Resilience escrita por lilithfx


Capítulo 10
Uma montanha de erros - Parte 1


Notas iniciais do capítulo

“Passei a vida tentando corrigir os erros que cometi na minha ânsia de acertar.”
Clarice Lispector



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Shelby estava em colapso, não tinha a menor condição de falar com Rachel agora. Precisava respirar, assimilar o que acabou de presenciar. Seu coração bate descompassado, ver Cassie beijando Rachel foi doloroso.

Amava as duas profundamente e por isso machucava. No fundo, guardava a esperança de ser perdoada e ter sua família vivendo junta, em harmonia. Mas aquele beijo sepultava seus sonhos. Tudo que precisava era o perdão de sua filha e então deixaria a vida seguir seu rumo.

Tinha perdido a chance de ser feliz, não privaria a filha e a mulher que amava, dessa possibilidade, sacrificaria a verdade em benefício das duas e sumiria novamente, agora em definitivo.

Antes, era necessário fazer um último e derradeiro esforço. Quebrar a promessa, feita e não comparecer a estreia de Rachel. Era um risco desnecessário, dar de cara com Cassandra, e ter que explicar o seu papel na vida da Rachel.

Faz uma respiração profunda, deixando o ar percorrer todo seu corpo, clareando sua mente, tomando uma decisão.

Se não pode estar na estreia, vai falar com a filha agora, precisa contar uma parte da sua história, quer o perdão de Rachel, e quem sabe, seu amor.

Tomada à decisão, retorna ao teatro.

No interior do mesmo, Rachel está no palco, dedilhando notas aleatórias ao piano, pensando o quanto sua vida fica confusa a cada minuto que passa. É muito drama até para ela, que sempre foi chamada de drama Queen. Sua vida parecia uma grande novela mexicana, com um enredo muito ruim.

Tantas emoções, todas explodindo em sua cara, o beijo em Cassandra, seus pesadelos, as brigas com San, o fantasma de Quinn, os sentimentos que tem por ela, sua estreia.

Sentia saudades, de ser só a pequena judia que cantava e dançava na sala de casa e cuja plateia era composta de seus adoráveis pais.

Pensar neles fez a saudade aumentar, amava-os profundamente e era grata por todo amor que recebia dos dois. Mas existia a sensação de falta, em grande parte, motivada por sua relação inexistente com sua mãe biológica. O palco e a música era uma característica que tinham em comum. Mesmo ela não querendo estar na sua vida, Rachel sabe que muito do seu fascínio por música vem dela.

Shelby é como uma música não concluída na vida de Rachel poderia ser bela e comovente, mas é um som incômodo ao ouvido, sem sentido emoção ou profundidade.

Poderiam fazer grandes coisas juntas, era o que mais magoava Rachel. Sua mãe não querer fazer parte de sua vida e nem dar chance de conhecê-la melhor.

Rachel fecha os olhos e deixa a música fluir, ela lembra sua mãe.

I dreamed a dream in time gone by

When hopes were high and life worth living,

I dreamed that love would never die

I dreamed that God would be forgiving.

Then I was young and unafraid,

And dreams were made and used and wasted.

There was no ransom to be payed,

No song unsung, no wine untasted.

Shelby ouve a música e percebe que o momento é perfeito para se aproximar da filha, sem parar para pensar, continua a melodia.

But the tigers come at night,

With their voices soft as thunder,

As they tear your hope apart

As they turn your dreams to shame

And still I dreamed she'll come to me

That we will live the years together,

But there are dreams that cannot be

And there are storms we cannot weather.

Rachel é surpreendida pela voz poderosa da mãe, tudo que pode fazer é harmonizar as vozes para terminar a música, não perderia um bom dueto por nada.

I had a dream my life would be

So different from this hell I'm living

So different now from what it seemed

Now life has killed the dream

I dreamed.

Ambas não resistem e no final da música, estão emocionadas, mas sem coragem de dar o primeiro passo para aproximação.

Shelby vê toda vulnerabilidade existente nos olhos de sua filha, seu coração quebra um pouco mais, por saber que é responsável por isso.

Resolve dar o primeiro passo e fala para uma Rachel ainda pasma:

__Você está cantando muito bem, só toma cuidado em não soltar sua voz de uma vez e ficar cansada antes do término do show, já que precisa cantar dançar e representar ao mesmo tempo.

