Breve Canção de um Sonho escrita por Aika


Capítulo 1
Capítulo 1




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Doce ilusão a minha em pensar que poderia voltar atrás, parar o tempo e consertar o erro. Ilusão minha em pensar que poderia mais uma vez lhe tocar, beijar tua boca e demonstrar meu amor. Doce ilusão achar que tudo isso é só mais um pesadelo e que logo e despertador irá me acordar e você estará deitada na cama, ao meu lado, no lugar de onde nunca deveria ter partido.

O despertador tocou. A claridade me cegou por uns breves segundos e eu olhei para o lado esquerdo da cama, estava com os lençóis esticados e sem nenhum vestígio de que algum dia deitou alguém ali. Me levantei e lentamente me arrumei para o velório.

Dormi sozinha, acordei cantando a nossa canção.

Canção que só escutei num sonho que eu não lembrei,

mas juro havia paixão...

Era noite, estávamos no meio do outono. Nossa estação favorita. Você estava sentada no bar, de costas para a porta, quando eu entrei no estabelecimento. O lugar era pouco iluminado e muito barulhento, tocava música ao vivo. Você ria com o barmen e conversava alegremente, logo me chamou a atenção. Estava vestida com um vestido vermelho e meia calça rastão, a cabeleira dourada presa numa trança frouxa.

- Boa noite.

Você não se assustou, o que me surpreendeu. Quando vi o seu rosto notei que usava uma armação fina e delicada no rosto, a maquiagem não era pesada e ressaltava os olhos negros. Desenrolamos uma conversa simples e gostosa, sem comentar nada sobre trabalho, família ou qualquer outra coisa. Não transformamos o clima num assunto, nem nada do tipo. Depois de leves flertes, nós nos beijamos. Um beijo calmo e tempestuoso, calorosamente frio e com direito a borboletas no estômago e carinhos na nuca.

Ainda vou me lembrar de cada nota e refrão

Só sei que cê tava lá e tudo o que aconteceu

Fugiu pra outro lugar...

Depois de alguns meses de namoro você se mudou pra minha casa. Chegou num dia nublado, mas igualmente bonito, com duas malas anunciando a mudança. Não me surpreendeu, afinal, você nunca fora uma mulher de esperar, sempre foi de fazer acontecer, e isso era o que mais me fascinava.

Meu pai não gostava muito de você, dizia que era pouco feminina, mas eu nunca dei ouvidos. Nunca me interessei por mulheres cheias de frescurites, sempre preferi as que gostam de futebol, aventura e video-game.

Mas em compensação a sua mãe me adorava, dizia que se tinha um homem que te protegeria até de si mesma, esse homem era eu. Na época eu acreditava nisso, mas olhando agora, vendo tudo o que aconteceu... Não sei se ainda concordo com a sua mãe.

No fim eu não consegui te proteger de si mesma, nem de mim.

Não sei se posso falar assim do que vi sem saber

Você cantava pra mim, se é ato falho

eu não sei

Canção de amor é assim...

Não demorou muito e você engravidou. Ficamos tão felizes com a descoberta que logo desocupamos o 'quartinho da bagunça' e o arrumamos para a chegada do bebê.

Você tinha a certeza de que era um menino, e eu de que era uma garotinha. Decidimos aguardar o nascimento e então pintamos o quarto de amarelo. A mobília era branca, pra não ter erro.

Quando chegou ao sextomês de gestação a encruzilhada veio bater a nossa porta. Era só uma consulta de rotina, nada de mais. O bebê estava saudável, nada de errado com ele. Mas então veio a má notícia. A placenta estava baixa demais, e por alguma razão o liquido que mantinha o bebê respirando, vivo, estava vazando. A médica disse que teríamos de apresar o parto, isso a deixou nervosa e sua pressão subiu, causando mais complicações. Tivemos que lhe dar um sedativo e você foi levada para a cirurgia.

A médica voltou, a expressão séria e triste.

