Eu voltei até aqui porque... nós precisamos conversar.

A voz de Cheren soava em meus ouvidos como se fosse um eco infinito. Eu me mantinha parada e perplexa, olhando fixamente para seus olhos azuis, que me faziam sentir como se estivesse perdida no oceano.

Eu nunca havia visto o Cheren sério desse jeito. Tudo bem que ele sempre fora um rapaz que leva as coisas bem a sério, mas dessa vez era diferente. Ele estava sério de preocupação, algo o incomodava. E eu bem que podia imaginar que “algo” era esse.

– O que aconteceu... Cheren? – resolvi quebrar o silêncio, nervosa com a resposta que estava prestes a ouvir.

O moreno me fitou nos olhos ainda mais seriamente:

– É sobre a Bianca... digo... sobre aquele tal de Black... – admitia ao desviar o olhar para os lados - Ah! Na verdade, nem eu sei mais! – o moreno levantava um pouco a voz entre suspiros, ao bater com uma das mãos na própria cabeça. – Eu só sei que... – ele voltava a me encarar sério – eu preciso que você me fale tudo o que você sabe sobre esse garoto.

Eu sabia! Cheren definitivamente foi dominado pelo ciúmes! É natural demais ele estar com ciúmes do Black. Afinal, se eu estou, por que o namorado da Bianca não estaria?

– Bom... acredito que eu não deva saber muito além do que você já sabe... eles são amigos de infância e... estão bem surpresos por se reencontrarem depois de tanto tempo! Bianca está bem próxima dele recentemente, mas deve ser só uma fase! Mas, porque ficou tão interessado nele, afinal? – contei o básico do básico da história, apenas para ver a sua reação.

– Sobre esse lance deles serem amigos de infância e tal ela me falou quando nos apresentou mais cedo. Só que acontece que... a B agiu muito diferente do normal comigo hoje! Pelo menos na presença dele... Sabe, ela nem sequer me beijou! Quando a encontrei aqui na saída, nós conversamos um pouco e então começamos a andar em direção a casa dela. Quando chegamos lá, ela simplesmente falou “até logo, rapazes” e antes que ela pudesse entrar em casa, AQUELE MOLEQUE BEIJOU ELA NO ROSTO! – o moreno finalizou berrando com uma expressão furiosa.

– E-E-E-E-E-ELE FEZ O QUÊ?!?!?! – esperneei deixando-me ser contaminada pelo ódio do Cheren.

– Isso mesmo, ele teve a cara de pau de BEIJAR O ROSTO DA MINHA NAMORADA NA MINHA FRENTE! E ainda por cima, deu de costas pra mim e continuou seguindo a rua! E depois disso, a B simplesmente entrou direto em casa, sem nem sequer olhar pra mim de novo! – o moreno desabafava vermelho de raiva, sua respiração chegava até a estar pesada.

– CHEREN! VOCÊ ODEIA ESSE CARA, NÃO ODEIA?! – exclamei com toda a raiva em meus pulmões.

– MAL O CONHEÇO, E ACHO QUE SIM! – o moreno retrucava, no mesmo tom que o meu.

– Cheren, pode ficar tranquilo! Eu estou com você! – comentei ao pousar as minhas mãos nos ombros do moreno - Também não vou com a cara desse Black, e não gosto de vê-lo perto da Bianca! Tenho me sentido até excluída recentemente por causa dele... Mas pode deixar que eu vou ficar de olho para que ele não mude a Bianca que conhecemos! – finalizei com uma piscadela acompanhada de um sinal de positivo com uma das mãos.

– O-obrigado... – Cheren agradeceu sorrindo serenamente – Na verdade, eu... estava realmente precisando de alguém pra me tranquilizar quanto a isso tudo... Valeu por poder ser os meus olhos enquanto eu não estiver perto dela...

Cheren realmente ficava muito fofo quando demonstrava sentimentos pela Bianca. Ele ama ela de verdade, e são esses seus pequenos atos que me fazem ter certeza de que a minha melhor amiga está em boas mãos. Mas ao mesmo tempo, por mais que eu quisesse ajudar o Cheren, eu não poderia contar para ele tudo o que eu sei sobre o Black... aposto que ele iria morrer se soubesse que o moreno de olhos castanhos foi o primeiro amor da sua loira amada. E além disso... a Bianca é a minha melhor amiga, eu não posso contar nossos segredos assim pras pessoas, mesmo que o Cheren seja seu namorado!

