Algumas pessoas tiveram o privilégio de cair da cama pela manhã. Outras tiveram a maravilhosa experiência de encontrar uma surpresinha estrategicamente depositada pelo cachorro, no meio da sala. Outros, que tem uma sorte preciosa de encontrar aquele vizinho desprezível no elevador, e ele deixar “escapar” gases extremamente tóxicos, justamente quando a porta do elevador se fecha e a próxima parada parece não chegar nunca.

Eu já tive essa sorte! Eu já acorde atrasada para o trabalho e peguei o chefe em um dia ruim. Descobri que meu cachorro comeu o meu livro preferido e por isso teve uma diarreia horrível. Já fui a um encontro onde eu quase vomitei no coitado do garçom.

Também já tive meus pequenos e raros momentos de glória. Quando eu me formei no ensino médio e eu era a mais bonita da festa. Se bem que, isso só aconteceu porque as meninas da minha escola eram meio feias. Ou quando eu fui aceita na empresa de um amigo do meu falecido tio, antes de ter entrado para a faculdade. É claro que o salário que eu recebia era mínimo e eu trabalhava feito uma escrava. Ou quando o professor da faculdade me deu a nota máxima em um trabalho. Porque ninguém mais entregou o bendito do trabalho no dia combinado.

A presença ou a falta da minha sorte nunca me afetou em nada. Eu sempre lutei por aquilo que eu queria e nunca desisti dos meus sonhos! Sempre consegui o que eu queria...

Menos uma coisa...

Tudo começouem uma sexta, não me lembro da data, só me lembro de que estava feliz... Também, havia acabado de descobrir que tinha sido aceita na faculdade. Quem não ficaria feliz com isso?

Muitas pessoas também estavam felizes além de mim. O meu namorado, por exemplo, só faltava pendurar no pescoço um cartaz escrito: "Minha namorada finalmente entrou na faculdade!!" Como se isso fosse o milagre do ano...

Eu e os meus amigos, combinamos de sair para comemorar todos juntos. Fomos a uma boate, não me lembro direito do nome, só sei que não fomos os únicos a ter aquela ideia!

A casa estava lotada, quase não havíamos conseguido andar por entre a multidão. A música estava muito alta. A banda não era das melhores, mas sabia tocar sem desafinar desesperadamente.

Naquela noite eu me diverti como se a minha vida depende-se disso. Eu dancei com meu namorado até de madrugada. Foi a melhor noite da minha vida! Mas, tudo que é bom, dura pouco...

A festa ainda estava agitada quando minha turma decidiu sair para comemorar em um lugar mais tranquilo! Estávamos saindo quando, de repente, eu senti uma vontade louca de ir ao banheiro. Pedi para que fossem saindo e disse que os encontrava do lado de fora da boate.

Assim que entrei no banheiro ouvi o barulho do que seria um tiro. Por um instante, eu pensei em ligar para a policia. Mas a musica continuava, e ninguém parecia se importar... Comecei a pensar que talvez fosse apenas parte do show.

Usei o banheiro o mais rápido que eu pude. Não queria que os outros ficassem esperando muito! Lavei as mãos o mais rápido que, pois o banheiro começou a ficar com um cheiro estranho e minha visão foi ficando embaçada. Foi aí que eu vou o primeiro grito!

Algumas meninas haviam começado a entrar no banheiro, todas sujas e tossindo. Eu me lembro de ter perguntado a uma menina, que estava com mais folego que as outras, o que estava acontecendo.

A menina se apoiou em mim, mas o cheiro estava me deixando atordoada e acabei caindo com ela. Quando caímos, eu olhei para ela, pedindo uma resposta. Ela olhou fundo nos meus olhos, como se não soubesse o que me falar. Acho que nunca havia ficado tão nervosa na minha vida!

Eu comecei a tossir tanto quanto as outras. Independente do que estivesse acontecendo precisávamos sair dali! Tentei ficar de pé, mas minhas pernas tremiam descontroladas. O único pensamento que eu tinha naquele momento era “De onde vem essa fumaça?”. Eu estava assustada, não sabia o que fazer. Eu tinha que buscar ajuda ou todas nós morreríamos!

Por um único momento, eu achei que conseguiria...

Achei que conseguiria buscar ajuda... Achei que realmente poderíamos ser salvas... Eu tinha esperanças de que tudo pudesse acabar bem...

Mas, assim que saí do banheiro eu pude realmente ver o que estava acontecendo. A boate estava pegando fogo! A fumaça me impedia de ver o que estava a mais de um braço de distancia. A musica havia acabado assim como a vida de alguns colegas... Eu precisava ter cuidado para não pisar em um dos corpos largados no chão, sem o menor sinal de vida...

Eu conseguia ouvir pessoas berrando por outras, gritos de dor e desespero. Se eu pudesse eu gritava também! Mas, se eu nem conseguia parar de tossir para respirar direito, como conseguiria gritar?

E então ouve um estrondo... Pensei que fosse o teto começando a desabar sobre a minha cabeça... Os gritos diminuíram... Lembro-me de ouvir meu nome sendo chamado ao fundo... Acho que era me namorado me chamando...

E então tudo se apagou... Eu não sentia mais nada... Nem meu corpo, nem o chão... Não ouvia mais a voz que chamava meu nome... Era como se eu estivesse voando no infinito... E assim, finalmente, pude entender o sentido das palavras de um dos melhores livros que eu já li... "Acolher a morte como uma velha amiga..." Por um instante pude sentir o peso daquela sentença...

Eu estava morta, mas por algum motivo, nunca havia me sentido tão viva!