Fala Shelby, numa naturalidade irritante, como se fosse à treinadora vocal da menina e estivesse com ela o tempo inteiro.

Rachel continuava sem emitir uma única palavra, está chocada com a chegada da mãe, exatamente na hora em que pensava nela.

Sobrenatural era o sentimento, estava claramente admirada. Pensava na mãe quando cantava a música e por mágica, ela materializou-se no palco. Lembrou-se da época que assustava os amigos do Glee dizendo que tinha sexto sentido, pelo visto não era totalmente mentira, suspira a diva chocada.

O universo só podia estar conspirando contra. De uma hora para outra, suas angustias e temores mais primitivos resolveram se mostrar. Não bastava estar insegura, confusa e solitária, tinha que lidar com tudo isso, às vésperas da sua estreia.

Esses momentos faziam a diferença entre um artista fracassado e um bem sucedido, a forma como lidavam com os obstáculos encontrados e como os usavam para tornarem-se mais forte. Rachel sabia o que precisava fazer, respirou profundamente e falou com um traço de irritação na voz:

__Obrigada pelas palavras Shelby, tenho certeza que meu treinador vocal irá concordar com você. Mas percebo que sua presença aqui, não é somente por isso, então sem muitos rodeios, porque preciso voltar aos ensaios, que diabos você quer comigo?

Shelby não esperava esse tipo de reação, mas gostou do que viu. Sua menina, não era tão menina mais, tinha se transformado em uma jovem mulher. Estava no controle de suas emoções, muito diferente da menina de 16, insegura, deslocada que conheceu em Lima.

Seria Cassie o motivo dessa força toda, pensa Shelby, com uma leve amargura. Mesmo sabendo não possuir direito algum em ter esse sentimento.

Num tom suave e tranquilo, resolve falar com a filha sobre o motivo de sua visita.

__Uma vez, prometi a minha filha que estaria no dia da sua estreia na Broadway e, é por esse motivo que estou aqui, para dizer a ela que cumprirei a promessa. Além de explicar porque estive ausente da sua vida por tantos anos e por que nunca quis um contato maior. Ela merece saber toda a verdade, todos os erros que cometi e decidir se pode ou não perdoar, Shelby diz com os olhos cheios de lágrimas.

Falar que estava em pânico, era pouco para Rachel. Como Shelby podia chegar do nada e dizer todas essas coisas?

Ela sempre se perguntou o que tinha feito de errado para a mãe não querer estar em sua vida e agora vem Shelby e diz que realmente existe uma razão. Estava com medo de ouvir a verdade e mais uma vez ser rejeitada.

E se Shelby simplesmente falar que ela foi um erro? Será que aguentaria saber? Mas como viver sem entender o que aconteceu. Ela não era de fugir, precisava da verdade para seguir em frente, nem que isso a dilacerasse por dentro.

__Vou sentar e ouvir tudo o que você tem para dizer Shelby, prometo não interromper sua explicação, mesmo que tenha vontade, no fim farei todas as perguntas que sempre quis fazer e espero que você esclareça cada pequena dúvida. Estamos de acordo? Pergunta uma Rachel em total expectativa.

Shelby olha a filha, agradecida por finalmente ter chance de explicar suas razões e senta-se próximo a ela, enquanto as memórias do passado ressurgem com força total, está pronta para recordar e contar sua história.

Memórias.

Nasci numa cidade chamada Hope, em Arkansas. Cidade pequena, profundamente religiosa e dividida em castas sociais e econômicas.

Meu pai Mark, era o pastor da cidade e minha mãe Liz, uma dona de casa que vivia para o lar e a Igreja. Éramos sete filhos, 6 rapazes e 1 moça, eu era a caçula.

Aos 17 anos, era a filha obediente e estudiosa do pastor. Cantava no coro da Igreja, minha paixão, já que músicas mundanas não eram permitidas para filha de um religioso, além de pertencer ao clube do celibato e da Bíblia na escola.

Meu namorado Carl era o capitão do time da escola, e também membro destacado da Igreja, seu pai, um deputado conservador, era um dos principais membros de nossa Congregação. Por conta disso, meu pai, não teve problema algum em aprová-lo como meu namorado, mas teve o cuidado de restringir nosso namoro ao ambiente de casa, sempre com algum irmão por perto.

Meu futuro estava traçado, terminaria o ensino médio, casaria com Carl e me tornaria dona de casa, seguindo os passos da minha mãe, na Igreja e na Congregação, afinal, eu pertencia a uma família de ponta na hierarquia religiosa e social, precisávamos dar e ser exemplo.

