A Espiã escrita por MandyCillo


Capítulo 5
Capítulo V


Notas iniciais do capítulo

Dedico esse capítulo a minha adorada mãe, pois ela é uma leitora voraz e me ajudou com várias ideias para este capítulo, além é claro, do pai Google. Ahhh se não fosse ele!

Espero que gostem!



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O sol brilhava naquela manhã de sexta-feira, quando o táxi parou diante da Galeria Sotheby's, onde seria realizado o leilão. Por um instante, Molly sentiu um friozinho no estômago, como sempre acontecia antes de entrar no palco. Um homem uniformizado veio lhe abrir a porta do automóvel e ela procurou se acalmar ao máximo, percebendo que a cena ia começar. Respirou profundamente e mergulhou na criação de seu mais novo personagem: a colecionadora de joias. Para aquela ocasião havia escolhido uma blusa de seda preta com apliques de renda no pescoço, que fazia um contraste muito elegante com o tailleurbranco de corte severo. Usava sapatos de verniz com saltos muito altos e seus cabelos estavam presos num coque. Havia colocado também algumas joias feitas em azeviche negro que chamavam bastante a atenção, graças aos entalhes exóticos e ao acabamento delicado. Com isso criava todo um clima de descontração e simplicidade e ao mesmo tempo, extremamente elegante.

O porteiro se apressou a lhe dar passagem e ela entrou calmamente, indo até o salão onde as peças de prata estavam expostas, satisfeita ao perceber que as outras pessoas começavam a observá-la. Isso era um bom sinal. Sherlock Holmes já tinha chegado. Sabia disso porque Charles havia investigado todos os passos dele, comunicando-lhe a hora que estaria no leilão.

Muitas pessoas já examinavam os objetos, rostos e vozes se espalhando no grande espaço ocupado pelas vitrines de cristal. Depois de se concentrar um pouco, ela conseguiu distinguir a voz profunda de Holmes e caminhou tranquilamente na direção dele. Pretendia encontrá-lo mais ou menos no meio do salão.

Depois de alguns minutos, um funcionário da galeria veio perguntar se ela estava interessada em alguma coisa. Molly sorriu encantada e com esse gesto conseguiu cativá-lo. Falou sobre seu interesse por joias antigas e o rapaz se colocou imediatamente à total disposição dela. Depois de percorrerem juntos algumas vitrines, comentando sobre as peças expostas, ficaram observando um bracelete largo, cheio de entalhes. O fecho tinha a forma de duas espadas.

— Muito interessante! — falou Molly. — Posso ver de perto? - O funcionário destrancou a vitrine e retirou a pulseira do estojo forrado de veludo azul. Pelo canto dos olhos, ela pôde notar que Sherlock estava parado a poucos metros, examinando um cálice de prata e conversando com um funcionário mais idoso.

— De quando é? — perguntou Molly quando pegou a joia, falando um pouco mais alto.

— Do final do século XV. É italiano, parece que foi feito especialmente para Simonetta Vespúcio.

— Muito lindo. Tem certeza de que é autêntico? — perguntou, em um tom de dúvida. — Uma vez encontrei um parecido como este e não passava de uma reprodução vitoriana.

Funcionou como mágica! Vendo que ela continuava em dúvida mesmo depois de ter recebido garantias quanto à autenticidade do bracelete, o rapaz se dirigiu ao colega mais velho, que conversava com Holmes, pedindo uma explicação mais detalhada.

Molly casualmente se virou ao mesmo tempo em que ele e deu com os olhos azuis do homem que viera procurar. Sem nem mesmo piscar, voltou a prestar atenção ao funcionário, que murmurou uma desculpa para o cliente, pegando o bracelete de volta.

— Pode ver que é mesmo do século XV. Tenho certeza por causa dos grifos, o modo como estão entalhados nas bordas. — Apontou para mais alguns detalhes e depois se virou. — Não concorda comigo, Holmes? — Passou a joia para ele e explicou — O Sr. Holmes é um especialista em prata antiga.

Sherlock examinou o bracelete e depois o devolveu.

— Sim, é genuíno. Está interessada em comprá-lo? — perguntou a Molly.

Ela conteve a alegria de ver o plano começando a funcionar e respondeu:

— Talvez. Seria muito mais interessante se eu pudesse ter certeza de que esse bracelete pertenceu mesmo a Simonetta Vespúcio.

