Te amar não estava nos meus planos escrita por Ana Bobbio


Capítulo 30
Margareth Johnson.




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Apenas ri, com o intuito de fingir que sua piada havia sido engraçada.

Eduardo, porém, permaneceu sério. Fitando-me assustado, e confuso. Minhas risadas totalmente fingidas e inexpressivas calaram-se imediatamente. Uma lágrima escorreu pelo meu rosto, e a incompreensão me dominou por completo.

— Você... Não faz sentido você saber disso... Eu não te conhecia naquela época, e você não estudava conosco. Essa lembrança faz parte de um passado que eu enterrei junto com Margareth. — Eduardo disse. Imediatamente, me aninhei em seus braços protetores e pedi que ele esquecesse isso. Porque realmente não fazia sentido, não tinha fundamento.

— Sabe o que eu acho? — Ri, tentando parecer verdadeira. — Que esse delírio foi tudo culpa do hospital, não suporto ficar num ambiente que me lembra de remédio e doença. — Disse, querendo por um ponto final nas dúvidas e nas suposições que vagavam em minha mente materializando situações impossíveis.

É claro que havia sido um delírio, talvez eu e ele estivéssemos tão conectados que meu pequeno afastamento da consciência resultou em um sonho parecido com alguma coisa que aconteceu com ele. Apenas uma infeliz coincidência, que, pra todas as hipóteses, não passaria de algo irreal e fantasioso. Algo que já passou; algo que está enterrado.

Aproveitei o pouco tempo que tínhamos para aproveitar melhor o momento que tínhamos a sós, onde ninguém estava por perto vigiando ou se intrometendo. Onde ninguém pegava um pouco de sua atenção, portanto, ela estava sendo destinada toda a mim. Sentia-me uma mesquinha e uma egoísta por pensar assim, mas nada eu podia fazer senão me convencer que meu estado de dependência estava ficando preocupante.

Pus meus pés sobre suas pernas e fiquei mexendo no fio solto do lençol enquanto ele brincava com os fios rebeldes do meu cabelo. Que eram quase todos, pra ser sincera. Estávamos em silêncio, e eu sabia o que talvez ele estivesse pensando: Na minha volta para casa.

Afinal, eu já estava ali fazia bastante tempo. Embora eu quisesse desesperadamente rever minha família, meus pais, meus amigos, algo me prendia aqui. E, pra ser sincera, não é necessário possuir poderes mágicos e nem ser tão inteligente para saber o que me prendia. Ou pra ser mais específica, quem.

— Promete que você não vai se esquecer de mim lá? — Eduardo perguntou com a cabeça deitada no meu ombro, suspirando contra meu pescoço. Esquivei-me um pouco dele, sabendo que se ele continuasse a agir assim, eu iria acabar me mudando para a casa dos meus tios.

— Cla-claro. — Murmurei a primeira coisa que veio na minha cabeça, sentindo seus dedos deslizarem pelo meu braço, causando-me formigamentos.

— Promete que, quando chegar, ligará para mim e ficaremos conversando por todo o tempo? — Pediu, virei na cama ficando com o rosto perto do dele. Seus olhos estavam abertos já, e me miravam expressivamente.

— Não sei. Não posso deixar você se enjoar de mim. — Brinquei, mesmo tendo um pingo de verdade. Mas não queria que ele soubesse das minhas inseguranças que insistiam em despertar. Apesar de seus traços já estarem gravados em minha memória, sempre dava um jeito de reparar neles novamente, como se, caso houvesse alguma alteração, por menor que fosse, imediatamente eu me atualizaria.

— Não existe nenhuma possibilidade de eu enjoar de você, garota. Muito pelo contrário. — Eduardo sussurrou com a voz meio rouca, fazendo arrepios percorrerem cada centímetro do meu corpo. — Agora, que tal você me beijar? Dar um pouco de atenção para o seu namorado carente aqui? — Ele me persuadiu não só com a sua voz, mas também com seus olhos e sua expressão. Como dizer não quando tudo o que você precisa está bem na sua frente?

Minha nossa, minha situação é pior do que eu imaginava! Pensei, balançando a cabeça negativamente. Mesmo que minha intenção fosse negar, eu fracassaria a cada tentativa. Por isso, não perdi tempo e sorri.

— Minha nossa, como eu sou má com o meu namorado! Não o beijo há muito tempo, há exatamente... 15 minutos. — Brinco, rindo logo em seguida. Suas risadas acompanharam a minha.

