Previsões escrita por Lady Freak


Capítulo 1
Previsões




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PREVISÕES

Quando respirou fundo, tentando conter a ansiedade e o nervosismo, acabou por sentir um leve cheio de maquiagem que pairava no ar, por conta dos toques e retoques que estavam a ser feitos em seu rosto. No mesmo instante, passou-lhe pela cabeça a vergonha que sentiria no caso de sua maquiagem estar muito carregada. A assistente, que estava a passar por ali, devia ter lido os seus pensamentos, já que comentou:

- Não te deves preocupar. Estamos a usar cores leves, apenas para que não pareças pálida. – Disse com uma voz fina.

Ela sorriu ao ouvir as palavras, e repetiu mentalmente “não te deves preocupar”.

Oh, mas bem sabia ela que muitos dos nossos sentimentos são impossíveis de serem controlados. Aquele, provavelmente, seria um destes. Abriu os olhos e observou aquele cenário em que se encontrava. Era uma luxuosa sala de estar, com duas poltronas estrategicamente posicionadas, uma mesa de centro arredondada, quadros nas paredes, e perto dela um copo de água. Fixou os olhos na água, e não se quis dar ao trabalho de reparar em mais nada dali.

Nisso, entrou pelo outro lado daquele cenário projetado uma mulher elegante, acompanhada de quatro ou cinco pessoas. Ela tinha os cabelos curtos e extremamente claros, era muito bonita. Beirava a idade dos cinqüenta e tantos anos, mas quem adivinharia isso, sem saber das plásticas que havia feito? Aproximou-se com um sorriso nos lábios e exclamou, empolgada:

- Elyon Somniare! – Apertaram as mãos. – É um prazer conhecer-te.

- O prazer é todo meu! – Elyon respondeu cordial.

Foi aí que ela percebeu um erro gravíssimo para qualquer pessoa que estivesse em seu lugar: havia esquecido o nome daquela mulher!

- Era só o que me faltava. – Pensou ela condenando o nervosismo que a deixara cair nessa situação. – Esquecer o nome de uma das mais importantes apresentadoras de entrevistas do país!

Perguntar o nome da mulher agora seria uma gafe enorme, e perguntar durante a entrevista seria pior ainda. Pensou em saber através da maquiadora, mas então reparou que ela já havia saído de lá. Tentou consolar a si mesma, pensando que se aquela mulher não fosse quem fosse, provavelmente também não saberia o seu nome.

Todos rodearam a jornalista na poltrona branca, alguns lhe trazendo comida, arrumando-lhe o cabelo, outros lhe diziam para onde olhar durante a entrevista e das últimas alterações feitas nas perguntas.

Olhando aquela cena, Elyon viu naquela mulher uma espécie de boneca Barbie, sendo alimentada, maquiada, e assim por diante. Condicionada a ser perfeita, levando o mérito pelo trabalho dos outros. Vivendo uma mentira. Quase sentiu pena. Quase.

Últimos retoques. Copos de água enchidos novamente. Microfones funcionando? Um, dois, três, testando. Sim. Funcionando perfeitamente. Você está pronta, Elyon?

- Sim. – Ela disse mais pra si mesma do que para o homem que lhe perguntava. – Estou pronta.

Tinha certeza que poderia disfarçar, e não precisaria falar o nome da jornalista durante a entrevista.

Foi então que imaginou a mulher lhe olhando e dizendo seriamente: “Ok, primeira pergunta: qual é o meu nome?”. Mas que diabos, pára de divagar, auto-recomendou-se.

- Sei que tu ainda não destes muitas entrevistas, querida. – A mulher disse, simpática. - Mas acredita, vai dar tudo certo.

- Certo. Podes deixar. – Elyon disse tomando um pouco de água.

- Ok, cinco segundos. – Disse um dos homens que estava perto da câmera.

Cinco.

Outro gole de água.

Quatro.

Coração acelerado.

Três.

Respira fundo.

Dois.

Coloca o copo d’água no lugar.

Um.

É agora ou nunca.