– Bom, se era isso que você queria conversar comigo, acho que já está tudo certo então! Eu serei os seus olhos em relação a esses dois, e ficarei de olho para que as coisas não fujam do normal! – finalizei com um sorriso gentil. Ou pelo menos não fujam muito...

– Valeu! Qualquer coisa, me manda uma mensagem, meu número continua o mesmo! – Cheren se despediu de mim com um aperto de mãos.

– Certo! – apenas sorri, correspondendo ao seu cumprimento.

Nos viramos para direções opostas e cada um seguiu o seu caminho. De certa forma eu me sentia meio mal por estar fazendo um acordo com o namorado da minha melhor amiga, sem o consentimento dela... Eu meio que informaria o Cheren sobre as coisas que iriam acontecer daqui pra frente entre ela e o Black e tentaria intervir em algumas... Isso definitivamente poderia soar meio errado, mas... eu concordo com o Cheren e eu não gosto da Bianca passando tanto tempo com o pentelho de olhos castanhos. Eu só estou tentando proteger ela! Isso! É isso! Eu apenas quero proteger a minha melhor amiga! Não há nada de errado com isso!

Após me tranquilizar sobre a situação com os meus próprios pensamentos, sigo adiante de volta para casa, me sentindo mais animada. Até que-

Cabelos verdes presos em um rabo de cavalo, olhos da mesma cor. Passos ritmados e suaves como o vento chegam até mim.

O professor N, ou melhor, o N, acabava de passar. E de repente, ele se vira com o seu sorriso misterioso de sempre:

– Tome cuidado... com as coisas que vai fazer. – finalizou ao virar de costas novamente.

– E-ei espera! O que você quis dizer com iss- ! – antes que eu pudesse terminar, um vento muito forte começou a soprar, tirando a minha concentração, obrigando-me a fechar os olhos para que não fossem vítimas dos ataques de poeira.

Ao abrir os olhos novamente, o N havia desaparecido por completo. Era como se fosse mágica, nem parecia que ele realmente esteve ali segundos atrás!

“Tome cuidado... com as coisas que vai fazer.”

Ah bom, tanto faz! Desde que eu proteja a Bianca, tudo vai ficar bem!

Brummm. Brumm.

Sinto meu celular vibrando de dentro da bolsa. Acabava de receber uma mensagem. Assim, abro a bolsa na mesma hora para pegar o celular e ver do que se tratava. Gelo na mesma hora ao ver o nome do remetente “Mamãe”. Meeeerda! Eu estou fodida! E não é que eu estava certa? O conteúdo da mensagem era bem claro:

“Seja onde estiver, volte para a casa agora. Parece que alguém não estava doente.” – Mamãe.

Minha mãe sempre parecia ser super calma e controlada nas suas mensagens, mas quando eu chegasse em casa, eu sabia que ela ia virar uma fera! Bom, não é como se ela já tivesse sido diferente comigo... O jeito é enfrentar...

x-x-x

Chegando na porta de casa, toquei a campainha. Eu não tinha outra escolha, já que, a janela pela qual saí, agora encontrava-se fechada.

Mamãe abriu a porta com uma cara furiosa, me encarando seriamente de cima a baixo. Quando os nossos olhares se cruzavam chegava a ser assustador, parecia que ela queria me matar!

– Touko Rosa White, posso saber por onde a senhorita febril esteve? – seu tom de voz não era dos melhores. Ela falava de um jeito petulante, como se houvessem chamas de raiva ao seu redor.

– Ué.... – comecei desviando o olhar para o lado – não dá para perceber que eu estava na escola? – perguntei ao apontar para o meu uniforme.

– Você acha mesmo que eu vou acreditar que você foi para o colégio?! – mamãe levantou ainda mais a voz, ela estava mesmo muito brava.

– MAS É VERDADE! É SÉRIO! – exclamei em minha defesa, começando a ficar com tanta raiva quanto ela.

A minha mãe nunca acreditava em mim. Nunca mesmo. Qualquer coisa que eu falasse, ela sempre achava que eu estava mentindo. Hoje, não seria diferente.

