Dividida escrita por Amy


Capítulo 1
Linda Vista


Notas iniciais do capítulo

Fazia um tempo que eu postava essa fanfic no meu tumblr, como interativa, mas resolvi postar aqui também, porque ha alguns anos atras eu fiz grandes amigas pelo Nyah!
Então, ai está, boa leitura!



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Los Angeles, mundialmente conhecida por sua beleza, suas luzes piscantes e suas pessoas radiantes, sempre com um sorriso estampado no rosto. Suas noites eram quentes e agitadas, cheia de pessoas dançantes pelas ruas movimentadas.

A cidade onde nada parecia dar errado.

Nem parecia que o Linda Vista Community Hospital fazia parte da mesma cidade da Califórnia; era completamente o oposto do resto da cidade, em tudo. Um prédio branco e antigo, beirando seus 50 anos, já estava debilitado e assustador de se passar perto. Qualquer um que se arriscasse caminhar por aquela colina, e por acaso passasse na St. Louis Street, em qualquer época do ano, logo sentia aquele arrepio na espinha.

Aquele lugar de lindo só tinha o nome, a vista não era nada agradável.

Era nesse manicômio que se encontrava uma figura incomum, pequena, encolhida no canto da cama. Segurava seus joelhos com força, seus cachos vermelhos mal cuidados caiam em cascata por cima de seu rosto inchado e rosado. Seus olhos acinzentados estavam vidrados de forma assustadora em um canto do quarto, como se visse algo que não estava ali. Não havia nada no quarto além da cama, da janela alta e coberta por barras e da porta de ferro.

- Não fique louca. Não fique louca. – repetia num sussurro pra si mesma – Não permita que eles te deixem louca.

Mas sua cabeça já girava. Seu estomago quis devolver o que havia nele, mas não havia nada lá. Três dias naquele lugar e não tinha conseguido comer nada. Mesmo assim, viu-se vomitando e inclinou seu corpo para fora da cama. Sentiu o liquido queimar ao passar por sua garganta, era verde e pegajoso, e escorreu lentamente até tocar o chão. Então mudou de cor, virou um roxo vivo, tão bonito que quase chamou seu nome, e ela quis tocar. Sua mão se moveu por vontade própria em direção ao vomito roxo e quando tocou o chão sentiu como se todo ele a engolisse. Não havia mais chão, ele havia sumido e agora ela estava caindo.

E caiu. Caiu por horas, apenas ela e o nada. Sem conseguir respirar, sem conseguir morrer, sem conseguir fazer nada, a não ser cair. Não tinha vento, nem frio, nem nenhum sinal de nada. Apenas o nada. Vazio. Imensidão de escuro. Nada. Continuou caindo e caindo e caindo e caindo...

Até que seu rosto bateu contra o chão frio ao lado da cama. Não havia vomito, não havia nada lá. Ela estava de volta ao quarto e já era de manha.

Balançou a cabeça atordoada enquanto voltava pra cima da cama desconfortável. Decidiu que não tomaria mais aqueles remédios que a estavam obrigando tomar.

- Café da manhã. 15 minutos. – alguém gritou ao bater na porta.

A voz continuou ecoando pela sua cabeça por um tempo até se levantar e atravessar a porta de ferro e caminhar calmamente pelo corredor, ignorando as pessoas ao seu redor. Descobriu que tinha medo de olhar para as pessoas que dividiam o corredor com ela. Tudo ali a assustava, todo mundo ali era maluco.

Entrou na fila do refeitório e esperou pela sua vez de tomar os remédios, ou de não tomar. Tudo ali era monótono, repetitivo e tirando aquela musica ambiente irritante que nunca parava de tocar, o resto era silencioso e sem graça. Ela odiava aquele lugar.

Um cara alto, todo vestido de branco e com olheiras tão profundas quanto seu olhar, lhe entregou um copinho branco com quatro comprimidos que ela fingiu muito bem engolir. Era isso que eles queriam, era isso que mantinha aquele lugar funcionando. Eles não queriam que ninguém melhorasse e saísse de lá, eles queriam todos cada vez mais loucos, porque afinal gente curada não gerava verba, certo?

