Tênue escrita por Jeane Rosemond


Capítulo 1
Prólogo




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Seus saltos bateram na superfície de madeira da estação do trem, Grace olhou em volta e viu que mal reconhecia aquele lugar. A sua memória falhou ao se perguntar a última vez que esteve ali, seu cérebro possivelmente havia absorvido essas lembranças. Olhou para trás e sentiu uma enorme vontade de se jogar no trem ou começar a correr sentido contrário. Por um segundo, sentiu seu coração parar e sua respiração falhar, o que não significava nada de bom. Tocou sua testa e sentiu uma leve tontura, de um segundo para o outro, ela perdeu os sentidos e sentiu a cabeça se chocar contra o chão.

— GRACE! — os gritos exagerados de Marcelle faziam todos despertar de qualquer pesadelo, ou de qualquer sonho, ou de qualquer coisa que estivesse fazendo. Grace arregalou os olhos sentindo a textura do chão frio. — Você estava sonhando, estou tentando te despertar há tempos, você estava dizendo "não" toda hora. — Grace ignorou a voz de Marcelle, cada palavra dela era como um eco insistente. Ela só tentava se concentrar em ficar calma e conter o suor que caía em sua testa.

— Eu estou bem, Celle. Mas ficaria melhor ainda se você me ajudasse a me levantar — disse tentando conter a respiração acelerada.

— Oh, sim! — Respondeu ela sorridente, Grace olhou o relógio pendurado na parede e viu que já passava do 12:00.

Quando se levantou, sentiu uma leve tontura — mas dessa vez ela teve certeza de que não estava sonhando. Celle a segurou pelo braço e a guiou novamente até a cama, onde a sentou. Sua feição era preocupada, e por mais que ela estivesse bem, ia demorar até que seu corpo se estabilizasse novamente.

— Você está bem, Grace? Precisa de algo? — Ela negou e deu um sorriso leve procurando mudar de assunto o mais rápido possível.

— Não, eu estou bem. Por que não me acordou? — perguntou ela erguendo as mãos e pegando o copo vazio que ficava no seu criado-mudo, o encheu com um pouco de água que ficava em uma jarra de vidro que havia ganhado de sua mãe; a jarra ocupava o mesmo lugar do copo.

— Porque você precisava dormir, e não havia motivos para acordá-la. A casa está limpa, suas malas estão arrumadas... — ela engoliu a seco por um segundo, apertou os olhos e virou o copo d'gua de uma vez só.

— Uau, você deve estar com sede... quer mais um pouco? — disse a loura erguendo a jarra.

— Não é isso... eu só acho que não me sinto preparada para voltar para casa, Celle.

Celle era uma ótima companheira e psicóloga, porém ela não sabia mentir. Estava estampado na cara de Grace que ela não queria voltar, ela não podia dizer "é apenas um efeito da sua cabeça, você está nervosa, tudo ficará bem".

— Com o tempo você se acostuma, não sente falta da sua família? — Ela fitou o chão por um segundo pensando na resposta. Reencontrar sua família seria como reencontrar velhos conhecidos sem muito valor.

Ela nunca teve o melhor dos relacionamentos com os Gallagher’s, ela nem se considerava um deles. Raramente se falavam, no máximo uma ligação a cada seis meses e um e-mail por ano. Ela tinha uma irmã mais nova chamada Lorena, cujo sabia muito de computadores e celulares, mas nunca se interessou muito em chamá-la para conversar virtualmente. Sua mãe também estava acompanhando as tecnologias atuais, tinha celular, mas o número de Grace não estava gravado nele. No final das contas, Grace era apenas uma hóspede que ia passar alguns meses na casa de alguns estranhos.

— Grace? — ela voltou ao seu mundo real ao ouvir a voz de Marcelle novamente. Droga, ia sentir tanta falta dela.

— Por que você não vem junto comigo? Dividimos esse apartamento, podemos dividir um quarto lá em casa.

Marcelle e Grace haviam se conhecido de maneira desastrosa. No segundo trimestre da faculdade de fotografia, Grace teve como tarefa fazer uma sessão fotográfica de um desconhecido. No mesmo mês, Marcelle, estudante de Artes, havia ganhado a tarefa de montar um vídeo com fotos dela mesma em um cenário natural. Grace era nova na cidade, não conhecia absolutamente ninguém para fotografar, Celle estava em uma situação financeira complicada demais para pagar uma fotografa. Por ironia do destino, elas acabaram se conhecendo e de cara lançando a proposta:

— Deixo você me fotografar se a sessão não custar nada.

— Eu te fotografo se você concordar com tudo o que eu disser.

— Eu deixo você me fotografar sumir da minha vida depois disso.

— Fechado.

Aquele foi o primeiro ensaio que Marcelle posou, e o primeiro que Grace fotografou. O resultado foi lastimável e desastroso, Marcelle era uma péssima modelo e Grace mal sabia mexer na câmera doada pelo professor por duas semanas. Mas no final, uma acabou aparecendo na apresentação da outra, e elas acabaram despejando o fracasso em duas caixas de pizza, muito sorvete e duas temporadas de Sex And The City. Depois desse dia, elas se tornaram amigas inseparáveis. Ao se formarem na faculdade, resolveram que iam morar juntas e esse laço estava firme até hoje, e seria rompido.

— É sua família, Grace, eles não vão curtir muito eu roubando você deles — Grace suspirou frustrada.

— Eu não sei se irei aguentar, entende? Nós nem nos falamos direito, eu mal ligo para existência deles e vice-versa. — Celle levantou-se em um salto colocando as mãos na cintura afinada.

— O que nós prometemos? Você tentaria ter uma convivência perfeita com eles, lembra-se? — Grace levantou uma de suas sobrancelhas e sorriu.

— Perfeita não foi o termo usado por mim. — Celle entortou a boca pensando no que dizer.

— Que seja, você vai lá e terá os meses mais felizes da sua vida! Agora levante-se, seu avião parte daqui... 8 horas! Oito horas, Grace! Como pretende fazer uma maquiagem e um look decente com apenas oito horas sobrando? — Grace decidiu pela última e primeira vez, entrar no personagem que Celle gostaria.

— É claro! No que eu estava pensando? Preciso me arrumar agora mesmo! — sem o mínimo de animo, ela se levantou, pois sabia que aquela seria uma das últimas coisas realmente divertidas que ela faria.


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