A Espiã escrita por MandyCillo


Capítulo 15
Capítulo XV




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Naquela noite, Molly escolheu um vestido escuro, que parecia combinar com seu estado de espírito. Sherlock chegou na hora combinada e ao abrir a porta, ela não pôde deixar de pensar que qualquer mulher ficaria orgulhosa em tê-lo como marido. Tinha vontade de gritar, porque se sentia presa numa armadilha, bloqueada entre as ambições de dois homens, um querendo possuí-la, outro usá-la. Reprimindo a vontade de contar tudo para se livrar definitivamente daquele martírio, ela conseguiu forçar um sorriso, aceitando o carinhoso beijo de cumprimento e os elogios à roupa que usava.

— Você é sempre linda, não importa a cor do vestido. Mas já percebi que nunca usa amarelo.

— É que essa cor dá azar.

— Não pensei que fosse supersticiosa.

— Você fala assim porque ainda não me conhece bem. — Ela procurava manter um tom alegre e natural.

— Não? — Sherlock apoiou as mãos nos ombros dela e fitou-a diretamente nos olhos. — E o que mais preciso saber sobre você?

Ela o encarou, sentindo a força e o calor daquelas mãos carinhosas, e isso lhe despertou um desejo intenso de contar tudo a ele. Precisava avisá-lo de que deveria desistir do golpe envolvendo as empresas, antes que fosse criado um verdadeiro escândalo. Mas esses pensamentos lhe trouxeram a imagem da falecida Sarah Magnussen e Molly estremeceu.

— Será que a morte passou de novo por aqui? — ele perguntou, com um sorriso.

— Sim, e desta vez eu sei quem foi a vítima. — A resposta pareceu deixá-lo surpreso. Ela, porém, agora perfeitamente controlada, riu e acrescentou: — Estamos tão sérios esta noite! O que quer tomar? Gim-tônica, como sempre?

— Daqui a pouco. Primeiro quero lhe dar isto. — Tirou uma caixa do bolso e a colocou nas mãos dela. — Um presente de noivado.

— Mas, Sherlock, eu ainda não…

— Abra.

Ela obedeceu e quase caiu de costas ao ver o colar de Sarah Bernhardt repousando sobre o forro de veludo, o ouro e as pedras preciosas brilhando com grande intensidade.

— Sherlock, eu não posso ficar com isto! — Tentou devolver o presente, mas ele apenas riu. — Por favor, não posso! Você não deve… não tenho o direito de usar isto.

— Por que não?

Mais uma vez ela estava a ponto de contar a verdade, mas sentia um medo terrível da reação de Sherlock. Simplesmente respondeu:

— Porque ainda não estamos oficialmente noivos.

— Mas isso é só um detalhe, de qualquer maneira você pode usar o colar. Deve ficar ótimo com esse vestido.

— Não entendi como ele foi parar em suas mãos.

— Deixei um funcionário da galeria encarregado de ir cobrindo os lances no instante em que você desistisse. Quis fazer uma surpresa. Vamos, eu gostaria muito que você aceitasse o meu presente.

Delicadamente, Sherlock tirou a gargantilha de pérolas que ela estava usando e lhe pôs o colar no pescoço. Depois a levou para perto do espelho e ficou atrás dela, segurando-lhe a cintura. A joia acentuava sua beleza, o colar delicado contrastava com a pele clara e ao mesmo tempo dava destaque aos cabelos avermelhados de Molly.

— Você é linda! — Seus olhares se encontraram no cristal do espelho. — Quero você… mais do que a qualquer outra mulher no mundo. — Inclinando-se, beijou-a no pescoço.

Ela fechou os olhos e jogou a cabeça para trás, deliciada com a suavidade daqueles lábios contra a sua pele.

Aos poucos, ele foi subindo as mãos para lhe acariciar os seios, um toque envolvente, que lhe despertava os sentidos.

— Diga sim, Molly — ele murmurou entre muitos beijos. — Diga que quer ser minha esposa.

Abrindo os olhos, ela se virou vagarosamente para encará-lo.

— Por que quer casar comigo, Sherlock? — perguntou, procurando mostrar segurança na voz.