Abriu a boca para ele conferir que ela havia engolido tudo, enquanto escondia os comprimidos embaixo da língua. Assim que saiu de perto dele, os enterrou no vaso de uma planta quase morta qualquer do corredor.

- Não vai durar uma semana aqui assim - ouviu uma voz masculina soar perto, mas nem se virou pra ver quem era. Estava assustava demais então apenas caminhou pra longe, e sentou numa das únicas mesas vazias e afastadas e esperou servirem o café da manhã.

A comida do lugar não era das piores, eles serviam ovos mexidos frescos e suco, mas ela desconfiava que eles colocavam calmantes no suco então não tocava naquilo. Tentou comer um pouco, mas tudo tinha gosto de serragem em sua boca.

Decidiu que não conseguiria comer novamente e preferiu voltar para o quarto. Ignorou todos os olhares curiosos e assustadores que recebeu enquanto atravessava o refeitório a caminho do corredor, se livrando do peso dos olhares apenas quando se deitou em sua cama.

Lembrou-se de casa, de como sua cama era macia e como seu quarto cheirava a lavanda e flores do campo. Como a pôr do sol ficava bonito da sua janela, quase coberto por todas as arvores e montanhas que conseguia ver dela. Como o cheiro de pão fresquinho a fazia sorrir todo sábado de manha. Quase conseguiu sorrir com a lembrança. Mas ai lembrou também de sua casa pegando fogo, do cheiro de fumaça e carne queimando, dos gritos, sua família.

Abriu os olhos e se sentou rapidamente. Sua cabeça girou.

- Sua consulta com o Dr. Walker começa em meia hora – a voz anunciou na porta novamente.

Dr. Walker era o psiquiatra responsável pela ala de homicidas, sociopatas, psicopatas, entre outras pessoas perigosas do Linda Vista.

Meia hora depois escutou duas batidas em sua porta, então sabia que era hora da sua sessão diária de terapia intensiva. Caminhou pelos corredores ao lado da enfermeira gorda e baixinha, até o consultório do Dr. Walker. Novamente ela bateu duas vezes e então se ouviu a voz grossa do homem a dizendo pra entrar.

Dr. Walker tinha por volta de 60 anos, sem nenhum cabelo e um cavanhaque branco que somado aos seus óculos quadrados, lhe dava o ar mais sério que alguém da sua idade pode ter. Sentado atrás de uma mesa de mogno, segurando uma enorme pasta, fez sinal para que a garota se aproximasse e sentasse a sua frente.

- Delilah Campbell – ele disse, com sua usual voz de começo de consulta. A garota estremeceu ao ouvir seu próprio nome. – como esta?

- Bem. – mentiu automática, sentindo-se desconfortável no próprio corpo novamente.

- Esta tomando os medicamentos?

- Sim – mentiu novamente.

- E eles estão ajudando? – ele examinou a ficha em suas mãos.

- Claro – respondeu, perdida em pensamentos, enquanto observava os diplomas na parede ao lado.

- Quero que saiba que tudo o que estamos tentando fazer aqui é tentar te ajudar. Você sabe por que está aqui, não sabe?

- Vocês acham que eu coloquei fogo na minha casa e matei meus pais – respondeu sem expressão. Sentiu uma dor tão grande no peito que tudo o que conseguiu fazer foi prender a respiração e pedir pra que isso fosse suficiente pra morrer. Mas não foi.

- Você esta aqui porque tem uma chance de provar que é inocente, de contar tudo o que sabe. Se não estivesse aqui, estaria na Penitenciaria Estadual de San Quentin, o que é muito pior – mas a garota não concordava. Nada podia ser pior do que conviver com a própria mente. - Quero que comece a falar sobre o que se lembra da noite do incêndio.