— Um segundo sem seus lábios é a eternidade para mim. — Diz de forma tão sincera, tão encantadora, que é quase impossível resistir à tentação de me render e fazer o que ele pedir. Tudo o que faço é aproveitar nosso momento juntos e os bombardeios de amor que seus novos e perfeitos beijos, carinhos e sorrisos me trazem. Já sentindo falta disso tudo.

(...)

Quando pensei que me despedir de Eduardo seria difícil, não imaginei que fosse tanto assim. Vê-lo longe de mim, e ao mesmo tempo, sabendo que não seriam apenas alguns metros que nos manteria afastados, mas sim o oceano, fez meu coração se apertar. Despedi-me de Alicia tanto não havia sido a coisa mais fácil do mundo, ela chorou em meus braços e eu sabia que só pararia se eu ficasse. Mas, infelizmente, não era possível.

Uma vida me esperava no Brasil, amigos, meus pais, e a escola. O problema disso tudo era que eu ainda não estava preparada para voltar. Talvez porque me afastar de Eduardo era uma tortura sem tamanho. Naquele momento, senti-me uma criança no seu primeiro dia de aula. Sentindo tudo o que normalmente ela sente: o medo repentino e a saudade eminente dos pais. Só que no meu caso, a saudade que abastecia meus olhos de lágrimas era da Alicia e do Eduardo. Meus tios também estavam incluídos, claro. Mas, apeguei-me muito rápido à Lili. E, bom, Eduardo era Eduardo. O garoto que me salvou várias vezes que não consigo nem contar mais nos dedos.

Salvou-me de um afogamento, colocando sua própria vida em risco por mim.

Salvou-me de mim mesma, quando eu era uma ingênua e ignorante garota que suspirava por alguém que, na verdade, não passava de uma falsa fantasia.

Salvou-me quando entrou na minha vida. Fazendo um reboliço nela.

Salvou-me na rua, em plena manhã, quando eu pensava que era o pior dia da minha vida.

Nem sequer imaginando que, sem dúvidas, aquele era um dos melhores dias da minha vida. Senão o melhor.

Queria chorar, queria debruçar-me em lágrimas, jogar minha mala longe e voltar para eles. Porém, não podia. Então eu entrei no avião, e tudo o que eu fiz foi acenar para eles. Desejando que ficassem bem, e que a saudade não fosse tão cruel comigo.

O voo durou algumas horas, possibilitando que eu me preparasse para quando eu ver de novo todos. Mas não consegui, porque só conseguia pensar como seria esse tempo sem Eduardo. Quando cheguei, depois de realizar todos os processos necessários para que eu pudesse finalmente dar adeus àquele aeroporto, senti os braços dos meus pais me envolverem. Como eu sentia falta deles, meu coração estava tão agitado e alegre por revê-los que esqueci até um pouco tudo o que diz respeito a Londres.

Quando finalmente meus pais me soltaram, pude abraçar bem apertado meus amigos.

— Então, Tônia, da próxima vez você me chama para ir com você! Porque, pra ser sincera, não aguentarei ficar mais tanto tempo sem você. — Bianca ao mesmo tempo em que estava me dando as boas-vindas, brigava comigo. Agindo como sempre fez, como uma irmã mais velha e melhor amiga. Puxei-a com mais força contra mim, sentindo o cheiro de xampu barato exalar em seu cabelo. Até disso eu senti falta, como é possível? Sempre odiei esse cheiro, e agora, estou quase arrancando os fios de seu cabelo.

— Então terei que ir também com vocês, sabe como é, né? Não posso deixar a minha mulher ir sozinha. — Gabriel falou brincando, olhei firme para ele, sabendo que não era só por isso que iria.

— Sei que morreu de saudades, e iria só pra não ficar mais um segundo sem mim. — Comentei, beijando o meu ombro como se estivesse me achando. Tudo o que fizeram foi rir de mim e me abraçaram de novo. Agarrando-me tanto que fiquei sem ar.

— E que história é essa de minha mulher? — Perguntei enquanto nos aproximávamos do carro, depois que meu pai colocou as minhas bagagens no porta-malas. Entramos no automóvel do meu pai, de cor prata, e Bianca me mostrou o anel em seu dedo, mostrando que eles estavam oficialmente juntos. É claro que não havia notícia melhor do que essa. Eu fiquei tão feliz pela minha amiga. Ela merecia isso mais do que ninguém, uma alegria espontânea surgiu e se espalhou dentro de mim, ao ver os olhos dela brilharem com tanta intensidade que cheguei a me perguntar se jogaram purpurina ali.