Ele franziu a testa.

— Acho que nem preciso dizer.

— Mas é claro que precisa me dizer.

Meio relutante, como se não visse muito sentido nesse tipo de explicação, ele disse:

— Porque eu amo você, claro.

Molly esperava ver a expressão do rosto dele se suavizar, mas não foi o que aconteceu. Ficou ainda mais tenso como se fosse uma tarefa sobre-humana falar sobre seus sentimentos.

Ela o encarou, surpresa. Então custava tanto assim admitir que estivesse apaixonado? Parecia estranho que um homem tão autoconfiante ficasse perdido diante das próprias emoções.

— Está bem, Sherlock. Eu me caso com você — falou, num tom distante.

Ao ouvir isso, Sherlock a beijou apaixonadamente e depois a pegou no colo, fazendo-a rodopiar.

— Agora temos muito que comemorar. E se fôssemos a uma boate? Quero dançar com você, bem juntinho, mostrar ao mundo como estou feliz!

Durante o jantar, a conversa girou em torno dos planos que ele tinha para o futuro. Falou da mansão em Kent, logo estaria tudo acertado e poderiam mudar para lá em poucas semanas. Quanto à viagem de núpcias, surgiram as propostas mais variadas.

Molly tentou levar aquilo na brincadeira, rindo e dizendo ainda que era cedo demais, afinal tinham acabado de ficar noivos. No fundo procurava ganhar tempo com essas desculpas. Mas quando foram dançar, ela se aninhou nos braços de Sherlock. Deixou-se envolver pela música, e por alguns instantes fingiu que aquela situação era verdadeira, que de fato formavam um casal apaixonado, e sentiu-se estranhamente ansiosa para ver chegar o dia de serem declarados marido e mulher. E então, finalmente, descobriu que a realização desse sonho era o que mais desejava na vida. Mas não havia chance de esse projeto se transformar em realidade, precisava ficar claro de uma vez por todas que estava participando de uma encenação. A música terminou, e Sherlock se afastou com alguma relutância. Depois perguntou surpreso, ao ver as lágrimas nos olhos dela.

— O que aconteceu?

— Não é nada. Acho que estou muito feliz…

— Oh Molly! — Ele a abraçou ternamente.

Quando voltaram para a mesa, procurou fazer com que ela se animasse, contando histórias engraçadas e lhe servindo mais champanhe. Mas às vezes, Molly surpreendia algo de incompreensível no olhar dele. Era como se houvesse sombras atrás daquela fachada alegre, como se Sherlock na verdade sentisse uma grande preocupação. Nervosa, ela pensou que talvez estivesse arrependido por comprometer sua liberdade com o pedido de casamento. Mas ele continuou agindo como sempre. Um homem profundamente apaixonado e possessivo, fitando-a com olhos brilhantes e fazendo questão de deixar claro para todo mundo que Molly lhe pertencia.

Saíram da boate bem depois da meia-noite, e as ruas estavam desertas. Quando chegaram, ela tirou o casaco de peles e sem acender as luzes foi abrir as portas de vidro que davam para o terraço. Havia chovido bastante, mas agora o ar estava quente e do jardim vinha um leve aroma de grama molhada.

Sherlock se aproximou por trás dela e ficaram juntinhos por alguns instantes, admirando as luzes da cidade. Depois, de mãos dadas, voltaram para a sala onde a luz existente eram alguns reflexos do luar. Ele começou a beijá-la, e a intensidade de seu desejo fazia Molly esquecer o personagem racional que estava representando. Correspondendo ao gesto como a mulher apaixonada que era na realidade. Pressionava o corpo contra o dele, querendo prolongar o prazer daquele contato. Suspirou excitada quando Sherlock lhe soltou os cabelos, brincando com as mechas e cobrindo-a de beijos. Depois, abrindo o vestido de Molly, ele passou a lhe acariciar os seios, passava a língua levemente pelos mamilos, fazendo-a gemer deliciada com aquela explosão de sensualidade. Sua vontade de resistir àquele homem parecia ter se evaporado.

