Rescuer escrita por Veritas


Capítulo 1
Um




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–Está pronta?

Sete da manhã, acordo com a voz de Cami me despertando. Ainda não levantei da cama, mas estou acordada há algum tempo.

–Eu já vou me levantar. Mais cinco minutos. - Respondi.

–Querida, - Cami entra no quarto. - Se não quiser ir hoje… eu falo com o diretor, e você vai amanhã.

–Cami, - viro para fita-la - você tem que parar de sentir pena. Todos tem que parar de sentir pena.

–O.k. - Diz ela abaixando a cabeça e observando o carpete do meu quarto.

–Estarei pronta em vinte minutos.

Ela afirma com a cabeça e então fecha a porta.

Desde o dia que tudo aconteceu, Cami foi muito boa comigo. Sempre cuidando de mim, fazendo favores e dando o melhor de si. Eu não deveria ter sido tão rude com ela, mas eu precisava. Eu não quero que sintam pena de mim, eu na verdade nuca quis.

Hoje é o primeiro dia de aula do terceiro ano, e eu não estou nem um pouco animada para o “último primeiro dia”, como diziam minhas amigas. Eu apenas quero chegar logo em casa, deitar, ler, ver tv e tudo que não envolva me relacionar com pessoas.

Faz muito tempo que não converso com alguém, evito minhas amigas desde o dia do acidente. Elas me ligaram algumas vezes, eu atendi nas primeiras vezes, mas depois recusei todas as chamadas. Todos que me conhecem e conheciam os meus pais, me mandaram mensagens de conforto, como se fizesse alguma diferença.

Eu sei que eu pareço uma idiota revoltada, mas o problema da merda da dor, é que ela te deixa fria pra cacete. Eu não queria estar assim, não queria tratar as pessoas da maneira que venho tratando nos últimos dias, mas eu não posso evitar.

Obviamente, quando as pessoas te desejam as condolências, elas desejam de coração, só que na manhã seguinte, a vida dela vai continuar sendo a mesma, e a sua… Bem, na verdade a minha, continua com aquele buraco no coração onde as pessoas que eu amo costumavam estar. Mas eles se foram… Eles se foram, e levaram parte de mim com eles. Eles levaram a parte boa.

Balanço a cabeça para manter os pensamentos longe, e então começo a me vestir. Pensei o verão todo em uma maneira de fazer com que as pessoas não venham me tratar com piedade, e não me lancem olhares que me fazem sentir a maior coitada do mundo. Eu só quero que eles fiquem longe, e para isso, eu serei curta, e grossa.

Termino de me arrumar. Desço os lances de escada e vou para a cozinha comer alguma coisa antes de sair, Cami está fazendo ovos mexidos, mas o que prende minha atenção é o jornal sobre a mesa. Lembro que meu pai gostava de ler o jornal de manhã. Quando eu ia tomar café da manhã, eu sempre me deparava com a minha mãe preparando panquecas, e meu pai lendo o jornal. Ele sempre desviava o olhar das folhas e me olhava. Ele lançava um sorriso que fazia com que eu sentisse que o dia valeria a pena.

As memórias da minha mão vindo me abraçar, dos beijos na testa que ganhava do meu pai, das risadas que dávamos todos os dias antes de sairmos de casa, e de todos os nossos momentos juntos não param de chegar.

Fico parada, até que Cami me chama:

–Aimme?

–Oi, é… Está pronto? - Respondo despertando das lembranças.

–Está… Você estava tendo lembranças de novo querida?

–Não, eu só estou um pouco sonolenta. É melhor eu comer para não me atrasar.

–Sou sua tia, pode falar o que quiser comigo, mas se é assim que você quer, assim será. Coma querida, é um dia longo.

Sinto que Cami se esforça muito, mas não consigo falar, eu não consigo falar com ninguém. Eu sempre achei melhor ficar sozinha, sem nenhum conselho ou consolo.

–Obrigada pelos ovos. - Digo.

Ela sorri.

x

Chego no colégio. Todos me olham, me olham como se eu fosse a luz na escuridão após anos. Eu caminho, fito o chão e todos continuam me olhando. Aperto o passo, ando cada vez mais rápido.

–Aimme? - Diz uma voz. Eu conheço essa voz, mas há muito tempo eu me recuso a escuta-lá.

–Kate… Oi. - Respondo com uma voz séria.

Kate é, ou era, minha melhor amiga até tudo acontecer. Ela tentou me dar apoio, mas eu preferi ficar sozinha. Ela me ligou quase todos os dias do verão, e eu atendi apenas uma vez, então ela desistiu. Obrigada Deus.