– Olha mãe... – coloquei as minhas mãos em frente ao corpo, pedindo para que ela se acalmasse – eu realmente estava me sentindo mal mais cedo, mas como eu melhorei depois de passar a manhã inteira descansando, eu resolvi ir para a escola assistir a minha aula de recuperação.

– Claro que você foi. – minha mãe falava com um tom debochado e me olhava com desprezo – Com certeza a minha filha, Touko, que detesta estudar, foi para a escola em um dia que ela poderia usar a sua febre como desculpa para ficar em casa. Acredito em você, filha. Acredito. – ela finalizava de modo mais debochado que antes.

– Do que adianta eu falar a verdade para você... se você nunca vai acreditar em mim mesmo? – indaguei cabisbaixa, já começando a segurar o choro.

– Como você acha que eu posso acreditar em você? Se ao menos você fosse uma filha mais responsável, que se preocupasse realmente com as coisas importantes... se você fosse mais como a Mei...

– CALA A BOCA! O QUE VOCÊ SABE SOBRE MIM AFINAL?! VOCÊ NUNCA TENTOU ME ENTENDER! NUNCA TENTOU ME ACEITAR COMO EU SOU! E... PARE DE ME COMPARAR SEMPRE COM A MEI! – berrei com todo ar de dentro dos meus pulmões, sem conseguir conter, também, as lágrimas, que escorriam intensamente pelo meu rosto, como se fossem cachoeiras.

“... se você fosse mais como a Mei...”

O eco de tal frase foi o suficiente para largar a minha bolsa ali e mesmo e sair correndo para o meu quarto. Subi as escadas o mais rápido que pude, e no meio do caminho esbarrei em Mei, que estava descendo para a sala.

– Touko?! – Mei me chamou assustada.

– D-desculpe! – apenas respondi entre soluços enquanto corria.

Bam!

O barulho da porta do quarto batendo simulava a minha tranquilidade. Agora eu finalmente teria um pouco de paz para ficar sozinha, conversando com a minha própria tristeza, até que ela resolvesse ir embora.

Eu sempre fui assim. Sempre que ficava triste com alguma coisa, ou quando discutia com a minha mãe, vinha para o meu quarto, me deitar na cama e ficar fitando a parede enquanto pensava em todas as coisas tristes que tinham acontecido, até que eu me sentisse melhor de novo.

Além disso, na maioria das vezes que eu me sentia assim-

Toc. Toc.

– Touko? Sou eu, Mei. Posso entrar?

Isso mesmo. Na maioria das vezes que eu ficava triste desse jeito e vinha me isolar no meu próprio mundo até que tudo ficasse bem de novo, a Mei aparecia para conversar comigo. Ela sempre fora assim. Ela sempre se preocupou muito comigo. Bem mais do que a minha própria mãe.

Me levantei e fui até a porta. Eu não conseguia responder alto de forma que ela pudesse ouvir do outro lado, do jeito que eu estava. Já podia sentir o meu rosto inchado de tanto chorar.

Abri a porta e lá estava ela. A morena de olhos claros que conseguia me acalmar e consolar como ninguém, após essas brigas com a mamãe. Não consegui me segurar ao vê-la, as lágrimas intensificaram-se ainda mais e a abracei involuntariamente com toda a força que tinha em meus braços.

– Está tudo bem agora, Tou... Eu estou aqui com você... Calma... Já passou... – murmurava a morena em meus ouvidos ao acariciar minha cabeça que encontrava-se aconchegada em seus seios.

Mei fechou a porta, e me levou, ainda entre seus braços, até a cama, onde nos sentamos.

– Tou... eu imagino o quanto deve ser difícil ouvir essas coisas da mamãe... mas sabe? Você não deveria ligar para o que ela diz... Não se importe quando ela tenta nos comparar só porque eu sou mais o modelo de filha que ela quer. Eu não sou assim porque ela quer que eu seja . Eu sou assim porque eu sou assim. Ela gostar do jeito que sou, é pura coincidência. E você Tou... você é você, uma irmã maravilhosa, que sempre me ajuda quando eu preciso, que sabe me fazer rir como ninguém. Você tem o seu próprio brilho, que só consegue ser visto por alguns. Infelizmente, a mamãe não pode vê-lo. Mas eu tenho certeza que um dia ela vai conseguir enxergá-lo! E por favor... não mude, você é especial pra mim, Tou, eu te amo do jeito que você é, e aposto que muita gente também, como a Bianca, por exemplo!