Mas quem disse que o destino respeita planos? Tudo mudou no terceiro ano, com a chegada de um novo professor de artes e sua família.

Eles eram de New York, a terra dos musicais, o professor Ryan tinha trabalhado como diretor em alguns musicais da Broadway, mas por conta da crise financeira do país, estava dando aula de artes e foi convidado para trabalhar na nossa escola.

Sua família era vibrante, alegre, totalmente diferente da minha, enquanto na minha casa, reinava a calma, a obediência e os doutrinamentos religiosos, lá era um verdadeiro caos libertário e criativo.

Junto com o professor, veio sua mulher Becca, uma figura alegre, ousada e totalmente libertária, seu filho Jean, rapaz espirituoso, sensível e meigo e sua filha Gabriele, uma loirinha totalmente arrogante, prepotente, inteligente e linda.

Eles eram fascinantes e à medida que frequentava as aulas, fui ficando empolgada com o universo mágico do teatro e dos musicais. Tamanha era a vontade, que convenci meu pai a me deixar participar do musical que o professor Ryan iria montar no fim do ano e resolvi arriscar fazer o teste para um papel secundário.

Minha surpresa foi enorme,quando não só fui selecionada, mas também ganhei um dos papeis principais.

Meu pai não gostou, achou que não condizia com os ensinamentos da igreja e nem era uma postura respeitável para filha única do pastor. Eu queria tanto participar, que fiz uma infinidade de promessas, assegurei que as notas iam continuar boas e que sempre estaria com um dos meus irmãos por perto no teatro, além de não faltar aos cultos e ser mais atuante na igreja.

A outra protagonista da peça acabou sendo a filha do professor, Gabriele e apesar de não gostar dela, tinha que admitir, a menina tinha um talento enorme.

Mergulhei totalmente no universo dos musicais, ficando apaixonada por eles e pelo mundo teatral. E nesse contexto, descobri algo apavorante, eu tinha um sentimento por Gabriele, que não conseguia definir.

Tudo começou nos ensaios do musical. Sendo franca, senti algo por Gabriele mesmo antes de sermos amigas. Eu sabia que ela mudaria minha vida, por isso toda raiva e medo que sentia.

O enredo do musical também não ajudou muito, já que a história falava de duas mulheres a frente do seu tempo e que desafiavam as convenções sociais para viver suas aventuras juntas, numa relação de amizade, parceria e um sentimento mais sutil, que perpassava o texto sutilmente, na forma de um leve subtexto.

Quando descobri esse particular do enredo, quis largar imediatamente o musical, mas Gabriele me chamou de filhinha do pastor, me acusou de não pensar por eu mesma e sim pela igreja e por meu pai, foi uma briga terrível, ela disse verdades que machucaram.

Pensei durante vários dias, minha fé, o sentimento por Gabriele e a vontade de fazer o musical brigava dentro de mim, como ir contra a tudo que aprendi ser certo? Essa indecisão estava acabando comigo, além da saudade que sentia do teatro e das brigas com a Gabi.

Um dia, espiando Gabi cantar, a paixão e sua entrega à canção fizeram as dúvidas desaparecerem, o sentimento por ela e o musical venceram, resolvi retornar.

O clima entre eu e Gabi foi ficando mais intenso e nosso primeiro beijo foi durante uma cena, onde as personagens confessam sua amizade e abraçam inocentemente. Não pude resistir ao fitar seus olhos, repletos de emoção e tomei de assalto os lábios daquela loirinha prepotente. Ali, eu soube que estava irremediavelmente perdida.

Meu dilema era saber que, se meus pais soubessem a verdade, eu seria expulsa de casa e perderia minha família, vivia entre a euforia e o medo.

Mas não tinha como voltar atrás e com a ajuda de Gabi decidi fazer aplicações para faculdades em New York, já que era lá a terra dos musicais, da Gabi e de sua família e nossa única chance real de ser feliz e sem amarras.

Vivia uma vida dupla, tinha um namorado, que não suportava beijar, a igreja, que frequentava só para meu pai não desconfiar e todas as obrigações sociais que uma boa filha de pastor deve ter.

Na outra ponta, existia Gabriele, seus beijos que causavam um estrago, o teatro onde sentia que estava viva e feliz pela primeira vez na vida e a possibilidade de ser mais que dona de casa.