Eu me senti bem ao estar de volta, porém incompleta. Era como se eu não estivesse em casa, mesmo minha casa sendo aqui.

Mas eu sabia por que não me sentia em casa. E a diferença entre essas duas sentenças.

Bianca e Gabriel, depois que me buscaram junto com meus pais no aeroporto, tiveram que voltar às suas vidas e eu pra minha, afinal, estava mais uma vez de frente à minha casa. A qual, mesmo vivendo anos nela, não parecia tão receptiva quanto antes. Fechei os olhos, sentindo falta da brisa gelada e convidativa que senti durantes as minhas férias, e tentando, inutilmente, gostar desta aqui. Entrei na minha casa e junto com a minha mãe, guardei todas as minhas coisas. Mais tarde, ela me deixou sozinha para que eu tomasse um longo banho. Quando terminei, vesti minhas conhecidas bermudas jeans e uma regata qualquer, indo tomar café por causa da fome.

Quando sentei à mesa, minha mãe pegou na minha mão acariciando-a gentilmente, com seu olhar maternal e carinhoso para mim. Encarar seus olhos, assim como os do meu pai, fez uma lembrança que por muito tempo foi esquecida voltar à tona: O fato de eu ter sido encontrada por eles, totalmente sem memória e estraçalhada.

Quando meu pai me encontrou suja, cheirando mal, com os olhos opacos e caídos perto do lugar onde trabalha, sem pensar duas vezes, levou-me até a sua casa sem se preocupar com o fato de eu ser uma desconhecida. Sem se preocupar com o fato de eu ser uma garota que poderia muito bem estar ameaçada de morte ou coisa parecida, e que, caso se metesse comigo, também estaria arriscando sua própria vida.

Mas ele não se preocupou com isso, muito pelo contrário, comprovou que merecia ser chamado de pai e que, mesmo não sendo o verdadeiro, deu uma grande prova de amor. Meus olhos instintivamente encheram-se de lágrimas, e tudo o que eu fiz foi encostar minha cadeira perto da cadeira da minha mãe, puxar meu pai para ficar perto da gente, e me aninhar nos braços protetores de Silvia. A mulher que me amou desde o primeiro segundo, desde o momento que colocou os olhos em mim.

Porque é muito difícil você começar a amar uma adolescente carrancuda como eu, uma adolescente sem graça e com nada de especial. Cuja garota, não sabia nem seu próprio nome. Tudo bem se eles tivessem me encontrado bebê ou, até mesmo, uma criança. Só que não. Muito pelo contrário, amou-me a ponto de me fazer prometer esquecer o ocorrido e fingir que eu havia nascido da sua própria barriga, que me amamentou, que acompanhou meus primeiros passos. Não me tratando como uma adolescente órfã, a pobre coitada que perdeu a memória e tudo o que se lembrava era de apenas um objeto a sua frente pegando fogo. Para que ninguém me olhasse com pena, para que ninguém tivesse compaixão de mim. De fato, me legitimando filha deles.

Uma simples palavra como obrigada, uma gratidão eterna, jamais pagariam tudo o que fizeram por mim. E então eu associei isso com o fato de eu estar finalmente tendo acesso a alguma parte da minha memória, e se fosse verdade, eu estava condenada.

— Também estávamos morrendo de saudade de você, Antônia. — Meu pai sorriu ao dizer isso, mexendo sutilmente no meu cabelo. Minha mãe sorriu apenas, não só movimentando a boca, mas os olhos também, como se estivesse concordando em número e grau com as palavras dele. Apertei-os mais contra meu corpo, sentindo o óbvio se alastrar e acabar com o resto de esperança que surgia dentro de mim.

Como se um quebra-cabeça estivesse sendo finalmente montado, assim como os que montei com a Alicia, porém, esse aqui não era de uma praia ou de uma floresta, e nem de nada colorido e alegre.

Esse quebra-cabeça era a minha história. A minha vida. Para ser exata, a minha trajetória antes de eu ser encontrada quase sem vida pelo homem de cabelos grisalhos que, além de estar comigo quando eu mais precisei, se dispôs a ter minha guarda e ficar comigo até que eu me lembrasse de alguma coisa.

Aquilo não havia sido um delírio, então. Fechei meus olhos com tanta força sentindo o impacto desse pensamento que, por pouco, meus olhos não arderam.

