O lugar não importa muito para a narrativa. Uma escola que poderia ser localizada em qualquer cidade de um país qualquer. Bianca estava sentada no lugar de sempre, no banquinho do jardim bem oculto atrás de uma videira. Os galhos e folhas enlaçavam a grade e formavam uma parede e um teto natural, proporcionando sombra e privacidade, ficando longe dos olhares alheios.

Aquele era o cantinho secreto dela. Poucos iam para aqueles lados do pátio. Ainda assim, ela dividia o olhar aflito entre o caminho de pedras que levava até ali, impedindo que se pisasse nas plantas, e a tela do celular. Ela esperava...

... E esperou em vão.

Bianca dividia aquele canto com uma pessoa. Isadora era seu nome. Ela era de um ano à frente, mas as duas ficaram amigas e durante o último ano se aproximaram mais que o normal, a relação delas já tinha passado do estágio de amizade.

Contando o final de semana, já fazia quatro dias que não via Isadora, que também não respondia as mensagens. Inicialmente, Bianca tinha ficado com raiva, pensando que a outra estava a ignorando. Porém os dias estavam se arrastando e agora ela estava preocupada.

- Ela não vai aparecer hoje... de novo – murmurou com tristeza, estava pegando a mania de falar com o nada.

Suspirou. Sentia-se solitária sem a mais velha ali. Tentou mandar uma última mensagem, da qual não veio resposta.

O fim da aula chegou se arrastando. Cada minuto parecia durar uma eternidade, mas o sinal tocou para alegria dos estudantes que rapidamente foram até a saída. Bianca foi a única que ficou para trás. Estava arrumando os materiais dentro da mochila de forma lenta, mais que o usual. Pensava se devia ir até a casa da Isadora.

“Se está tão preocupada, devia ir”, disse Letícia, sua melhor amiga e uma das poucas que sabia do relacionamento especial das duas, “de repente aconteceu algo. Ela vai te explicar.”

Não queria ir... os pais de Isadora já tinham dito para ficar longe de sua filha: simplesmente porque se amavam. Quando ela contou que estava apaixonada por uma garota, eles não aceitaram. Não queriam que Bianca alimentasse esses sentimentos, sentimentos estes que já eram retribuídos.

Mas precisava vê-la. Precisava saber o que houve. Tomando coragem, ficou de pé, no exato instante em que a porta se fechou. Quando voltou os olhos na direção dela, foi inevitável arregalá-los. Era justamente Isadora quem vinha em sua direção. E bastou vê-la para saber que tinha algo errado. Os longos cabelos dela estavam oleosos e escorridos, as olheiras pareciam mais fundas e os olhos inchados, como reparou quando ela se acomodou na carteira a sua frente.

- O que aconteceu? – Bianca perguntou preocupada, puxando uma cadeira para se sentar perto da outra.

- Bia...

-... Por favor. Fala. ‘tô ficando aflita.

Bianca segurou as mãos da mais velha, pressionando-as e afagando com o polegar, mas ela pareceu hesitar mediante seu toque. Fez-se um silêncio que durou uma eternidade antes de Isadora se pronunciar.

- Meus pais descobriram. Eles tomaram meu celular e começaram a falar de mudar de escola. Eu decepcionei eles e agora eles querem me mandar pra um internato... E-eu tenho que me afastar de você.

Bianca arregalou os olhos, em choque. As mãos de Isadora pareceram queimar, ela precisou de esforço para continuar a mantê-las entre as suas.

- Não... não pode ser.

- Eu preciso, Bia... já traí a confiança deles uma vez...

- Mas e o que você quer? – Sentiu os olhos arderem – o que você quer fazer, Isadora?

- Eu... – abaixou a cabeça, sem coragem de fitá-la – tenho que obedecê-los. Não deu certo. Devíamos saber que não tinha futuro.

Foi como se um balde de água fria acertasse em cheio sua cabeça. Bianca sentiu vontade de chorar, mas engoliu a seco e soltou as mãos de Isadora.

- Ótimo. Você está desistindo da gente. Não por escolha minha ou sua, simplesmente porque mandaram.

Sorriu amarga. Devia saber que isso aconteceria: Isadora nunca teve pulso firme. Era covarde frente a problemas grandes, mesmo sabendo disso, Bianca sempre se esforçava para resolverem tudo juntas. Mas agora ela estava jogando tudo para o alto e abaixando a cabeça para a vontade dos pais. Podia ter certeza que ouviu algo quebrando dentro de si.

- Desculpe... – Isadora murmurou quase sem voz. – Mas essa vai ser a última vez que falamos... como namoradas. Mas podemos... ser amigas.

E ela disse. Simples assim. Bianca suspirou e se inclinou, selando os lábios nos da outra. Foi um beijo suave e amargo. Salgado como lágrimas.

- A última vez... – murmurou ao se afastar. - Tudo bem. Acho que é isso então.

Bianca apertou os dentes com força, ficando de pé de súbito. Virou de costas e pegou a mochila, pendurando-a no ombro, no que fez a outra se levantar também.

- Bianca... eu não me arrependo de nada.

Ela apressou-se em dizer com o tom rouco e sério, fitando as costas da mais nova.

- Uma pena que não seja o suficiente... eu realmente te amo, Isadora.

Bianca soltou um murmúrio, quase sem querer, como o sopro de uma brisa. Sentindo as lágrimas quentes se acumulando e embaçando sua visão, saiu apressada até a porta da sala, deixando Isadora atônita para trás.

-... Bianca! – chamou.

Bianca bateu a porta como se para silenciar seu coração. Não ouviu o que Isadora tinha a dizer. Com o auto-controle agora de lado, deixou o choro correr livre pela face enquanto mantinha os passos velozes. Algum lugar dentro de si tinha esperança que Isadora viesse atrás, a abraçasse e dissesse que estava sendo estúpida. Que, como sempre, resolveriam aquilo juntas.

Mas isso nunca aconteceu.