Never More escrita por Biafloss


Capítulo 1
Capítulo 1




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O Corvo

Meia-noite estava eu cansado, meio a cochilar meio a tosquenejar na minha poltrona, vários papéis e documentos antigos estavam espalhados pelo chão e memórias antigas surgiam em minha mente, quando um toque na porta soa como um despertador baixo, mas sonoro o bastante para acordar. Achei estranho ter alguém à porta, porém, devia ser alguém precisando de algo. Há de ser isso, pensei, nada de mais... Antes de abrir a porta, as mesmas recordações antigas e dolorosas de agora pouco invadiram minha mente num súbito sobressalto levaram-me ao passado.

No mês de dezembro, eu estava sentado numa poltrona, um jovem afundado em dor, enquanto lia livros procurando um alívio que nunca haveria de chegar, pois Lenora havia morrido. Pobre Lenora... E novamente a tristeza e o suplício vieram querendo apoderar-se de mim... Tenho de atender a porta, voltei à terrível realidade, forcei-me a levantar. Deve ser visita amiga, alguém a pedido de abrigo. Deixei o conforto da poltrona, e formulei em minha mente o possível pedido de desculpas. Abri a porta e encarei a escuridão, a noite jazia silenciosa e inóspita. Olhando minuciosamente, perscruto a escuridão, sinto medo à frente daquele silêncio, tão somente quieto digo: Lenora; um sussurro minguado e triste. Ao invés de uma resposta apenas o eco da minha fala a sibilar. Entro, sem demora, batendo a porta as minhas costas, uma excitação de minha alma, e logo outra pancada. Olhei para a portinhola, incrédulo voltei-me para a janela ao lado. Certamente haveria de ser dali as pancadas, haja vista que não tinha ninguém à porta. Com certeza nada para causar preocupação, deveria ser o vento apenas. Logo, abri a janela e de maneira inesperada, um espectro adentra no recinto com o porte de um senhor (ou senhora). As asas negras tamborilavam até encontrar pouso em um dos meus portais. Fiquei a observar aquela ave escura e tenebrosa de aspecto medonho, com postura austera, até que um pensamento atravessou a minha mente, triste e louco, mas mesmo assim um pensamento: Será que essa ave veio dar algum aviso do além? Será a alma encarnada de algum ente querido? Dirige-me a ave e perguntei-lhe seu nome, inesperadamente, esta mesma ave retorquiu: Nunca mais. Impressionado, espantado, até estupefato com tal atitude, e ainda altamente surpreso pela ave replicar, cismei na frase enigmática dita pelo corvo ao pronunciar algumas sílabas: - Nun-ca ma-is.

O que no meio da noite soaria mais estranho? Uma ave medonha e negra invadir minha habitação? Ou no momento em que pergunto seu nome, mais estranho do que me responder, a maldita lançar-me as palavras: Nunca mais?!

Com impertinência sujeitei a ave, porém a mesma só respondia – nunca mais – não dizia outra coisa e ficava imóvel. Incomodado, andei em círculos, murmurei pelas perdas de minha vida, gritei: Talvez no amanhã também perderia mais. No entanto o corvo dizia a frase: Nunca Mais. Estremeço-me de pronto. Tão sensato! Atentei-me para o corvo, talvez essa lhe era a ciência aprendida, talvez seu mestre sem repouso de seus cantos lhe dizia a cantiga: Nunca mais. E esta lhe era como refrão na memória. Pela segunda vez um pensamento traspassa minha mente, surgindo uma ideia sobre o corvo. Decidi: sentar-me-ei na poltrona a noite toda de frente ao corvo até desvendar o enigma de tais palavras, pois não é por acaso que esta veio bater a meia-noite em minha janela.