— Ah, infelizmente não dá para garantir isso — comentou o funcionário mais velho, guardando a joia na vitrine.

— Que pena!

— Mas talvez seja divertido tentar provar que a pulseira pertenceu a ela — disse Sherlock.

Molly permitiu que um brilho de entusiasmo lhe iluminasse o rosto e sorriu enquanto concordava— Oh, sim deve ser mesmo.

Percebendo que aqueles olhos azuis a estudavam, ela se virou para examinar outra vitrine. Então Sherlock fez um sinal discreto para que os funcionários se afastassem.

— Está interessada em joias antigas, senhorita…

— Hooper. Sim, como estava dizendo ao seu colega, coleciono joias não só de prata. O importante é que tenham uma história interessante. — Mostrou o pulso. — Estas aqui, por exemplo, foram feitas para a rainha Vitória logo depois que o príncipe Alberto morreu.

Segurando a mão dela para examinar as pulseiras o homem aproveitou para observá-la melhor, os olhos percorrendo vagarosamente o corpo de Molly até se fixarem no colar que ela usava.

— Lindas joias! — ele comentou. Com o coração batendo mais depressa ela puxou a mão.

— O senhor também é perito em joias, senhor…? Desculpe, mas esqueci do seu nome — falou com um leve sorriso.

— Sherlock Holmes. E acho que está acontecendo um engano. Não trabalho aqui, sou cliente.

— Oh, mas pensei… — Parecendo meio sem graça, continuou — Sinto muito, pensei que fosse um dos leiloeiros.

— Não faz mal. Mas a senhorita estava me falando sobre a sua coleção.

Como a “coleção” dela era formada apenas pelas joias que estava usando, alugadas no dia anterior, ela se apressou em falar:

— Na verdade, ainda é muito pequena. Comecei há pouco tempo. — Depois fez um leve gesto de indiferença. — Mas, por favor não se prenda por minha causa. Imagino que queira olhar outras peças antes de o leilão começar.

Ignorando aquela atitude fria, Sherlock continuou:

— Já vi tudo o que queria. Está mesmo interessada no bracelete?

— Sim, acho que sim.

— Então é melhor irmos para os nossos lugares. Vai começar daqui a pouco.

Molly fingiu hesitar.

— Obrigada Sr. Holmes, mas, na verdade, eu mal o conheço, e…

— Posso assegurar que sou muito respeitável, Srta Hooper. — Ele sorriu. — O leiloeiro não lhe garantiu a minha “autenticidade”?

— Ele disse que o senhor é especialista em prataria. — e continuou, em tom seco. — Isso não o torna necessariamente uma espécie de “prata da casa”.

O sorriso se acentuou.

— Bem, eu também não a conheço, mas estou disposto a arriscar. Gosto de gente com senso de humor.

Molly tinha vontade de cair na gargalhada. Se ele soubesse o quanto estava se arriscando! Mas deu apenas um sorriso frio e se dirigiu ao salão. Sherlock possuía um lugar reservado com o seu nome, na primeira fila. Uma poltrona vaga ao lado dele mostrava que o funcionário se havia antecipado ao vê-lo conversando com uma mulher.

— O senhor coleciona qualquer tipo de prataria? — ela perguntou, quando se sentaram. — Ou tem alguma preferência?

Ele começou a descrever sua coleção, contando que havia começado com algumas peças recebidas de herança. Na época era apenas um menino, mas isso o entusiasmou a se aprofundar mais no assunto. Falou com conhecimento, muito descontraído, conseguindo captar inteiramente a atenção de Molly. Com algum pesar, ela notou que Sherlock não gesticulava muito. As mãos esclarecem bastante sobre a personalidade de uma pessoa. Ciente disso, ela manteve seus dedos cruzados sobre o colo, procurando agir diplomaticamente.

O leilão começou e Molly pôde afastar os olhos daquele homem, sentindo certo alívio ao fazer isso. Ele tinha o hábito de estudar as pessoas com quem conversava o que chegava a ser desconcertante. Mas ela permaneceu atenta àquela presença ao seu lado, aos ombros largos, à força que emanava daquele corpo másculo.

Charles tinha feito uma descrição detalhada do que aconteceria na Sotheby's para que ela não se confundisse. E também havia visto as peças expostas, autorizando-a a comprar o bracelete. O preço não importava.

— Lembre-se que você é uma mulher rica. Pode comprar o que quer! — Foram as palavras de Charles.