- “Dá-me o teu sangue e dar-te-ei a vida eterna". Essa frase, escrita por uma universitária, e que hoje roda o mundo com mais de dez traduções, promete ser apenas uma, entre tantas outras que virão a marcar gerações. Converso hoje com a autora: Elyon Somniare. – Disse com uma voz límpida, enquanto sorria para a câmera. – Boa noite, Elyon.

- Boa noite. – Ela respondeu, educadamente.

- Perdoa-me por começar dessa forma, mas eu realmente gostaria de enfatizar sobre um dos teus mais famosos livros, reconhecido em vários lugares do mundo, ter sido uma criação dos teus tempos de faculdade, quando tinhas por volta dos teus vinte e poucos anos. Fala-me mais sobre a criação desta obra, intitulada “Crepúsculo”.

- Inicialmente eu queria algo como “rápida escrita, rápida leitura”. Colocava capítulos curtos em sites da internet e podia receber comentários sobre eles. Com o tempo percebi que, ao contrário do que eu imaginava, tendo capítulos curtos, precisava ser cuidadosa com as palavras escolhidas para transmitir as sensações desejadas. Mesmo perdendo um pouco dessa “leveza”, tudo o que foi feito na época valeu a pena.

- Eu imagino! E garanto que estás muito feliz com o resultado dos teus esforços, afinal, o teu livro vem se tornando num sucesso. Já tinhas esta idéia?

- De jeito nenhum. Sempre disse que fama era algo que eu almejava pouco. Sempre quis ser escritora, isto é certo. E conseguir publicar o meu primeiro livro antes dos meus dezoito anos, com o auxílio de uma amiga, foi realmente a realização de um sonho, um passo enorme para rumo ao que eu mais queria na vida. - Elyon falava tudo com empolgação e informalidade, perdendo a timidez.

- Que bom. – A jornalista deu uma olhada em seus papéis, parecia estar com medo de perder o fio das perguntas que necessariamente precisava seguir. – Elyon, tu já disseste em certa ocasião que, na verdade, “Crepúsculo” não tinha objetivo de publicação. Por que isso?

- Porque na época em que foi escrito, estava-se no auge do assunto. Todos estavam interessadíssimos em vampiros. Stephanie Meyer publicou um livro, também intitulado “Crepúsculo”, em 2005. E enquanto esse livro estava no auge de sua popularidade eu, timidamente, escrevia o “meu” Crepúsculo.

Elyon não se sentia muito a vontade falando da obra de S. Meyer dessa forma, numa entrevista, não achava convenientes as comparações que seriam feitas dos dois livros. Mas sabia que teria de se acostumar com isso.

- Mas, convenhamos, os livros de vocês abordam o tema de maneiras bem diferentes.

Vendo onde a jornalista queria chegar, e para encurtar a conversa, Elyon confessou:

- Sim, os delas são púberes ousados, apaixonados, é algo de um romantismo interessante. – Sorriu. - Os meus são gays.

A jornalista pareceu não achar graça nisso. Elyon chegou a ter a impressão que ela estava a ser irônica quando perguntou:

- Tens certeza que, na verdade, não querias publicar a tua obra por teres medo de seres julgada erroneamente?

- Não, pelo contrário, penso que a sociedade deveria livrar-se dos preconceitos que possui, principalmente sobre esse tipo de assunto.

Elyon sentiu um arrepio percorrer-lhe a espinha. Uma sensação de estar a ser observada fez com que, inquietamente ela olhasse para os lados, apenas com os olhos. A entrevistadora continuou:

- Não achas que, com todo o respeito, estás a trazer certa perversidade ao assunto, ao invés de estares a trazer a questão da aceitação?

- Não. Por quê? – Disse, parecendo mais interessada em procurar alguém em meio à equipe, do que em prestar atenção as perguntas feitas.

- Ora, porque os teus vampiros têm muitos aspectos perversos e impiedosos.

- Mas eles são vampiros, não há como ser diferente.

- Sim, mas eles são... gays.

- E qual seria a diferença se eles fossem heteros? – Disse, visivelmente incomodada.