Passando o tempo, sentado por horas fiquei devaneando, meditando e pensando em tais palavras que poderiam colocar fim em lacunas abertas. Até que conjeturei que o ar estava mais pesado por razão de um incensário invisível, distribuindo incenso. Obra de um serafim, oras! Exclamei aliviado que pudera um Deus invisível ter enviado um repouso à dor que me devorava desde a morte de Lenora, e que agora poderia esquecê-la. A ave obscura disse-me: Nunca mais. Olhei-a procurando conforto e disse-lhe: Seja tu profeta, ave ou demônio, talvez viesse do inferno, ou escapado de um naufrágio, ou veio para fugir de uma chuva... Tanto faz! Diga-me, nesta casa há um horror demasiado, acaso existe um bálsamo no mundo para isso? Nunca mais, respondeu o corvo. Desesperado ainda clamei a ave: Profeta, ave ou demônio, Sendo profeta, tu me escutas, atendes seja por esse céu ou pelo Deus que nós adoramos, diga-me, se ainda podes me escutar, no jardim celeste uma virgem posta a chorar em seu período de morte, nos quais os anjos chamam por Lenora... Nunca mais, insistentemente replicou o corvo. Sem a resposta que eu desejava proferi a ave anátema: Ave ou demônio, profeta, seja o que for! Pare! Pare com isso! Exclamei com indignação. Vá embora! Volte até a chuva que escapou fugida, deixe-me sozinho. Vai e não fique mais aqui, não será este mais o seu abrigo. Não deixe sequer uma pluma, para que me lembres de tu e das tuas mentiras. Quero arrancar do meu peito essas palavras que abriram a minha ferida novamente. Nunca mais... retrucou o corvo. Horrorizado fiquei.

A noite continuou escura e fúnebre, a ave, parada sobre os portais, obstinada semelhante a um demônio ficou a me encarar. A luz do lampião pendia sobre o corvo desgostoso. Ao chão as sombras que flutuavam e no recinto minha alma chorava com a certeza de que não sairia jamais.


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Notas finais do capítulo

O corvo

Edgar Allan Poe
Tradução: Machado de Assis
Em certo dia, à hora, à hora
Da meia-noite que apavora,
Eu, caindo de sono e exausto de fadiga,
Ao pé de muita lauda antiga,
De uma velha doutrina, agora morta,
Ia pensando, quando ouvi à porta
Do meu quarto um soar devagarinho,
E disse estas palavras tais:
"É alguém que me bate à porta de mansinho;
Há de ser isso e nada mais."

Ah! bem me lembro! bem me lembro!
Era no glacial dezembro;
Cada brasa do lar sobre o chão refletia
A sua última agonia.
Eu, ansioso pelo sol, buscava
Sacar daqueles livros que estudava
Repouso (em vão!) à dor esmagadora
Destas saudades imortais
Pela que ora nos céus anjos chamam Lenora.
E que ninguém chamará mais.

E o rumor triste, vago, brando
Das cortinas ia acordando
Dentro em meu coração um rumor não sabido,
Nunca por ele padecido.
Enfim, por aplacá-lo aqui no peito,
Levantei-me de pronto, e: "Com efeito,
(Disse) é visita amiga e retardada
Que bate a estas horas tais.
É visita que pede à minha porta entrada:
Há de ser isso e nada mais."

Minh'alma então sentiu-se forte;
Não mais vacilo e desta sorte
Falo: "Imploro de vós, — ou senhor ou senhora,
Me desculpeis tanta demora.
Mas como eu, precisando de descanso,
Já cochilava, e tão de manso e manso
Batestes, não fui logo, prestemente,
Certificar-me que aí estais."
Disse; a porta escancaro, acho a noite somente,
Somente a noite, e nada mais.

Com longo olhar escruto a sombra,
Que me amedronta, que me assombra,
E sonho o que nenhum mortal há já sonhado,
Mas o silêncio amplo e calado,
Calado fica; a quietação quieta;
Só tu, palavra única e dileta,
Lenora, tu, como um suspiro escasso,
Da minha triste boca sais;
E o eco, que te ouviu, murmurou-te no espaço;
Foi isso apenas, nada mais.

Entro co’a alma incendiada.
Logo depois outra pancada
Soa um pouco mais forte; eu, voltando-me a ela:
"Seguramente, há na janela
Alguma cousa que sussurra. Abramos,
Eia, fora o temor, eia, vejamos
A explicação do caso misterioso
Dessas duas pancadas tais.
Devolvamos a paz ao coração medroso,
Obra do vento e nada mais."

Abro a janela, e de repente,
Vejo tumultuosamente
Um nobre corvo entrar, digno de antigos dias.
Não despendeu em cortesias
Um minuto, um instante. Tinha o aspecto
De um lord ou de uma lady. E pronto e reto,
Movendo no ar as suas negras alas,
Acima voa dos portais,
Trepa, no alto da porta, em um busto de Palas;
Trepado fica, e nada mais.

Diante da ave feia e escura,
Naquela rígida postura,
Com o gesto severo, — o triste pensamento
Sorriu-me ali por um momento,
E eu disse: "O tu que das noturnas plagas
Vens, embora a cabeça nua tragas,
Sem topete, não és ave medrosa,
Dize os teus nomes senhoriais;
Como te chamas tu na grande noite umbrosa?"
E o corvo disse: "Nunca mais".