Sherlock se inclinou, decidido a pegá-la no colo e levá-la para o quarto. Mas nesse instante, a manga da camisa dele ficou presa no colar em forma de serpente. Resmungou alguma coisa e tentou puxar o braço, mas teve que usar a outra mão para desprender a joia do tecido. Levou pouquíssimo tempo, mas foi o suficiente para Molly recobrar algum equilíbrio interior. Quando ele fez menção de tocá-la novamente, foi impedido por um gesto brusco. Muito trêmula, ela falou:

— Ei, você disse que não queria estragar as coisas entre a gente.

— Estamos noivos. O que poderíamos estragar agora? — Ela soltou uma risadinha nervosa.

— Talvez você me ache tola e antiquada, mas… bem… agora sou eu quem quer esperar, Sherlock. Até estarmos casados ou, pelo menos, mais perto do casamento. Até lá… bem, é que eu me vou sentir mais à vontade, sem sentimentos de culpa… — Abaixou o olhar timidamente, desejando que ele aceitasse essas objeções. De repente Molly tomou consciência de que seus seios estavam expostos e procurou escondê-los.

No mesmo instante Sherlock deu um passo à frente, e forçou os braços dela para baixo.

— Não precisa se cobrir na minha frente — ele disse, voltando a beijar-lhe os seios, com uma sensualidade ainda maior.

Ela tentava desesperadamente lutar contra os próprios desejos. Por fim, Sherlock falou:

— Não há nada de errado em ficarmos juntos, Molly. — Soltando as mãos dela com um gesto delicado, ele acrescentou: — Desejo muito você querida, mas se quer esperar… A decisão é sua.

— Obrigada. Também quero você, muito! — Essa frase a deixou perturbada, já que era a única verdade que havia dito a ele.

Mas ele já se preparava para sair e Molly o acompanhou até a porta.

— Telefono amanhã. Vamos nos encontrar para o almoço.

— Está bem. — Ela lhe passou os braços pelo pescoço. Agora que estava segura podia se dar ao luxo de ceder alguns carinhos. — Sherlock, você não está zangado comigo, não é? É que há algo muito especial entre nós… e quero que o nosso casamento seja perfeito!

— Claro, eu compreendo. E juro que não estou zangado. — Deu uma risadinha. — Só fico frustrado. E vou precisar de muitos banhos gelados até o dia do nosso casamento!

— Seu bobo! — Molly riu com ele e depois se levantou na ponta dos pés para beijá-lo suavemente na boca. — Boa noite, Sherlock.

— Boa noite.

Ao contrário de uma resposta ardente, Sherlock apenas se deixou beijar, sem esboçar qualquer emoção. Saiu sem dizer mais nada, deixando-a um pouco inquieta.

Depois de fechar a porta, ela soltou um suspiro de alívio. Tinha chegado perto demais. Estremeceu sentindo um frio lhe percorrer a espinha. Meio perdida, decidiu tomar um banho bem quente para relaxar. Ao sair, se enrolou numa toalha e se atirou na cama. Era estranho, não estava cansada, uma estranha letargia lhe dominava o corpo. Gostaria de poder mergulhar num sono profundo e só acordar muito tempo depois, transformada numa outra pessoa.

–--

O toque insistente do telefone foi acordá-la algumas horas mais tarde. Estendeu a mão e pegou o aparelho, ainda meio sonolenta.

— Alô — resmungou.

— Parece que você ainda está dormindo. — Sherlock parecia muito alegre.

— E estou. — Ele riu.

— Sabe que horas são?

— Não, mas aposto que você vai me dizer.

— São onze e meia da manhã! Como é, vai se levantar ou tenho que ir até aí para arrancar você da cama?

— Oh, Sherlock, como você pode estar tão animado depois da noite passada?

O tom de voz dele mudou, ficando mais terno.

— Talvez porque ela tenha sido a noite mais maravilhosa da minha vida… e será até o dia do nosso casamento.

“O que ele está querendo dizer com isso”? Ela pensou. Talvez o dia do casamento fosse da mulher, a noite pertencesse ao homem…

— Quer vir se encontrar comigo no escritório? Posso mandar o motorista apanhar você dentro de uma hora.