Tomei uma decisão e terminei com meu namorado, mesmo contra vontade do meu pai, não conseguia mais manter a farsa e ferir minha loirinha, ela merecia um ato de coragem meu.

A estreia do musical foi um sucesso. Mas meu pai ficou escandalizado, desconfiado. Tomando medidas terríveis.

Não tinha mais autorização para continuar no musical e fui definitivamente proibida de ir à casa da Gabi ou falar com sua família, só conseguia vê-la e trocar algumas palavras na escola e as escondidas, longe dos olhos de meus irmãos.

Meu pai fez pressão na comunidade e como era um homem influente, conseguiu a demissão do professor Ryan. Sem emprego e magicamente com uma oportunidade de dirigir novamente uma peça em NY, sua única opção foi voltar para New York, só esperariam o início do ano.

Entrei em desespero, não ia ficar vegetando e vivendo uma vida de conveniência nessa cidadezinha, eu pertencia a Broadway, aos musicais e a doce Gabi.

Fiz amor com Gabi na virada do ano, nada foi planejado, apenas aconteceu. Estava em casa, com um forte resfriado, resultado de todo desgaste emocional sofrido, apenas eu e meu irmão, já que a família não poderia faltar as celebrações da congregação.

Meu irmão estava chateado por ter ficado em casa, por conta disso, bebeu além da conta, o que possibilitou eu ligar para Gabriele e pedir sua vinda, fazia algumas semanas que não nos víamos e eu estava louca de saudades.

Os beijos se tornaram intensos, nossos corpos assumiram o controle e não deu para resistir, foi um momento lindo, não me lembrei do meu pai, da culpa nem da minha família, era apenas eu e ela e nosso amor.

Depois de fazer amor, acabamos dormindo e fomos descobertas, por meu irmão mais velho, que fez questão de reter Gabriele em minha casa, até meu pai chegar. Gabi foi expulsa após uma forte surra, tentando me proteger da fúria e violência de meu pai. Imediatamente, fui internada num desses campos religiosos para reeducação de gays.

Passei um mês naquele inferno, sem perspectiva alguma, aprendendo a ser uma garota “normal” O que mantinha meu espírito vivo, era o amor da Gabi e saber que cedo ou tarde, iríamos nos encontrar.

No final de fevereiro consegui fugir e minha primeira reação foi voltar correndo à casa da minha amada. Não morava mais ninguém em sua casa, eles tinham voltado para New York, sem deixar endereço para contato. Estava perdida, não sabia o que faria da minha vida, sem dinheiro, sem família e sem a mulher que eu amava. Nesse momento, pensei em tirar minha vida.

Minha mãe foi avisada por um de meus irmãos e chegou antes que eu tivesse tempo de fazer alguma besteira. Depois de muito choro de ambas as partes e ela falar que não entendia porque eu preferia o pecado à família, ela decidiu dar uma quantia suficiente para ir viver meu sonho e também os papeis da faculdade, habilmente escondidos por ela, do meu pai.

Não sabia, mas tinha conseguido uma bolsa de 100% em NYADA, seria estudante universitária na faculdade mais prestigiada de NY. Agora teria uma possibilidade concreta de futuro, com meu amor.

Depois desse drama todo, foi assustador embarcar, sabendo que deixaria para sempre minha família, meu lar, irmãos e anos de doutrinamento religioso. Gabriele e sua família, agora seriam meu alicerce na cidade grande.

Consegui localizar Gabriele por pura sorte, esbarrei com ela em frente à NYADA, era um dos pontos combinados para o encontro, se tudo desse errado.

Fui morar com sua família, e eles me receberam de braços abertos, enquanto não saia o alojamento na faculdade. Tudo estava perfeito, tinha um futuro pela frente.

Só uma coisa ainda incomodava saber que eu era uma menina do interior, a filha do pastor. A cidade grande assustava e a competição por uma chance, era enorme, tinha medo de fracassar.

O fato de ter a voz potente e talento, também não ajudou, porque me fez obter destaque em NYADA e provocou inveja nos colegas, que viam apenas a menina do interior, com um forte sotaque, sem a sofisticação exigida pela cidade grande e os palcos.

Sofria constantes humilhações, sendo apoiada pela única pessoa que realmente importava Gabriele, ela também cursava NYADA.

