A Face Protetora escrita por Livora Escarlett


Capítulo 3
De quem é o nome, na madeira?




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/5013/chapter/3

Seus olhos estavam secos. Não conseguia, não queria dormir. Sua primeira vez, e brilhante, no palco, a deixava feliz, mas seu espírito deitava-se entre os lençóis daquela história. Na primeira semana que passara ali, não percebera nada de anormal. Realmente, nada. Muito pelo contrário, aquele lugar, abastando-nos do ritmo apressado de um teatro, aparentava extrema normalidade. Porém...          Não pode conter-se. Ergueu-se do leito, e foi até Meg:          -Meg, Meg! Acorde, Meg! É Malrora!           -Que há?- Perguntou a menina, sonolenta. Malrora sentou-se na cama.          -Não posso dormir! Não consigo! Tens de relatar-me a história do fantasma e dessa tal Christine!           -Não! Sou proibida de tocar neste assunto! Esqueça isto, Malrora!          -Não posso dormir! Por favor, ninguém saberá que tu me revelaste o segredo! Meg, por favor!           -Tudo bem. O fantasma... Bem, não era um fantasma. Como pensas, ele é, de fato, um homem. Era chamado de fantasma, oras, por andar encasacado, de preto, e, sempre, pregar peças em alguém. Era calado. Falava-nos, apenas, por cartas. Suas cartas, muitas vezes, recebiam proporções pilhéricas. Enfim, havia Christine. Ah, era minha amiga! Adorávamo-la, com exceção de Carlota. Porém, isto não vem ao caso. O fantasma, por algum motivo, era apaixonado por ela, queria-a em todos os papéis principais, e queria-a para si! Então, um belo dia, ele, em meio a uma ópera, raptou-a, derrubando um grande lustre que havia lá em cima. O teatro foi incendiado, mas já foi reformado. – Sua voz tornara-se chorosa.           -Não chore, Meg. Onde quer que esteja, Christine está bem.- Disse Malrora. Porém, sabia que, mesmo com todas as assegurações, não era, de forma exata, daquele modo. Christine poderia, muito bem, estar morta, ferida, ou sob torturas. Ora, saberia ela? Resolveu deitar-se, quando Meg disse:          -Bem? Sei que ela está bem, oras! Estou, apenas, preocupada. Ele, provavelmente, retornou.          -Ele, Meg? Quem? O fantasma da ópera?          - Sim. - Pausou. Depois, suspirou, encolhendo-se: - Deus Meu!            -Fique descansada. Ninguém saberá de nada. Vou deitar-me.         Com a cabeça sobre o coxim, principiava a ter sono, até que escutou uma melodia. Uma leve melodia. Era uma voz, uma voz perfeita. No entanto, era ensurdecida. Cantava tão mansamente, que, por pouco, não se podia ouvir:          “The bridge is crossed. So stand and watch it burn...” (A ponte foi atravessada. Então, fique e veja-a queimar).                  Abriu os olhos, assustada. Olhou em volta. O dormitório estava morto. Tudo, caríssimos, em mais profundo silêncio. Baixou a cabeça, ponderando ter sonhado.  * * *                  Era dia. Dia de neve, e todos estavam, como sempre, apressados. Bailarinas ensaiavam, sopranos e barítonos entravam em harmonia, afinados, e em escala perfeita. Malrora, como de costume, dava o melhor de si, e superava Carlota, que se debatia de despeito. Dançavam, suavam, excediam-se.          Após o primeiro ensaio, Malrora retirou-se, junto de Meg, e foi sentar-se a um dos espelhos, como era seu costume. Esta, demonstrando preocupação, pergunta:          -Mamãe não pode tomar conhecimento! Não pode tomar conhecimento de que lhe contei aquilo! Não gosta que revivamos estas histórias!          -E não tomará! Já lho disse, não? Então, pare de preocupar-se. - Explicou Malrora, aborrecida.          -Tudo bem. Ah! Malrora, gostaria de pedir-lhe um favor!           -Peça.          -Deixei meu bálsamo no dormitório. Poderias buscá-lo? Estou ocupadíssima! Tenho de preparar as coisas de Albine!          -Tudo bem, Meg. Já volto!- A moça exclamou, gentil. Levantou-se, e andou pelos corredores. Foi afastando-se do palco, afastando-se das pessoas. Agora, estava sozinha. Estremeceu. Apesar de ser madura, e crescida, possuía medo de abandono. De isolamento. Caminhou devagar, hesitante. Observava o lugar. As teias de aranha, os móveis velhos, cheirando a memórias antigas. Mais adiante, avistou uma pequena cômoda. Achegou-se a ela, pois era chamativa. Na madeira, havia um retrato. Era muito belo, assim como a mulher que, nele, estava. Sorriu. -Quem será esta?- E, tateando a madeira, encontrou algo, que parecia estar gravado. Aproveitando-se da vela que tinha, derramou, sobre a cômoda, algumas gotas de cera. Pegando uma pequena adaga, raspou-a, vendo, assim, um nome.          Súbita foi sua surpresa, ao balbuciar Christine Daae. -É ela!- Exclamou, sorrindo. Apesar do susto, estava contente. A tal mulher, então, existia! Aqueles, então, eram seus pertences! Mas... Quanto à própria Christine? Onde estaria? Por pouco, não se esqueceu do que tinha de fazer. Abandonou a cômoda, e entrou no dormitório. Procurou, entre os pertences de Meg, o bálsamo. Ao encontrá-lo, suspirou, aliviada. * * *           -E então, Malrora, não quer ouvir melhor a história de Christine? Eu sei onde ela está! – Disse François, sarcástica.          -Não gosto da ironia. Fiz, eu, menina, algo que lhe desagradou?          -Ora, não se faça de sonsa! Todas nós, Malrora, sabemos! Sabemos que andaste investigando, e que tocaste nos pertences dela!          -Deixem Malrora quieta!- Exclamou madame Giry, entrando. - A verdade, estando em silêncio, é melhor! Deixemos os mortos descansarem em paz!          -Ela morreu? – Perguntou uma.          -Santa ignorância!- Exclamou Meg. - Não estás vendo que são modos de dizer?           -Basta!- Exclamou Malrora, batendo em uma mesinha. - Nunca presenciei algo tão ridículo! Fiquemos caladas!           -Tens razão: Christine não é digna de lembranças! Era uma tonta, sem personalidades! Se foi embora, não importa! O que importa é que, sem ela, estamos muito felizes! – Disse Albine, e disse só. Meg avançou; sem dúvida, para feri-la. Debalde. Madame Giry segurou-a.          -Quem são vocês? Imaturas!          -Madame, gostaria de sair! Não estou suportando isto!- Pediu Malrora, erguendo-se de uma das camas.           -Podes. Não voltes tarde, minha querida. Não sabemos o que pode ocorrer.           -Fique tranqüila.          -A propósito, enviaram-lhe correspondência.          -Deveras? Quem?          -Não sei, ao certo. Tome. - Estendeu-lhe o envelope.           -Obrigada, madame. Adeus. - Despediu-se, sem tirar a atenção da carta. Ao abandonar o dormitório, empacou. Havia aberto aquele papel cetim. Já estava a ler o conteúdo, quando uma convulsão raivosa a fez amassá-lo.- Ora... Ora... Atrevido! Narciso me paga!- Gritou, correndo.          Saindo pelos portões dos fundos, atingindo um jardim. Um jardim, entretanto, abandonado. Surpreendeu-se: Como ninguém cuidava-o? Pôs-se a andar, e a observar cada morta flor.          Andando um pouco mais, encontrou esculturas de anjos, e de mulheres. Todas envelhecidas, cobertas por lodo apodrecido. Que paisagem! Por que estava abandonado? Caminhou até uma árvore. Belíssima e triste árvore. Sentou-se à sua “sombra”, abrindo, novamente, o papel. Leu-o: “Malrora Morisset,Belíssima graça! Apercebo-me, com felicidade, que alcançaste teu sonho! Porém, minha diva, é com tristeza que lhe informo: terei de buscar-te. Ora, minha moça, tu sabias que não poderias viver afastada de mim, teu marido. Tu sabias! Não entendo, então, a razão de ter-me deixado. Tudo debalde. Tenho ímpetos, minha cara, de que tu sentes minha falta! Sinto a tua, também! Creia-me: a vida, Malrora, no teatro é muito difícil, e não é duradoura. Por que não queres viver uma vida de esposa, ao lado do teu Narciso? Não tente fugir; as conseqüências seriam gravíssimas! Obedeça minhas ordens!”