Mesmo assim, como era o primeiro leilão a que comparecia, Molly estranhou ouvir pouquíssimos lances em voz alta, a maioria das pessoas se limitando a fazer sinais com a mão quando se interessava por alguma coisa.

O cálice de prata foi apresentado e Sherlock fazia gestos quase imperceptíveis, para demonstrar a quantia de suas ofertas até arrematá-lo por catorze mil libras.

— Holmes! — O leiloeiro anunciou discretamente e a peça foi levada embora.

Ele fez mais duas compras antes que o bracelete italiano fosse trazido. Houve uma rápida explicação sobre a joia, que atraiu vários lances depois de dado o preço inicial, mas as desistências começaram quando a pulseira atingiu o valor de mil e quinhentas libras. Sobraram só uns poucos competidores, que iam cobrindo as ofertas de Molly. Ela levantava discretamente a mão a cada lance, tranquila por saber que Charles cobriria qualquer despesa. Assim descobriu que era divertido participar de um leilão, principalmente quando o dinheiro era de outra pessoa! Seus concorrentes continuaram por algum tempo até que ela finalmente arrematou o bracelete por três mil libras. Sherlock acompanhou Molly até o caixa, onde eram feitos os pagamentos. O rosto dela estava um pouco corado e seus olhos brilhavam de excitação.

— Estou tão contente.

— É possível conseguir tudo, quando se está disposto a pagar — disse Sherlock, com frieza.

— Acha que paguei muito caro pela pulseira?

— Depende do quanto você queria essa joia. - Ela ergueu os olhos e fez um leve beicinho.

— Ah, eu queria muito!

— E a senhorita sempre consegue o que quer? — ele perguntou, com certo cinismo.

Molly quase disse sim, mas mudou de ideia e caiu na risada.

— Claro que não. O senhor está enganado, sabe? O dinheiro não pode comprar tudo.

Ela se virou para o balcão, gratificada pelo brilho de interesse que pôde reparar nos olhos de Sherlock. Fez o cheque e preencheu um formulário com seus dados pessoais.

— Agora posso levar o bracelete, não? — perguntou ao funcionário. — Gostaria de usar na ópera, hoje à noite.

— Naturalmente, senhorita. Vou mandar embrulhá-lo, espere um pouco, por favor.

Esse era um modo educado de dizer que primeiro seria preciso verificar se o cheque tinha fundos. Mas certamente não haveria problemas. Nesse meio tempo, viu Sherlock assinando outro tipo de formulário, reservado aos clientes habituais da casa.

Alguns instantes depois, ela recebeu um embrulho e o guardou na bolsa.

Sherlock acompanhou Molly até a calçada, conduzindo-a levemente pelo braço.

— Que tal continuar a conversa sobre coleções durante o almoço? - Ela procurou se livrar daquele toque, fazendo sinal para um táxi que estava passando.

— Sinto muito, tenho um compromisso. Muito obrigada pela ajuda, Sr. Holmes. Até logo. — Despediu-se com um ligeiro cumprimento e entrou no carro, tomando o cuidado de fechar a porta antes de dar seu endereço ao motorista.

Recostou-se no banco satisfeita: o peixe havia mordido a isca e tudo indicava que iria querer mais. Sabia que Charles desaprovaria a atitude de ter recusado o convite para almoçar, por mais sutil que fosse essa tática. Mas não deixaria de confiar em sua intuição e esta indicava que o sucesso seria completo se Molly se fizesse de difícil. Iria se revelando aos poucos àquele homem de olhos azuis, até fechar o cerco por completo. Portanto fazia parte do jogo não aceitar o primeiro encontro. Os lances maiores ainda estavam por vir.

Assim que chegou foi correndo guardar no cofre do apartamento o bracelete italiano e as joias que usava. Só então conseguiu relaxar. Por sorte só voltaria a entrar em ação à noite, para ir à ópera e até lá estaria bem descansada.

Ficou imaginando se Sherlock também iria à apresentação de Don Giovanni. Durante o leilão ela havia citado onde pretendia usar a joia que estava adquirindo e em Londres esse era o único espetáculo lírico em cartaz. Portanto não seria difícil para aquele homem revê-la. Se isso acontecesse, estaria confirmado o interesse dele.


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Notas finais do capítulo

E ai gente? O encontro deles não foi assim uma Brastemp, mas melhora viu? ;)



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