Nova Era escrita por Beatriz Christie


Capítulo 1
Capítulo 1 - Os Últimos


Notas iniciais do capítulo

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A respiração lenta. Meus batimentos cardíacos vagarosos e silenciosos, assim como os dele. Ambos preparados, sabendo que o confronto não seria fácil. Ele era grande, um dos maiores que já cacei. Três metros, talvez, mas meus 1,80 metros foram treinados para coisas até maiores desde os 7 anos.
Mãos firmes, segurando o machado nos dois pontos chave para lançá-lo direto na cabeça. Sem hesitar ergui os braços, mas antes que pudesse lançar, um som agudo cortou o ambiente silencioso, fazendo o imenso urso polar correr e desaparecer em meio as montanhas brancas.
– Droga, Meerik! - gritei, saindo de trás das pedras onde eu me escondera e olhando em volta. Eu sabia que ela estava ali. Reconheceria a melodia daquela flauta em qualquer lugar.
Um vento passou e nada de ela aparecer. Cada vez mais eu ficava mais nervoso. Ela já tinha 6 anos e, apesar de ser como minha irmã e eu amá-la, Meerik já estava com idade suficiente para ouvir as verdades sobre nossa situação. Aquele urso se tornara cada vez mais e mais raro de aparecer. A pele para nos aquecermos se tornara escaça e aquela brincadeira nos deixaria um pouco mais congelados e famintos.
Vários desníveis de neve branca por todos os lados, era um lugar ótimo para se esconder e irritar alguém. Ela geralmente aparecia logo depois de espantar minha caça com aquela flauta maldita, mas naquela manhã foi diferente.
– Quando te encontrar, você vai ficar sem essa flauta durante a noite toda! - nenhum sinal - Todos os 6 meses da noite! - completei. Silêncio.
Saí andando, pisando fundo na neve rumo ao nosso vilarejo.

Eu vivia em uma cabana, sozinho. Meerik vivia em outra, com Ayla, desde que a mãe delas adoecera e partira. Partira para o céu, pois aqui não há outro lugar além do céu para ir. Adoecer era fatal. Ficar forte era importante, já que o frio é cruel com os sadios e impiedoso com os fracos. Elas nunca conheceram o pai.
– Como foi? - a Mãe perguntou, com um sorriso traiçoeiro Ela era uma senhora que nunca tivera filhos, mas cuidava de todos aqueles que não tinham mãe. Eu era um deles - Meerik novamente? - ela já sabia a resposta.
Sempre conseguia ler minhas expressões, mesmo com aqueles panos que protegiam metade do meu rosto. Retirei-os para falar melhor, agora que estavamos protegidos dentro do grande abrigo.
– Era um urso! Um urso de uns três metros! - esbravejei - E ela fez com que ele fugisse. Maldita hora em que você fez aquela flauta.
– Não é culpa dela se você não é ágil. - Ayla surgiu atrás de mim e tirou das costas a enorme lança cheia de sangue do leão marinho que dois homens da colônia colocaram no chão.
– Você conseguiu um bem grande hoje, heim?! - a Mãe elogiou Ayla.
– Alguns conseguem, outros são o Darion. - ambas começaram a rir de mim.
– Não fui eu quem fiquei em segundo lugar na cotagem do mês passado. - provoquei.
– Mas ficará neste. - ela sorriu.
– Sim, se sua irmã continuar me atrapalhando. - apertei os olhos e tirei o capuz de pele de leão da montanha, deixando amostra meus cabelos desgrenhados - Espere, isso é uma estratégia?
Ela gargalhou e também retirou seu gorro de pelos negros.
– Acha que estou mandando-a para atrapalhá-lo?
– Você faria isso. - a Mãe deu uma risadinha.
– Mãe! - Ayla protestou.
– Uma mãe conhece seus filhos. - ri sarcástico - Cuide da sua irmã, então veremos quem caça melhor.
– Sem brigas! Precisamos de calor humano aqui. - a velha aproximou-nos em um abraço grupal e todos os velhos que despelavam os animais mortos riram.
– Mãe, onde está Meerik? - Ayla perguntou.
– Está quase na hora, Stil espera vocês na grande montanha. Vão.
– Mas..
– Assim que a ver, mandarei para a montanha. Você sabe que ele odeia que se atrasem neste dia.

