Três dias se passaram, e os gestos nervosos, seguidos da inquietação de Near continuaram os mesmos. Pareciam até mesmo ter aumentado, ele estava cada vez mais preocupado, e pálido também. Parecia levemente mais magro, estava quase... Doente. Nunca fora a imagem de um garoto saudável, é claro, mas agora certamente parecia mais abatido do que nunca.

E Mello percebera rapidamente, antes do que qualquer outra pessoa pudesse. Alguma coisa estava muito errada. O loiro observava Near sempre que tinha a chance de vê-lo, e suas reações eram as mesmas toda vez:

— Ele sequer tocou na comida. — Mello tocou o braço de Matt com o cotovelo — Viu? Faz uma hora que ele tá ali, sentado, sem comer nada.

— Hmm... — Matt continuou a jogar algum jogo em seu PSP — Isso não é lá grande novidade, na verdade, eu sempre suspeitei que ele se alimentasse de luz ou algo do tipo.

Um sorriso surgiu no rosto de Mello com a piada boba, mas logo o foco se voltou ao pequeno garoto de cabelos brancos do outro lado do refeitório. Near mexia na comida em movimentos circulares, piscava numa frequência mínima e mal se movimentava, parecia um pequeno robô programado para repetir um mesmo gesto milhões de vezes. Ele tinha olheiras enormes sob os olhos, que pareciam cada vez maiores e mais semelhantes as de L. Por um segundo Mello os comparou, mas percebeu que a postura e o jeito de agir de ambos era totalmente diferente. Apenas os olhos fundos e cansados podiam ser comparados, e talvez, nem mesmo isso.

O jantar acabou alguns minutos depois, Matt levantou, sem tirar os olhos de seu videogame e deixou sua bandeja de comida para trás, como sempre. Mello revirou os olhos e pegou seus restos e o do amigo, dirigindo-se até a bancada mais próxima para que pudesse deixar os pratos ali. O refeitório estava vazio, a não ser por ele e Near, que se recusava a levantar, continuando seus movimentos circulares com a comida, brincando com ela de maneira... Estranha.

“Bizarro.” Mello pensou, enquanto passava pela porta e procurava pelo ruivo, que provavelmente fora até algumas das salas de recreação ou seu quarto, não existiam muitas opções no orfanato, mas mesmo assim Mello teria que se esforçar um pouco para achar o amigo que o deixou para trás. “Aquele idiota, sempre sumindo.” Bufou e seguiu com sua busca.

Matt parecia ter escolhido um momento péssimo para sumir, e um lugar ótimo para se esconder, já que apesar das várias tentativas (falhas) de encontra-lo, seu melhor amigo não achara sequer uma pista dele antes que o sinal anunciando a hora de voltar aos quartos tocasse. O loiro estava com raiva, não só por ter perdido os últimos momentos em que poderiam passar juntos e fazer alguma coisa produtiva, como também estava com raiva pela falta de consideração do amigo em simplesmente sumir.

“Merda.” Mello disse ao ouvir o segundo sino. Se demorasse demais e algum monitor o visse no corredor, poderia ter algum problema. Andou pelos corredores depressa, tentando ainda sim parecer o mais natural possível, e não desesperado. De repente, algo o fez desacelerar os passos. Uma voz um pouco alta demais para aquele horário fazia uma ameaça:

— Você não quer que os outros saibam, quer? — A voz perguntou com um tom sério e ameaçador.

O loiro se aproximou, vendo duas sombras no final do corredor. Seu quarto estava a apenas duas portas de distância, ele poderia simplesmente entrar e ignorar aquela cena, mas a curiosidade era maior. Aproximou-se tentando não fazer barulho, apenas viu a silhueta menor assentir, enquanto a maior cruzava os braços:

— Ótimo. — Então o mais alto estendeu o que parecia ser uma pilha de livros para o menor. — Já sabe o que fazer. Me encontre amanhã, quero tudo pronto. — A silhueta menor agarrou os livros, com certa dificuldade. — E eu sei que você não é idiota, conhece muito bem as consequências de não obedecer.

E mais uma vez, o menor assentiu. Mello não entendeu bem a situação, a princípio. O maior, seja lá quem fosse, foi embora e avançou pelas sombras do corredor. A menor foi na direção oposta, e logo, Mello pôde ver quem era a pequena figura escondida sob as sombras momentos antes.

Near podia ser um garoto frágil, pequeno e com certeza não era o tipo de pessoa que sabia se defender muito bem, mas também não era submisso como se podia pensar. Ele nunca fora visto aceitando algo, mesmo uma ameaça, tão facilmente. Mello e Near trocaram um olhar rápido enquanto Near acelerava o passo e tentava se livrar daquela situação.

“O que diabos... Foi isso?” O loiro pensou por alguns instantes, e então, abriu a porta do quarto. “Não faz sentido.” Disse para si mesmo enquanto se jogava na cama e se perdia em pensamentos.