Se mexeu desconfortavelmente na poltrona de couro, desejando estar em qualquer outro lugar. Não queria falar sobre o incidente que assombrava seus piores pesadelos ultimamente, porque sabia que se fizesse isso ela viria à tona.

- Eu não lembro de nada – mentiu mais um vez. Odiava mentiras mais do que tudo, mas naquele momento não viu saída.

- Eu quero que tente se lembrar, qualquer coisa que ache importante, qualquer coisa que queira me contar. Não se esqueça que eu estou aqui apenas pra tentar te ajudar. – ele mexeu nas fichas que tinha em mãos e a olhou por cima dos óculos quadrados – Diz aqui que você fazia acompanhamento psicológico antes do acidente. Pode me falar porque?

- Transtorno bipolar – respondeu rápido, mas ele não pareceu nada surpreso. Ele já sabia, sem duvida aquilo constava na ficha dela quando ela entrara ali.

- E como você se sente sobre isso?

- Normal – balançou os ombros e olhou pela janela distraidamente enquanto ele escrevia algo. Uma coisa pequena e colorida passou voando pela janela, tão rápido que ela por um segundo piscou em duvida se vira mesmo algo. Era apenas uma borboleta, disse a si mesma.

- E sobre sua relação com os outros pacientes, conheceu alguém?

- Não.

- Não conversou com ninguém, ou sentou com alguém para almoçar?

- Não.

Anotou mais alguma coisa em sua ficha e suspirou pesadamente.

- Nossa próxima consulta será em dois dias, até lá espero conseguir mais de você do que respostar monossilábicas . Nós precisamos de progresso aqui, eu só quero te ajudar, mas se você não quer ser ajudada eu não tenho como fazer meu trabalho. – Ele sorriu gentilmente para ela, de uma forma que fez um arrepio percorrer a espinha da garota, e indicou a porta – Até a nossa próxima consulta.

Ela se levantou e caminhou até a porta, escutando Dr. Walker dizer:

- E faça algum amigo aqui, ajuda a não perder o que resta de sanidade – com um risinho.

Mas restava alguma sanidade? Era o que ela se perguntava, ao cruzar os corredores úmidos do sanatório, sendo escoltada por um enfermeiro de dois metros de altura. Após aquelas poucas horas ali dentro, já acreditava estar tendo visões novamente. Já mal conseguia se lembrar de como era a vida la fora. Tinha medo de absolutamente tudo. Sanidade? Era um luxo não permitido no Linda Vista.

Ele a deixou na sala de jogos, onde ela se sentou nu sofá de couro escuro, o mais perto da janela possível, ao lado de uma senhora de idade, que jogava um jogo de tabuleiro sozinha. Seria uma cena engraçada, se não fosse trágico. A senhora era cega, era perceptível em seus olhos nublados e seu olhar vago, seus cabelos grisalhos e ralos lhe caiam pelo rosto e seu corpo era coberto por um pesado poncho, mesmo que fizesse calor aquela época do ano. Suas mãos fracas tremiam conforme mexia as peças do jogo que Delilah observou com pouco interesse, logo voltando o olhar para a janela.

- Você não devia estar aqui – a velha ralhou baixinho. A garota pensou em se levantar, mas naquele momento algo passou pela janela. Aquela mesma coisa bonita e colorida de antes. Novamente rápido demais pra ela ver o que era. – Você deve segui-la. Pelas montanhas e pelos vales. Pela neve e pelo deserto. Até encontrar o caminho. Você deve encontrar. Deve ajudar seus amigos na jornada. – sua voz era suave, como um sussurro, como uma alucinação.

- Esta falando comigo? – perguntou confusa, se virando para olhar a senhora, mas ela ainda mexia em seu jogo, quieta, como se nunca tivesse dito nada. Prestou mais atenção dessa vez.

- Não seja estúpida, não se deixe enganar facilmente, muitos entrarão no seu caminho para te tirar dele. Não confie. Não olhe com os olhos, mas veja com a alma. Você sabe o que deve fazer, sabe que não devia estar aqui, Delilah Campbell!