Eu tinha voltado ao passado, um passado no qual não me lembrava. Mas que eu participei, ao contrário do que Eduardo disse. Tanto estive presente, como fui a culpada por Eduardo ter de certa forma morridopor algum tempo.

Isso significava uma coisa, que meu nome de verdade não era Antônia. Mas eu não queria dizer o meu nome, era muito forte para mim.

— O que você tem, Tônia? — Minha mãe perguntou contornando carinhosamente meu rosto com seu polegar, sentindo minha aflição, sentindo que alguma coisa estava errada.

Só que agora, nada estava mais errado, tudo fazia sentido. Tudo estava claro e óbvio.

A culpa por tudo o que eu fiz, mesmo não sabendo exatamente o que, me veio como uma tsunami destruindo tudo onde passava. Senti pontadas no estômago, tão fortes, que por um momento pensei que algum órgão meu estivesse querendo sair de dentro de mim. As tão terríveis lágrimas que guardei por tanto tempo, despencaram do meu rosto em direção ao chão e, mesmo com a visão embaçada, consegui ver uma pequena poça se formando.

Era como se toda a dor que Eduardo e Bruno sentiram por todo esse tempo me atingissem ao mesmo tempo, e em minha cabeça rodava as cenas que me comoveram e me transmitiram ódio daquela mulher: Agora, sabendo da verdade, ódio de mim.

As lágrimas de Bruno caindo enquanto sofria com os delírios que tinha. A tristeza estampada nos rostos dos pais pais dele, sofrendo junto com o filho.

A expressão de Eduardo, de desamor e destruição. Vivendo no vazio, vivendo num mundo onde não há mais formas, cores, sentimentos bons. Sendo obrigado a conviver com o ódio e a raiva que por tanto tempo o dominou.

Separar dois grandes amigos.

Brincar sem se importar com dois corações, os quais batiam por mim.

E o pior fato de todos: A dor de um aborto, da falta de amor por um filho que estava em minha barriga, que nem pode nascer. Eu também era uma assassina, que não possuía amor nem pelo próprio filho.

Meus pais se assustaram ao ver meu desespero, e tudo o que eu pude fazer, foi empurrá-los para longe de mim. Eles não mereciam encostar em mim, e eu não merecia nem ao menos ser filha deles.

Eu não merecia nada. Eu não merecia ninguém.

Imagens e cenas da minha antiga vida voltaram na minha cabeça, e eram tão abundantes que eu poderia selecionar qualquer uma para vivenciar novamente. Em todas elas, eu tinha nojo das minhas atitudes. Eu tinha nojo de mim.

Corri em direção à porta, e a abri tão bruscamente, que por pouco não a quebrei. Meus cabelos já estavam grudados no meu rosto, por conta do suor e das minhas lágrimas que não cessavam. Não era só um sentimento de culpa que me consumia, mas também um sentimento de repudiação, de desprezo, de objeção.

Corria entre as ruas, como se isso fosse capaz de mudar ou me fazer esquecer a conclusão que cheguei. Mas, caramba, tudo se encaixava. Tudo fazia sentido, principalmente o fato de sermos quase idênticas. Porque, literalmente, éramos idênticas.

E saber que causei tanto mal às pessoas, a um bebê inocente, me faz querer parar de respirar. Como se, de fato, eu fosse uma ameaça para a sociedade. Cansada, com minhas pernas doendo e sentindo o frio do entardecer me incomodar, sentei-me na calçada em frente à enorme construção inacabada e escondi meu rosto entre meus joelhos.

— Por que eu fiz isso com Eduardo, meu Deus? Por quê? Eu queria tanto amá-lo, cicatrizar as feridas que ele ainda possui no coração. Mas como fazer isso, sendo que quem as causou, foi eu? — Perguntei para mim mesma, não obtive nenhuma conclusão como resposta.

É totalmente impossível pensar num momento desses.

Nem nos meus sonhos mais catastróficos imaginei que essa dor existia.

Porque saber que na verdade, Margareth Johnson não havia morrido, parecia ruim. Mas saber que ela, na realidade, sou eu, parece mil vezes pior.


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Notas finais do capítulo

Finalmente dando algumas respostas a vcs!! :$$$
Simmmm, a Antônia é a nossa linda e amada Margareth! ):
Desculpem-me a demora, primeiramente. rsrs
Alguém ai acertou nas suposições? D:
Até o prox,
um bom final de semana a todos!!!
Bjão! ♥