Ah, a Mei... ela sempre conseguia me acalmar com esse seu jeito doce de falar, acompanhado de suas belas palavras e de suas carícias na minha cabeça. Mesmo que o fato dela ter citado o nome da Bianca tenha me machucado um pouco, por estar me sentindo distante dela recentemente, a Mei não sabe disso, e pelo menos ela faz de tudo para tentar me animar!

– Mei... obrigada... como sempre, você consegue me fazer me sentir melhor, nem que seja pelo menos um pouco. – levantei o meu rosto para fitar os olhos da minha irmã.

– Que bom ouvir isso, Tou! Afinal, esse era o mínimo que eu podia fazer depois de você ter me aconselhado mais cedo! E deu tudo certo! – Mei me agradecia, sorrindo com as bochechas avermelhadas.

– Mesmo? Como foi lá? – perguntei, começando a me animar mais um pouco por ver que consegui fazer a minha irmã feliz.

– Eu cheguei lá no ginásio, e apenas me desculpei pelo acidente, assim como você me aconselhou, e depois pedi para que déssemos continuidade ao treino. Então, o Hyuu sorriu de forma serena para mim e disse que era isso mesmo, que após um tombo nós devíamos nos levantar e seguir em frente ainda mais fortes, pois só assim conseguiremos evoluir. E de alguma forma, eu pude entender isso como um elogio! O que me deixou bem feliz! – Mei finalizou sorrindo mais do que antes, por compartilhar a sua felicidade comigo.

– Aaah, que bom! Me sinto bem melhor agora por saber que pude te ajudar! – exclamei de forma gentil, tentando transmiti-la como eu estava feliz por ela.

– Yay! Isso quer dizer que você vai descer comigo para jantar, não é? Parece que a mamãe está cozinhando uma carne bem gostosa e-

– Não, não. Estou mesmo grata por você ter me animado, mas não acho que eu esteja preparada para encarar a mamãe de novo. Pelo menos não hoje. Acho que vou ficar aqui deitada até dormir mesmo.

– Você só pensa em dormir, não é Tou? Ficou deitada aí a manhã toda e ainda quer mais? – Mei indagava ao me provocar um pouquinho. Mas eu sabia que era brincadeira.

Apenas sorri de modo desengonçado sem conseguir esconder o fato de que ela estava certa.

– Bom, mas não se preocupe! Eu vou jantar e depois passo um prato com um pouco da carne debaixo da porta pra você! – Mei comentava com uma piscadela no olho esquerdo.

– Aaah? Mesmo? Muito obrigada! – apenas agradeci sorrindo, juntando uma mão na outra perante o corpo.

Assim, Mei saiu do quarto para fazer conforme o combinado. Logo, eu apenas me deitei, fitei o teto branquinho e fechei os olhos.

Quem sabe agora eu consiga sonhar um pouquinho com ele...?

x-x-x

Quinta-feira, 20 de Setembro.

Uaaaah!

Mal me espreguiçava pela manhã e o céu parecia mais azul, as nuvens pareciam mais brancas, tudo parecia mais colorido! Hoje é o último dia do verão, isso significa que não irei para a escola assistir um monte de aulas chatas como em todos os outros dias do ano, hoje é dia de arrumar a USS para o Festival de Boas vindas do Outono!

Aqui em Unova, todos respeitam muito as transições das estações, isso porque todas elas são bem visíveis, no verão temos dias bem quentes e árvores que dão muitas frutas, no inverno, é bem frio e temos neve por todos os lados, na primavera temos muitas flores, colorindo ainda mais a região e no outono, há vários montes de folhas alaranjadas e árvores nuas pelas ruas!

Eventos especiais que fogem da rotina sempre me deixam animada, e hoje não seria diferente! Peguei o meu uniforme de verão, e o vesti pela última vez, até a chegada da primavera. Descendo as escadas, peguei uma torrada com geleia da mesa de café da manhã da sala, e sai de casa, sem a companhia de Mei, já que eu estava um pouco atrasada.

