! ODEIO! Eu vou matar!

 

O irmão gêmeo tentou fazê-lo parar de gritar, mas nada adiantou. Bill estava descontrolado:

 

      - Eu não sei como ela faz isso... Eu não sei... – a sua feição de ódio gradualmente foi dando lugar às feições de tristeza e grossas lágrimas foram escorrendo de seus olhos – Eu juro que não sei...

 

      - O que foi? – perguntou Tom, preocupado – o que você não sabe?

 

      - Sharon... Ela fez uma coisa... Ela faz coisas... Ela sabe que o nosso pai morreu...

 

Tom sentiu um baque em seu peito. No fundo sabia que algo muito ruim tinha acontecido com seu pai, mas não imaginava que a morte seria a recompensa por lutar pelo que acreditava. Em segundos, seus joelhos viraram gelatina, e junto com o irmão ajoelhou-se no chão. Ambos choraram.

 

      Quando as lágrimas secaram e se tornaram escassas, voltaram para a casa. O lar onde Alleine tinha estado pro tanto tempo agora só era uma pilha de carvão. Bill não conseguira achar o corpo dela para velá-lo, isso o deixou ainda mais triste, mas agora nada podia ser feito. Vários minutos intermináveis se passaram quando finalmente conseguiram dar os primeiros passos em direção as suas casas.

O dia clareava, e os dois chegaram. Quanto a Shari, o sono a venceu de novo. Mas dessa vez ela não sonhou. Apenas dormiu, mas não tranquilamente quanto esperava.

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      - Me desculpe – disse ela quando acordou – Eu não sei o que fazer para não matar mais ninguém.

 

Tom e Bill a olhavam atentamente e por fim disseram:

 

      - Sei que não é sua culpa Sharon. Mas você tem algo de muito estranho.

 

      - Sim, eu sei. – respondeu ela entre lágrimas.

 

Todos se silenciaram. Simone estava sentada na cadeira de balanço à espera do marido. Os filhos não tiveram coragem de contar a ela o que tinha acontecido. Sharon pegou seu diário e fez o relato do sonho, não se esquecendo de escrever a data do dia do assassinato:

 

“04 de agosto de 1942”


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Notas finais do capítulo

Reviews? Eu fiquei arrepiada quando escrevi.



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