Caleb nunca sentira tanto desespero e tristeza na vida. Nem mesmo quando Beatrice havia respondido ao pai sobre a perda da mãe ou quando ela lhe disse que seu pai também havia morrido. Ele se tornara órfão porque os pais deram a vida pelos filhos que tanto amavam. Naquela oportunidade, e ele se lembra disso com asco de si mesmo, ele se aproveitou da perda para gravar fortemente em seu coração à máxima de que a facção vinha antes do sangue.

De sua família havia restado somente Beatrice e ela havia escolhido a Audácia e deveria cuidar bem de si mesma junto com o suposto namorado que não lhe inspirava simpatia. Mas ela tinha que atrapalhar-se nisso e chamar a atenção de Jeanine Mattews mais do que qualquer outra pessoa. Tinha que ser divergente a ponto de que sua confusão pendesse para três facções – Abnegação, Audácia e Erudição -, conforme ela mesma havia lhe dito em confiança. Afinal, Beatrice sempre confiaria em seu próprio irmão e não era simplesmente por possuírem um laço transcendente e eterno. Ela nunca havia entendido, pelo que Caleb pensava, mas para ela, nada ligaria as pessoas de uma forma mais permanente do que o amor. Seus olhos sempre transmitiam esse afeto puro e complacente.

Beatrice o amava, disso ele sempre esteve certo. Mesmo quando ela o ignorava, mesmo quando era rude com ele e, ainda, apesar do soco que lhe deu.

As pernas de Caleb fraquejaram e seus joelhos quase dobraram em sinal de rendição. Parecia que tudo estava acabado e ele haveria de viver com a dor e a culpa de ter traído a própria irmã que não pensou duas vezes em dar-se por completo para a segurança dele. Dos seus olhos lágrimas constantes eram lançadas, e a dor que habitava em seu peito arrependido era sufocante. O sentimento de pesar batia mais fundo e muito mais dolorido do que o único golpe físico que levara dela na vida.

Um suspiro, quiçá um gemido. Leve como o ressonar mais fraco que seu ouvido já captou.

Ela estava viva e com um levante de adrenalina, ele impulsionou o corpo vigorosamente para cima e já não andava em passos rápidos. Caleb corria com todas as forças que tinha ao mesmo tempo em que clamava aos Céus e ao Deus que seus pais ensinaram existir, pedindo que não deixasse a irmã partir. Ele precisava de Beatrice. Ele a amava e nunca mais erraria com ela. Ofereceu inclusive o que quer que Ele quisesse para que ela se curasse e voltasse a ser a garotinha impertinente e voluntariosa que ele desde seu nascimento conhecia.

Assim como água é aos sedentos, a esperança é uma necessidade para aqueles que estão inconsoláveis. Só imaginada, pela mente de quem pede em silêncio por algo, e no caso de Caleb, era ter a irmã viva novamente.

Com muito esforço e com a ajuda de Matthew que ficara para trás, procurando Beatrice em outros lugares próximos ao do incêndio, mas que reencontrara no caminho em uma condução, ele havia conseguido levar Beatrice em segurança até o setor hospitalar localizado na área antes destinada à Erudição. Ao menos isso havia lhe valido ter escolhido esta facção. Ele se moveu pelos corredores e salas com destreza, e obrigou um antigo membro que ele conhecia apenas de vista, à cuidar dos machucados de Beatrice.

Caleb se recusou a ouvir que tal ala hospitalar tinha sido destruída quando da invasão dos fiéis à Audácia quando eles se uniram aos sem-facção.

_ Faça tudo o que for necessário. Por favor, me peça o que for preciso que darei um jeito de conseguir. – Ele dizia com as mãos trêmulas. – É a minha irmã. Se não fosse por ela, nem ao menos o seu nome você se lembraria à esta hora. Você a deve isso também. – E, ao ver o corpo de Beatrice ser colocado numa maca e conduzido pelo médico, Caleb segurou o braço da enfermeira. – Esta garota é a minha família. Éramos quatro e só me restou ela. Não deixe que o médico desista, se ele o fizer... – Caleb solta aos poucos o aperto do braço da enfermeira. - Seremos dois os mortos em consequência. Eu e ela.

A enfermeira fez um breve assentimento e partiu na direção em que a maca de Beatrice sumiu. Matthew que observava toda a cena, não conseguia deixar de se solidarizar com o rapaz. Ele também perdera uma pessoa que muito amava.

_ Tris ficará bem, Caleb. Ela é a garota mais forte e teimosa que conheci em minha vida. Ela vai conseguir, você verá.

Caleb não responde, mas lhe vem à mente à ideia de que Beatrice gostaria de saber ou só sentir que Tobias estaria ali, junto dela, naquele momento.

_ Você poderia ir ou pedir para que alguém comunicasse isso para o Tobias? Acho que ele precisa saber, para o caso de... – ele se engasga com o que ia dizer, impossibilitado de expressar em palavras a sombra negra que passava em seu coração. – Para o caso dela acordar. – Ele finaliza. É muito mais fácil pensar sempre na melhor hipótese.

Matthew se levanta e sai, não sem antes dizer que qualquer coisa que precisassem de fora da cidade, ele arranjaria. Minutos transformaram-se em horas e as expectativas repousavam duras no peito de Caleb. A dor inconsolável de perder Beatrice o arrebatara soluços.

Seus olhos azuis de quando menina o cercava. Seu rostinho carrancudo aos cinco anos de idade, após cair em uma brincadeira por ela mesma inventada. Seus risinhos ao receber o abraço e a rendição instantânea do irmão. Sua face de admiração ao ouvir o irmão falar e ajudar as pessoas, seu jeito determinado, os momentos em família em torno da mesa humilde, suas palavras, suas brigas e principalmente seu amor, estavam para sempre marcados nas lembranças de Caleb.

Isso não pode ser o fim. Caleb lamenta em suas lembranças.

O pior da iminência de se perder alguém que se ama é quando se está sozinho. Caleb não tinha o conforto de um ombro conhecido. Ele enfrentou arduamente o silencio do tempo passando e conteve para si todos os gritos internos. Sua dor escorria através de lágrimas e petições não ouvidas.

_ Caleb Prior. – O seu nome dito por uma voz masculina estalou em seus ouvidos.

_ Eu! Sou eu. – Ele desperta de seus devaneios e salta de seu assento. – Como ela está? Por favor, me diga que ela está bem! – Caleb implora com os lábios trêmulos.

_ Nossa notícia não é inteiramente boa. – Ele começa. – Beatrice está estável, porém não saudável o suficiente para manter-se acordada. Durante os exames bem... Fizemos uma cirurgia e retiramos as balas alojadas, cuidamos dos ferimentos, mas tivemos um resultado parcial de seu estado psíquico e mental. – Ele encara as mãos e torna a olhar para Caleb, que não perde nenhum movimento do Doutor. – Beatrice está com Amnésia não conseguimos classificar a tempo se é Anterógrada ou Retrógrada e não sabemos ainda qual o tipo e qual sua proporção no cérebro de Beatrice, nossos equipamentos não...

_ Você disse Amnésia. Eu já li sobre isso!!! – Caleb põe as mãos trêmulas sobre a cabeça, em desespero.

_ Como falei, a maioria de nossos equipamentos foram danificados. Aguardaremos o seu despertar e, novamente, tornaremos a fazer os exames. Informaremos a você quando descobrirmos mais coisas sobre seu quadro clínico. O que eu poso dizer é que ela está, neste momento, estável.

_ Posso vê-la?

O Doutor assente e logo é acompanhado por Caleb, adentrando em uma das poucas salas que restaram intactas.