Chegando na porta da escola, já podia ver um grande movimento de alunos carregando caixas de um lado para o outro. Na mesma hora, corri em direção ao pátio dos fundos a fim de arranjar algo em que eu pudesse contribuir.

A USS possui um terreno enorme, além do prédio principal onde há a maior parte da extensão da escola, como salas de aula, cantina e ginásio, há um enorme pátio a céu aberto na parte de trás do prédio principal, onde os alunos costumam passar os intervalos. E era nesse pátio onde estavam sendo arrumadas todas as barraquinhas de comida e jogos do festival!

Todos os quatro festivais de boas vindas às estações do ano são sempre a mesma coisa: são abertos ao público, que se divertem com barraquinhas de jogos e comprando lanches diversos. Além disso, há um palco com apresentações e boas músicas tocando. Ademais, quando chega a hora da virada de estação, à meia a noite em ponto, são soltados fogos de artifício. Depois disso, o evento é encerrado e todos voltam para as suas casas.

– Touko! – pude ouvir a voz de Bianca me chamando, e na mesma hora viro em sua direção.

– Bi-bianca?! – pergunto surpresa ao olhar para a loira. Nem podia acreditar que ela estava falando comigo e que estava sem aquele pentelho dos olhos castanhos!

– Sim, eu mesmo! Por quê o espanto? – ela perguntava rindo – Eu estou indo agora mesmo comprar fogos de artifício da loja de conveniências da rua de trás, quer ir comigo?

– Cla-claro! – assenti com a cabeça enquanto dava de braços com a minha melhor amiga.

Saímos da escola e começamos a andar pela rua. Eu nem podia acreditar que eu estava passando um tempo a sós com ela. Parecia até que eu nunca mais ia ter essa oportunidade de tão grudada que ela estava no Black! Era isso! Eu deveria aproveitar essa chance para tentar fazê-la entender como me senti excluída, para ela tomar o cuidado de não me deixar de lado de novo!

– Eu estou tão feliz por estarmos fazendo alguma coisa juntas... – comecei – Parecia que isso nunca mais ia acontecer!

– Ahn? Como assim, Tou? O que você quis dizer com isso? – a loira indagava com um tom de voz bem confuso.

– Bianca... você é a minha melhor amiga, então... eu vou ser bem honesta com você. – parei e fitei os olhos esverdeados da loira com atenção – Desde que o Black apareceu, eu... passei a me sentir distante de você, pensei que não íamos ter mais oportunidade de ficarmos apenas nós duas juntas... – dei uma pausa – Comecei a pensar até... que estivesse sendo substituída por ele... – finalizei cabisbaixa, com vergonha de ter admitido todo o meu ciúmes em relação ao moreno.

– Aaah! Tou, me desculpa! Eu não sabia... e nem queria que você estivesse se sentindo assim, e-

– Você ainda gosta dele, não é? – cortei-a, ainda cabisbaixa, sem conseguir acreditar no que eu havia acabado de perguntar involuntariamente.

Um silêncio tomou conta do ar. Decidi levantar o rosto e encará-la.

Bianca estava fitando o chão, com diferentes tons de rubro colorindo o seu rosto. Resolvi quebrar o silêncio:

– Bianca?

– ... Tou... você por acaso... acreditaria se... eu dissesse que estou... apaixonada por duas pessoas ao mesmo tempo? – a loira finalizou fitando os meus olhos azuis com o rosto mais vermelho que antes.

Senti uma corrente fria percorrer o meu corpo. Eu não posso falar isso pro Cheren! Por mais que tenhamos feito um acordo! E como assim ela está apaixonada por dois?! Isso é possível?!

– Apaixonada por dois... você quer dizer... pelo Cheren e pelo Black? – perguntei o óbvio.

Ela assentiu, ainda me fitando com seus olhos verdes como esmeraldas.

– Eu nunca conheci alguém que... gostasse de dois ao mesmo tempo... – comentei, sem saber mais o que falar.

– Eu também não. – sua afirmação foi ríspida – Eu não sei o que eu faço para me livrar disso. O meu primeiro amor ou o homem da minha vida? O primeiro, ou o segundo? - Bianca se perguntava quase chorando.