- Como sabe o meu nome? – agora a garota tinha certeza de que a velha estava falando com ela. Vira a boca dela se movendo. – Como sabe meu nome? – gritou, chamando atenção de quem estava a sua volta, incluindo alguns enfermeiros.

Mas não era possível, ninguém ali deveria saber seu nome, ninguém ali a conhecia ainda. Só estava ali a poucos dias. Tinha certeza que sua chegada não havia sido anunciada. Tinha certeza que ninguém saberia seu nome, muito menos aquela senhora.

- COMO SABE MEU NOME? – agarrou a senhora pelos ombros, a chacoalhando a procura de respostas. A senhora derrubou algumas peças de seu jogo, e olhou para o nada, completamente alheia ao que acontecia com ela. – RESPONDA!

Mas antes de obter suas respostas já havia dois enfermeiros a segurando, prendendo seus braços para trás e a arrastando para longe, deixando a senhora para trás, caída no chão. Se debateu por um tempo, tentando gritar que conseguia andar sozinha, que não precisava que ninguém a segurasse, que não faria nada com aquela senhora, mas foi tudo em vão. Logo estava em uma sala pequena e muito clara, doía os olhos ficar naquele lugar, não conseguia ver nada ao seu redor a não ser a luz branca vindo de todo lugar.

- Mas já esta arrumando confusão? – a voz masculina esta la novamente. Ignorou, tentando caminhar para algum lugar, mas acabou esbarrando em uma parede. Caminhou para o outro lado e mais parede. – Desista. Sente-se no chão e espere sua visão se acostumar a claridade. – a voz repetiu. Acabou não tendo outra opção senão obedecer.

- Quem é você? – perguntou, se arrastando até um canto.

- Sou Luthor Walker – a voz respondeu.

- Filho do...?

- Sim, filho do Dr. Walker. Meu pai, o psiquiatra daqui. Irônico não? – riu, parecendo realmente se divertir com aquilo.

Delilah aos poucos recuperou a visão. Se encontrava em um quarto pequeno, dividido em quatro por barras de metal. Era pouco iluminado, e cheirava a comida apodrecida. Separado pelas barras estava um cara de aparência bizarra. Ela era dono de uma beleza medonha, seus cabelos cor de areia estavam bagunçados e caiam em cima de seus olhos, lhe dando um olhar sombrio, mesmo quando ele sorria. Suas roupas eram melhores do que de muitas das outras pessoas que viviam ali, mas mesmo assim pareciam mal cuidadas demais pra quem era filho do psiquiatra local. Seus ombros eram eretos e seus braços finos eram ávidos quando se mexiam. Parecia completamente relaxado para alguém que estava preso naquele lugar. Apesar de tudo isso, ele era bonito. O tipo de beleza que dava medo.

- Porque esta aqui? – perguntou a ela, quando percebeu que ela não comentaria mais nada.

- Eu... Eu não sei. Uma senhora me disse umas coisas. Só quis saber como ela sabia meu nome. – Ela deu de ombros – devo ter me exaltado, perdido o controle por um momento.

- Que senhora? – perguntou de repente.

- Não tenho ideia. Velha, cega, estava jogando alguma coisa sozinha... –

- Perto da janela? – ele a interrompeu.

- Sim. Como sabe?

- Acho que já sei porque esta aqui. – disse com uma voz profunda, sombria.

- Então me diga, oras! – a garota exigiu, se sentindo incomodada por conversar com aquele cara estranho.

- A senhora Elizabeth, com quem conversou, esta aqui no Linda Vista há mais de 20 anos. Desde que chegou aqui, - ele fez uma pausa prolongando o suspense do momento – ela nunca disse uma palavra. A senhora Elizabeth é muda.


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Notas finais do capítulo

Primeiro capitulo ja animadinho, huh?
Me diz ai se gostou, ja tenho alguns capítulos prontinhos pra postar, só depende de vocês!



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