Vendo que o pássaro entendia
A pergunta que lhe eu fazia,
Fico atônito, embora a resposta que dera
Dificilmente lha entendera.
Na verdade, jamais homem há visto
Cousa na terra semelhante a isto:
Uma ave negra, friamente posta
Num busto, acima dos portais,
Ouvir uma pergunta e dizer em resposta
Que este é seu nome: "Nunca mais".

No entanto, o corvo solitário
Não teve outro vocabulário,
Como se essa palavra escassa que ali disse
Toda a sua alma resumisse.
Nenhuma outra proferiu, nenhuma,
Não chegou a mexer uma só pluma,
Até que eu murmurei: "Perdi outrora
Tantos amigos tão leais!
Perderei também este em regressando a aurora."
E o corvo disse: "Nunca mais!"

Estremeço. A resposta ouvida
É tão exata! é tão cabida!
"Certamente, digo eu, essa é toda a ciência
Que ele trouxe da convivência
De algum mestre infeliz e acabrunhado
Que o implacável destino há castigado
Tão tenaz, tão sem pausa, nem fadiga,
Que dos seus cantos usuais
Só lhe ficou, na amarga e última cantiga,
Esse estribilho: "Nunca mais".

Segunda vez, nesse momento,
Sorriu-me o triste pensamento;
Vou sentar-me defronte ao corvo magro e rudo;
E mergulhando no veludo
Da poltrona que eu mesmo ali trouxera
Achar procuro a lúgubre quimera,
A alma, o sentido, o pávido segredo
Daquelas sílabas fatais,
Entender o que quis dizer a ave do medo
Grasnando a frase: "Nunca mais".

Assim posto, devaneando,
Meditando, conjeturando,
Não lhe falava mais; mas, se lhe não falava,
Sentia o olhar que me abrasava.
Conjeturando fui, tranqüilo a gosto,
Com a cabeça no macio encosto
Onde os raios da lâmpada caíam,
Onde as tranças angelicais
De outra cabeça outrora ali se desparziam,
E agora não se esparzem mais.

Supus então que o ar, mais denso,
Todo se enchia de um incenso,
Obra de serafins que, pelo chão roçando
Do quarto, estavam meneando
Um ligeiro turíbulo invisível;
E eu exclamei então: "Um Deus sensível
Manda repouso à dor que te devora
Destas saudades imortais.
Eia, esquece, eia, olvida essa extinta Lenora."
E o corvo disse: "Nunca mais".

“Profeta, ou o que quer que sejas!
Ave ou demônio que negrejas!
Profeta sempre, escuta: Ou venhas tu do inferno
Onde reside o mal eterno,
Ou simplesmente náufrago escapado
Venhas do temporal que te há lançado
Nesta casa onde o Horror, o Horror profundo
Tem os seus lares triunfais,
Dize-me: existe acaso um bálsamo no mundo?"
E o corvo disse: "Nunca mais".

“Profeta, ou o que quer que sejas!
Ave ou demônio que negrejas!
Profeta sempre, escuta, atende, escuta, atende!
Por esse céu que além se estende,
Pelo Deus que ambos adoramos, fala,
Dize a esta alma se é dado inda escutá-la
No éden celeste a virgem que ela chora
Nestes retiros sepulcrais,
Essa que ora nos céus anjos chamam Lenora!”
E o corvo disse: "Nunca mais."

“Ave ou demônio que negrejas!
Profeta, ou o que quer que sejas!
Cessa, ai, cessa! clamei, levantando-me, cessa!
Regressa ao temporal, regressa
À tua noite, deixa-me comigo.
Vai-te, não fique no meu casto abrigo
Pluma que lembre essa mentira tua.
Tira-me ao peito essas fatais
Garras que abrindo vão a minha dor já crua."
E o corvo disse: "Nunca mais".

E o corvo aí fica; ei-lo trepado
No branco mármore lavrado
Da antiga Palas; ei-lo imutável, ferrenho.
Parece, ao ver-lhe o duro cenho,
Um demônio sonhando. A luz caída
Do lampião sobre a ave aborrecida
No chão espraia a triste sombra; e, fora
Daquelas linhas funerais
Que flutuam no chão, a minha alma que chora
Não sai mais, nunca, nunca mais!



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