-Palerma!- E riu-se. Ergueu-se das sombras da árvore, e vagou pelo lugar. Vagou, vagou... Até que, surpresa, encontrou algo, que era semelhante a uma alça. Esticou a mãozinha, ao intento de abri-la. Debalde. Como não conseguiu, tateou o chão, esperando solucionar o problema. Então, viu que estava trancada. Trancada por um grande cadeado. Não era tola: Se estava trancada, possuía um motivo. Deixou o local, balançando a fronte. Malrora, apesar do prólogo de sua chegada, era uma mulher “fechada”. Não permitia-se desabafos, ou confissões tolas. Tudo o que vivera, e o que viveria, era para si. Ninguém tinha necessidade de saber. Para ela, era uma afronta. Quando sorria, fazia-o cautelosa, previdente. Ora, ela sabia que, a grande maioria das pessoas, era um fosso de falsidade, e maldade. Por isso, era sua, e, apenas, sua. A maior parte do tempo, quando não entregava seu intelecto, sua mente, aos estudos, ou às artes, entregava-o aos pensamentos, aos cálculos d’alma. Era, geralmente, calada. Quando falava, demonstrava, por suas palavras, uma maturidade demasiada, para uma garota de dezenove anos. Apesar disto, não possuía medo do que pensavam. Agia por si, e por si só.E, agora, o seu intelecto? Infeliz! Ela entregava-o, somente, ao momento em que, de forma gentil, porém arrastada, Meg contara-lhe a história do Fantasma e de Christine. Por maior esforço que fizesse, não parava de ponderar sobre isto. A curiosidade incendiava-lhe os vestidos, e os pertences. Possuía tantos problemas! O ex-marido, maldito! Não estavam casados, e ele a importunava! Mandava cartas, prometia buscá-la! Sempre a assombrar... Assim, caríssimos, como um Fantasma assombra uma Ópera de Paris. Nestas idéias, ela fora ao jardim, no ímpeto de espairecer. Debalde. Observando os candelabros em cristal, sorriu. Por eles, coava-se um creme de luz, que encantava-a! Nestes ânimos, apressou os passos, até alcançar a entrada do teatro. Adentrou-o, e correu ao palco. Todos estavam ensaiando, e ela não precisava fazê-lo. Então, correu ao dormitório, na esperança de ficar sozinha. Conseguira! Estava vazio, sem uma viv’alma. Foi ao seu leito, e, ali, deitou-se. Estava, realmente, a ponto de adormecer, quando, ao longe, escutou um canto: “Beware! The phantom of the opera.” (Cuidado, o fantasma da ópera)No exato momento, ergueu-se, e, dali, fugiu. Quando havia contraído certo corredor, estacou. Não conhecia aquele local. Alcançou, demasiado, longe. Porém, uma vantagem! Ali, estavam, à sua frente, embrulhos, fotografias em pintura, e outros apetrechos. Aproximou-se deles, e tocou-os. Eram belíssimos, e possuíam, aproximadamente, meses de poeira!  -Curioso! Parece ter sido há tempos!- Exclamou, consigo mesma. –Dou uma boiada, apostando que estes objetos pertencem a Christine!- Riu-se.     Tomou consciência, então, das fotografias. Associou a foto da cômoda pequena, às fotos que encontrara. Eram, todas, de Christine. Como era bonita! Abriu alguns baús, e tirou peças de vestuário. A moça, então, era bela e sóbria! Perfeita combinação, para... a amásia de um fantasma? Qual amásia! Eram, apenas, boatos sórdidos! Christine poderia, muito bem, ter sido, somente, perseguida pelo tal homem!  -Procuras algo? – Sussurrou uma voz, vinda de trás. Rapidamente, Malrora alçou-se, olhando, aflita, para trás. Nada vira. Espavorida, escoou-se.Enquanto corria, pensava. A voz era imperceptível! Seria feminina, ou masculina?       

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!