–Aimme, eu te liguei no verão, mas… Aimme, como você está querida? - Diz ela me abraçando em seguida.

–Estou bem. Tenho que ir.

Eu me afasto e saio andando, mas ela não desiste e segura meu braço. Todos estão vendo.

–Eu sei que o que aconteceu foi horrível, e sei como você está se sentindo. Me ligue quando você perceber que eu estou aqui.

–Não, você não sabe. - Olho para os lados e todos ainda estão olhando. - Nenhum de vocês sabem.

x

Aula que história, maravilha. O Sr. Parkison sempre foi um saco, mas hoje ele decidiu que seria, digamos, alguém que sente. Assim que ele entrou na sala, lançou um sorrisinho de canto para mim, como se estivesse feliz por me ver ali. Eu só queria dizer a ele que não é porque meus pais morreram que ele tem que fingir que gosta de mim.

–Hoje, quero que todos escrevam o que vocês acham do sistema capitalista. Quero uma folha frente e verso. Podem fazer em dupla, trio… Tanto faz. - Diz o Sr. Parkison.

Coloco minha bolsa na cadeira ao lado da minha, não para guardar lugar para alguém, mas para que percebam que eu prefiro fazer o trabalho sozinha. Pego um pedaço de papel para tentar começar a escrever, mas nada passa pela minha cabeça. Eu só quero ir para casa, só quero ficar sozinha. Preciso ler, preciso dormir, eu preciso de paz.

Duas batidas são feitas na porta, não levanto a cabeça.

–Desculpe o atraso, senhor. Tive que me matricular em todas as aulas. Espero que entenda. - Diz uma voz masculina, um pouco rouca e grossa e linda, mas eu continuo sem olhar.

–Tudo bem, senhor…

–Pierce. Miles Pierce.

–Tudo bem, Senhor Pierce. Sente-se em algum lugar ou com alguém. O trabalho está no quadro. - Diz o Sr. Parkison em um tom sério.

Não sei o que acontece depois, porque eu simplesmente não quis ver nada, até a mesma voz rouca que eu não sabia de quem era se dirigir a mim.

–Perdão, essa cadeira está ocupada? Não tem mais nenhuma aqui.

Levanto os olhos. MEU DEUS! Que garoto lindo. Perco um pouco a respiração. Seus olhos são castanhos. Seus cabelos tem um tom um pouco mais claro que os olhos, e um pouco mais escuro que os meus cabelos. Sua pele é clara, macia. Sua boca é carnuda, e esboça um pequeno sorriso quando eu me viro.

–Não, é que… Na verda… Não, pode… Pode pega-lá. - Respondo gaguejando.

–Na verdade eu acho que vou ter que sentar aqui, todos tem suas duplas, e eu não gostaria de ter que ficar sozinho no primeiro dia, e na primeira aula.

Estou vidrada em seus olhos, eles transmitem algo que eu não sei explicar, e por isso demoro alguns segundos para responder.

–É… Ok. - Eu não queria ter dito isso, idiota. Eu quero ficar sozinha, mas algo em seu pedido me fez ter pena, e fez com que eu cedesse.

–Obrigada, é… Perdão, qual é o seu nome? - Ele pergunta.

–Aimme.

–Prazer Aimme, - ele estende a mão para apertar a minha, e eu aperto a dele de volta. - Meu nome é…

–Miles, eu sei. - Digo interrompendo.

Ele sorri.

x

Volto para casa naquele dia. Aquele garoto não saia da minha cabeça, acho que é porque ele era o único que não me tratou e me olhou com piedade. Eu gostei disso, fazia tempo que alguém não me olhava como alguém normal.

A campainha toca. Cami não está em casa, então sou obrigada a atender. Quando chego na porta não há ninguém lá, apenas um envelope no chão. Pego-o e começo a ler o pedaço de papel rosa que tem dentro dele.

“ Aimme, eu sinto muito por hoje. Eu não queria ter te tratado daquela maneira, eu sou uma idiota. É obvio que eu não sei o que você está sentindo, e não sou corajosa o suficiente para dizer isso olhando para você. Então quando estiver preparada, quando você conseguir superar um pouco, apenas me ligue.

Aimme, eu sinto muito mesmo. Eu não queria que nada disso tivesse acontecido. Queria poder arrumar tudo para você, mas não posso. Me perdoe Aimme. Não vou te incomodar até que você queria.

Kate”


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