– B, eu... eu não acho que eu seja a melhor para opinar sobre o assunto... Mas... será que o que você sente pelo Black não é só um amor de infância? Porque... se ele não tivesse reaparecido... você ainda estaria só apaixonada pelo Cheren, não teria essa dúvida e-

– Não! Não, Tou! – as lágrimas começaram a escorrer dos olhos da loira – Desde que nos separamos, eu sempre pensei nele, sempre me perguntava onde ele poderia estar e se ainda se lembrava de mim, como eu me lembrava dele! Eu me apaixonei pelo Cheren e comecei a namorar com ele, mas... mesmo depois disso, eu não parei de pensar no Black! Não parei de me lembrar dos bons momentos que tivemos juntos! Eu só não alimentava esse amor, porque... não tinha mais esperanças de que pudéssemos nos reencontrar!

Meus olhos arregalaram, e senti a mesma corrente fria de antes percorrer o meu corpo. Então quer dizer... que a Bianca estava realmente falando sério! Ela realmente parece estar apaixonada pelos dois... Mesmo sendo uma situação bem incomum...

– Ei, B! – chamei a sua atenção ao segurar forte os seus ombros – Eu estou aqui com você! Eu acredito que você possa solucionar essa dúvida, mas apenas o seu coração pode saber a resposta! Se você precisar de qualquer coisa, eu estarei aqui! E independente de quem... você amar... seja Cheren ou... Black... eu vou te apoiar! Se for para ver a minha melhor amiga feliz... eu faço qualquer coisa! – finalizei dando um forte abraço na loira a minha frente, que o correspondia, abraçando-me com mais força.

Lágrimas começaram a escorrer pelos meus olhos. Eu não podia acreditar no que eu tinha acabado de dizer. De fato, foram palavras muito bonitas, mas...

“E independente de quem... você amar... seja Cheren ou... Black... eu vou te apoiar!”

Não! Isso não era verdade! Isso era mentira! Como eu pude? Eu realmente devo ser a pior das piores! Se a Bianca por acaso escolher ficar com o Black, vai ser muito difícil pra mim aceitar essa situação. Eu gosto tanto de vê-la com o Cheren... de ver como ele é um ótimo namorado e como é perfeito pra ela! Eu não poderia confiar em um garoto que mal conheço para passar a cuidar da minha melhor amiga!

– Obrigada por ser a melhor amiga do mundo, Tou! Mas... agora vamos logo comprar esses fogos de artifício? – sussurrou a loira em meu ouvido, com uma voz mais animada.

– Certo! – respondi tentando parecer tão animada quanto ela.

x-x-x

Quando voltamos pro pátio escola colocamos a nossa caixa com fogos de artifício perto de outras que também os continham. Após isso, fomos para onde o professor de inglês estava, já que ele estava monitorando as atividades do pessoal da turma 4AA.

– Ah, meninas, que bom que voltaram! – ele comentava com um sorriso – Bianca, poderia ir com Lyra ajudar as donas da barraquinha de amuletos a arrumarem os seus produtos?

– Ah, claro professor! - a loira assentia – Te vejo mais tarde, Tou! – Bianca se despediu de mim ao acenar com uma de suas mãos.

– E eu, professor? – indaguei ao apontar para mim mesma com o polegar.

– Ah, Touko, o caminhão de carnes chegou e preciso que alguém vá ajudar os açougueiros a descarregá-lo! Mas não posso mandar apenas uma menina como você para uma tarefa tão pesada... – ele comentava ao olhar ao seu redor a procura de algum garoto, mas parecia que não tinha avistado nenhum desocupado.

– Bom, eu posso ir mesmo assim se esse for o probl-

– Ah, professor N! – o professor de inglês exclamou, fazendo o meu rosto esquentar – Está de bobeira? Caso sim, se importaria de ajudar essa aluna a descarregar a carne que chegou para o festival com os açougueiros?

Cabelos verdes presos em um rabo de cavalo, olhos da mesma cor. Aquele príncipe de camisa social branca me encarou com um olhar e sorriso provocadores, e apenas retrucou:

– Claro que não me importo. Vai ser divertido, não é Touko?

Meu rosto estava tão quente, que eu tinha certeza absoluta que de as minhas bochechas estavam transparecendo um perfeito tom escarlate.

– Vamos acabar logo com isso. – assenti.

Continua...