O grande abrigo era uma grande construção feita de metal, que há muito havia sido encoberta pela neve e agora parecia mais uma montanha. Passaria despercebida, se não fosse pelas centenas de barracas cobertas de pele construída em volta dela. Dentro do grande abrigo viviam apenas os idosos, doentes e crianças. Guardávamos também a caça, pois deixá-las do lado de fora atrairía muitos predadores. Todos os trabalhos com a carne e tratamento da pele eram feitos lá dentro, então não era uma ambiente muito cheiroso para se querer viver. Há uma lenda sobre como nosso grande abrigo fora parar alí e nesta noite, ela será contada, como acontece todos os anos durante o Sol-Da-Meia-Noite.
Ayla e eu corremos montanha acima, tentando ver quem chegava mais rápido. Até que ela pisou em uma montanha de neve macia demais e caiu. Fingi cair também, para esperá-la. Então, voltamos a correr.

O velho Stil já estava sentado no topo da montanha, cercado por mais de 20 jovens e 3 crianças com suas roupas de peles de diversos animais, sentados de cabeça baixa. As crianças com olhar atento para o velho que encarava o chão, pensativo. Todos nós tinhamos muita expectativa para nossa primeira cerimônia do Sol-da-Meia-Noite, eu também tive na minha primeira vez, mas com o passar dos anos foi se tornando um martírio. Era todos os anos as mesmas histórias sobre como a humanidade destruiu o mundo, sobre como tinhamos terras verdes e frutíferas e agora estávamos aqui, presos nesse lugar frio. Morto.
– Já estão todos aqui? - ele falou levantando a cabeça, como se tivesse sido despertado.
– Sim. - uma garota respondeu.
– Muito bem. - ele falava baixo e a máscara dificultava ainda mais. Todos nós usávamos máscaras contra o frio, mas ele era o único que nunca a tirava. Elas cobriam nosso rosto, deixando apenas os olhos á vista.
– Estou com uma sensação estranha. - Ayla sussurrou ao meu lado.
– Sim, algo está diferente.
– Todos vocês cresceram aguardando a noite em que seriam chamados para esta cerimônia. Dou as boas vindas aos que acabaram de completar uma década e por isso estão aqui. - ele olhou as crianças assustadas. - Saudo também aqueles que já conhecem nossa história. - ele ficou alguns segundos nos encarando. Stil levava a sério a história de nosso povo, assim como a maioria de nós. - Gostaria de poder dizer o que digo todos os anos, que não há o que temer, mas não posso.
"Eu sabia", Ayla sussurrou.
O clima na cerimônia geralmente era de expectativa, mas nesta noite até mesmo os veteranos estavam aflitos, aguardando Stil, que parecia totalmente disperso. Aquilo não fazia seu gênero. Ele era um homem solitário, frio, bem calculista. Havia me ensinado tudo que sei sobre caça e sobrevivência. Vê-lo confuso não era algo normal para eles, que não faziam ideia do que estava acontecendo. Mas eu sabia.
– Meus pais habitaram o velho mundo. Um mundo rico. Cheio de vida e fartura. Havia árvores com frutas... - ele parou abruptamente para explicar, lembrando que não teríam como saber o que aquilo era - Eram coisas pequenas e doces, coisas que vocês jamais experimentarão. Cresciam em árvores. Havia também imensidões verdes, com plantas e flores coloridas em lugares onde as pessoas não precisavam usar tantas camadas de roupa. Onde você poderia tomar banho sem correr o risco de perder seu pinto. - ele completou com asco - Perdão. - Stil não sabia sorrir muito bem, mas o fez para as crianças que davam risadinhas - Era uma vida boa, mas como vocês sabem, eles não fizeram um bom trabalho.
– Meu sonho é ver uma flor. - Ayla murmurou - Minha mãe falava muito sobre elas, porque a mãe dela também falava.
– E provavelmente você falará para os seus filhos, mas assim como você, eles jamais as verão. - Stil respondeu, direto, como sempre.
– Não pretendo ter filhos. - Ayla rebateu dura.
– Sabia decisão. - ele concluiu - Prosseguindo com nossa história... Os homens do antigo mundo o destruíra com poluição, desmatamento. Sugaram o máximo que puderam da Terra, até que a natureza revoltou-se e começou a destruí-los. Chovia por meses, então pelos meses seguintes eram castigados por altas temperaturas. Dizem que ondas gigantes derrubaram cidades, de uma só vez. A terra tremia e engolia muitos com ela. Era o fim dos tempos, ela nos queria extintos... E podemos culpá-la?
– Então por que ainda estamos aqui? - um garotinho coberto de pelagem negra perguntou.
– Porque nossos antepassados eram pesquisadores. Eles tinham como base o que agora é nosso grande abrigo. Somos um erro, Johua. Somos Os Últimos. - Stil ficou de pé, e encarou o infinito branco além da montanha - Mas não por muito tempo.
Só eu ouvira aquela última frase? Geralmente Stil completava a lenda dizendo que nossos pais ouviram de nossos avós e que nós a contaríamos á nossos filhos, mas desta vez, ele não disse.


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Notas finais do capítulo

Espero que gostem, estou muito animada ♥Beijos



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