— Está bem.

Molly se levantou. Ainda estava nua e se olhou no espelho com um ar crítico enquanto ia para o banheiro. Sempre tinha sido magra, mas a tensão das últimas semanas lhe dava um aspecto muito abatido, estava com olheiras e as faces encovadas.

Fez o melhor possível para esconder seu esgotamento, escolhendo uma maquiagem em tons mais fortes e um vestido, bem descontraído.

Depois colocou óculos escuros, pegou sua bolsa e desceu para encontrar o motorista, que já estava esperando na porta do prédio.

Quando chegaram ao centro financeiro da cidade, pediu ao motorista para avisar Sherlock que iria esperá-lo no carro. Sabia que deveria aproveitar essa oportunidade para entrar novamente na sala dele e tentar pegar a pasta com os papéis sobre a fusão das companhias, mas não se sentia em condições naquele momento.

Estava disposta a cumprir o trato com Charles Magnussen, fazendo jus ao dinheiro que ele lhe pagava, mas esperaria outra ocasião, quando estivesse mais calma. Franziu a testa ao pensar em Charles. Ele tinha agido de um modo estranho no último encontro, chegando mesmo a parecer quase ameaçador… mas talvez essa atitude pudesse ser atribuída à dor pela morte da filha.

A chegada de Sherlock interrompeu esses pensamentos. Ele entrou no carro, sentou-se ao lado dela e depois se inclinou para beijá-la.

— Por que não quis subir até o meu escritório?

— Fico um pouco assustada quando vou até lá. Todos me olham como se eu fosse uma pessoa estranha.

— Estão só interessados — ele disse depois de uma risada. — E loucos para conhecer a mulher que conseguiu fazer o chefe cair de joelhos.

— Não estou vendo ninguém ajoelhado — ela brincou.

— Ah, mas eu estou aos seus pés em espírito. — Pegando as mãos dela, perguntou: — Por que está com esses óculos escuros? Tire isso para eu poder beijar você.

— Então, vou ter que ficar com eles — falou, sorrindo. — Você precisa aprender a se comportar em público.

— Só em público?

— Em particular, também. Só por algum tempo.

— Eu estava só brincando. Promessa é promessa.

Depois do almoço, foram a um joalheiro e Molly quase perdeu a respiração ao ver as pedras preciosas que seriam usadas para compor seu anel de noivado. Havia diamantes de todos os formatos, que mais pareciam estrelas. Rubis e esmeraldas, topázios e safiras brilhavam intensamente, como se tivessem vida própria. Cheia de culpa pelo seu fingimento, ela sentiu-se incapaz de fazer uma escolha e se virou para Sherlock com uma expressão de súplica. Foram separados algumas pedras e desenhos, e ela finalmente se decidiu por um anel de safira com dois aglomerados de diamantes, um modelo incomum e encantador, que ficaria pronto em poucos dias. Quando saíram da loja, Sherlock disse:

— De início, pensei em lhe comprar um anel antigo, mas depois achei melhor que fosse algo completamente novo, teria um significado especial para você.

— Oh, Sherlock! — Ela se virou para ele, sentindo que não podia mais continuar com aquela farsa, pronta a lhe contar toda a verdade. Mas ele a olhava tão atento que Molly não conseguiu falar. Tentou imaginar o que aconteceria se dissesse tudo ali, na rua, logo depois de terem escolhido um anel de noivado, e a coragem dela se evaporou.

— Sim? O que foi?

— Nada…

Ele soltou um risinho, meio tenso, mas logo mudou de expressão.

— Venha, vamos dar um passeio no parque.

O dia estava claro e ensolarado e eles começaram a cruzar os gramados, onde vários casais de namorados também passeavam abraçados, beijando-se tranquilamente.

Molly balançou a cabeça tristemente, lembrando o tempo em que ela também havia sido assim, capaz de demonstrar seus sentimentos sem qualquer culpa, aproveitando uma deliciosa tarde de primavera. Agora só experimentava um profundo cansaço e sentia-se muito desgastada. Nunca um papel lhe havia exigido tanto esforço.


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