Antes que a jornalista pudesse responder a qualquer coisa, um grito angustiado de dor foi ouvido de um lado do estúdio, chamando a atenção de todos que se faziam presentes. Um homem caiu no chão com um enorme impacto. O corpo de bruços, o rosto virado para o lado em que se encontravam. Os olhos, bem abertos, observavam o nada.  Estava morto.

Um grito aterrorizado foi dado pela entrevistadora. Elyon levantou-se, sentindo a adrenalina percorrer-lhe o corpo. O que foi isso?

Outros gritos, agora fora o homem por trás da câmera que caíra. Simplesmente desabavam no chão, sem vida. Elyon olhou para o fundo do cenário e reparou em mais duas mulheres no chão, cada qual com uma respectiva possa de sangue, perto da cabeça, manchando seus rostos pálidos. Viu que uma delas era a que a havia maquiado antes do programa começar.

Num impulso virou o rosto para o lado. A entrevistadora, ainda sentada, tinha os olhos arregalados a quererem sair de órbita, cheios de terror. Enquanto Elyon estava cheia de adrenalina, a mulher parecia paralisada.

O que fez o coração dela quase parar foi à presença inesperada de um homem, atrás da cadeira da entrevistadora. Ele era atraente, e sorria, exibindo dentes brancos perfeitos. Um par deles era diferente. Pontudos e longos. Verdadeiras presas.

Em um piscar de olhos, as presas já não eram mais tão brancas assim, eram vermelhas. E estavam enterradas no pescoço da mulher. Elyon olhou em volta, toda a equipe caída no chão. E ao redor dos corpos dos mesmos, algumas pessoas. Todas extremamente bonitas, usando roupas negras que contrastavam com suas peles pálidas.

Teve o seu olhar voltado para o chão, onde viu a entrevistadora caída. Uma boneca Barbie em meio a um possa de sangue. Os olhos que antes eram cheios de terror, agora estavam cheios de nada. Estava morta. E Elyon viu-se sozinha, em meio àquelas pessoas:

- Merda, Elwood! – Ela disse, quase aos berros. – Achei que tinha deixado claro que eu não queria nenhuma interrupção desta vez.

- Essa mortal sequer merecia a tua atenção. – Ele disse, dando uma olhada para o chão. – Tu bem sabias disso.

Elyon respirou fundo. Sabia sim.

- Por acaso, esqueceste-te do nome dela? – Perguntou Derick, sem esconder o gozo.

Elyon não respondeu. Apenas se virou e encarou os olhos de Ethan, que não conseguiam esconder o seu sentimento de culpa. Ela bem sabia que, entre as suas ordens e as de Elwood, infelizmente, ele acabaria sempre por obedecer àquelas dadas pelo vampiro.

Suspirou.

- Pois bem, dêem um jeito nesses corpos. – Ela finalmente disse. –E garanto-vos que, dá próxima, hei de arranjar correntes para vos amarrar aos três juntos!

Elwood olhou para Ethan, e com um tom malicioso disse:

- Nem me parece uma idéia tão ruim assim.

 

--

 

Notas da Autora:

Como não podia colocar no início, então, vamos comentar agora que, Ethan, Derick, e Elwood são personagens de Crepúsculo (não o da Meyer), logo, não me pertencem.

Que coisa triste numa história original! De original temos quase nada, mas paciência. Não haveria categoria existente.

Confesso que tentei fazer as falas no português de Portugal. Deve estar parecendo uma "conversa de velhas", como diria minha amiga Katarina, mas vamos dar uma colher de chá, não? Bem, agora deve estar um pouco melhor já que a Ely me deu uma ajuda na adaptação da lingua.

Oh, e para os curiosos, a capa tem um copo de água, pura e simplesmente por conta do seguinte trecho: Fixou os olhos na água, e não quis se dar ao trabalho de reparar em mais nada dali. - Por algum motivo, achei este trecho simpático.

E Ely, desculpe no caso de uma mudança radical de personalidade (tanto sua quanto dos seus personagens), mas você bem sabe como é difícil não sair dos personagens.

Feliz aniversário, Elyon!


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