Se você tivesse que fazer uma escolha, uma escolha que envolvesse duas vidas, as vidas das duas pessoas mais importantes pra você. E aquela criaturinha tão pequena, tão inocente e pura, que nem conhecia a crueldade do mundo ainda, já havia ganhado o meu coração. Por outro lado, Elena era a mulher da minha vida, e eu não conseguiria mais viver sem ela. Mesmo que eu escolhesse a criança eu tenho certeza de que a culparia eternamente pela morte da mãe.

Naquele tempo eu tinha a certeza absoluta de que esse era o certo a se fazer, hoje já não tenho mais essa certeza. Talvez, só talvez, se eu tivesse escolhido a outra opção... Mas agora já é tarde.

Quando voltamos pra casa você ainda estava quieta, perdera o brilho e se distanciou. O aborto foi complicado, tiveram que retirar o útero.

A psicóloga disse que essa mudança era normal, poderia durar alguns meses, mas logo você voltaria ao normal.

Todas as noites, antes de dormir, você ia no quartinho do nosso filho, sim, era um menino, e chorava. Chegava a desmaiar no tapete do quarto, eu a carregava no colo até a nossa cama e acabava chorando também. Não aguentava te ver daquele jeito. Mas a psicóloga se enganou.

Já haviam se passado três meses desde o ocorrido e você só piorou. Acordava assustada no meio da noite e dizia que o pequeno Felipe estava chorando no berço, eu te abraçava e dizia que isso não poderia ser verdade, mas você corria para o quarto. Durantes o dia, você afirmava que escutava os lamentos do bebê, ouvia choros e passos pela casa.

Não aguentava mais. Em certa segunda, fui à casa dos seus pais. Na mesma semana uma ambulância veio te buscar, colocamos você numa clínica particular. Estava claro que não era mais uma simples depressão pós-parto, se é que poderíamos chamá-la de simples.

Você se debateu, gritou e chorou. Tentou fugir várias e várias vezes, implorava dizendo que o filho precisava da mãe. Passou a ficar amarrada, presa na camisa de força, se recusava a se alimentar, tomar os remédios ou receber visitas.

Depois de muitos vasos quebrados, os médicos proibiram as minhas visitas, nem os seus pais você recebia.

Ficar sem poder te ver me afetou de tal jeito que a minha chefe me deu uma licença forçada. Passei dois meses em casa, as janelas todas fechadas, a cama desarrumada, as roupas sujas se acumulando.

Todas as noites passadas em claro, perdi a noção do tempo.

Um dia não aguentei e dirigi até a clínica, conversei com o médico responsável e disse que queria te levar pra casa. Mas você já não estava mais lá.

"Ela atirou contra a lâmpada e cortou os pulsos, o pescoço, o ventre e..."

Ao que parece eu acabei desmaiando pelo choque da notícia e pelos vários dias sem comer ou beber algo.

Hoje foi o seu enterro. Quando voltei pra casa passei pelo quarto do Felipe. Vi ele no berço, rindo a toa, e você do lado dele fazendo caretas. Comecei a chorar, deveria ter dado um jeito de salvar vocês, deveria ter ficado do seu lado, te dando apoio em vez de simplesmente te internar por não aguentar mais a situação. Deveria ter concertado o erro enquanto ainda dava tempo. Deveria ter feito muitas coisas, mas não fiz. Fui covarde, fraco e te traí da pior forma.

Me desculpa, Elena. Me perdoa, me perdoa! Espero que tenha encontrado o nosso filho...

Abri o armário do banheiro e peguei um frasquinho de remédios, peguei uma garrafa de água na cozinha e engoli os comprimidos.

Logo estarei aí.

Você cantava pra mim suspiros, flores, perdão

Canção de Amor é assim...


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Notas finais do capítulo

E aí, povinho? O que acharam? Alguém leu até o fim? A música que aparece - o nome da fic - é da Zélia Duncan e a fic foi baseada nela, acho que deu pra notar... Enfim, espero que tenham gostado, se sim deixem comentários, se não, deixem mesmo assim se puderem ^^