De uma hora para outra Gabi começou a agir de forma estranha, transformando-se em outra pessoa, juntou-se ao bando que gostava de me humilhar e envergonhar, na faculdade. Ela fingia que não era minha namorada ou amiga. Vi meu primeiro amor, se transformar em alguém que eu não conhecia e comecei a duvidar do seu amor e pensar que meu pai poderia estar certo.

Sai de sua casa e fui morar em NYADA, meu único amigo, era o irmão de Gabi.

Ele acompanhava o meu martírio e tentava ajudar e buscar explicações para o comportamento da irmã.

Meu coração estava aos pedaços, mas ainda amava Gabriele, apesar de tudo.

O amor sofreu um forte abalo, quando eu soube que ela estava dormindo com o professor de interpretação, não entendia o que tinha feito de errado para ela estar assim.

Consegui chegar ao final daquele primeiro ano em NYADA aos pedaços, tinha apenas um amigo, que por acaso era irmão de uma namorada que só vivia para renegar minha presença, não tinha família e nem o amor da mulher que eu amava.

Resolvi procurar um emprego e passei as férias trabalhando num Café perto da faculdade, precisava do dinheiro para meus gastos pessoais, enquanto não trabalhava na Broadway. E lá, conheci a pessoa que se tornaria minha melhor amiga, Carmem Conus.

Não sabia que ela era professora em NYADA, já que suas aulas eram para as turmas avançadas da faculdade. Carmem era um prodígio, tinha 25 anos, um ouvido treinado para encontrar e ensinar talentos. Ela apaixonou-se pela minha voz e me fez sua pupila. Treinamos o verão inteiro, após meu trabalho e além de uma professora, ganhei uma amiga.

Ao termino das férias e na volta para faculdade, tinha alcançado outro nível como aluna. Meus professores e colegas reconheceram minha dedicação, mas sentia necessidade de esfregar o feito na cara da Gabi, depois de toda humilhação e vergonha que me fez passar.

As aulas tinham iniciado e não vi Gabriele em lugar nenhum. Mesmo contra minha vontade, estava preocupada. Liguei imediatamente para Jean, precisava de notícias.

Assim que ele atendeu, percebi que algo não estava certo e não seriam boas as notícias. Jean estava devastado, seu tom aflito ao contar que a irmã estava internada para fazer alguns exames, fez meu corpo esfriar.

Nesse momento, esqueci-me de todas as brigas e humilhações, precisa estar com Gabi e ver o que estava acontecendo.

Chegando ao hospital, vi sua família, seus semblantes preocupados, tristes, apagados, o riso não morava mais neles, não entendia o que estava acontecendo, mas era algo grave.

Encontrar Gabi pálida, numa cama de hospital, quebrou meu coração, por mais que ela tenha feito da minha vida um inferno no último semestre, ela não merecia isso.

Jean explicou que o comportamento de Gabi estava ficado fora de controle e oscilava em extremos durante o período de férias, ora ela está feliz, fazendo planos, como se estivéssemos juntas, em outro momento quebrava tudo e tinha crises de raiva e depressão, numa bipolaridade e agressividade assustadora.

A família, bastante assustada, só não ligou avisando, porque Gabriele não permitiu e eles temiam a fúria da filha.

Não sei o que pensar, isso explica tanta coisa, o comportamento de Gabriele comigo, as agressões injustas e as coisas horríveis que a loirinha fez. Meu coração traiçoeiro criou uma leve esperança, ela ainda me amava.

Após os exames, o médico explicou à família a causa das alterações de humor. Uma massa do tamanho de uma bola de gude, foi encontrada no cérebro de Gabriele. Ela poderia ter ficado anos no mesmo lugar, sem causar quaisquer danos, mas por conta dos vários traumas sofridos durante a surra, se deslocou e está afetando as emoções e julgamento, colocando Gabriele em risco eminente de morte.

Nesse instante lembrei-me daquele dia, onde meu pai agrediu minha namorada. Eu era a responsável por ela estar em uma cama de hospital, isso me matava por dentro, nunca poderia me perdoar.

O médico continuou explicando que a melhor solução seria uma operação, mas a recuperação seria longa e cara, além da expectativa de vida ser baixa, devido ao risco.

A família de Gabi e eu tínhamos muito que processar e decidir. Jurei para seus pais e seu irmão que tomaria conta dela, implorei pela operação, não tinha como deixar meu amor, ir embora sem fazer nada e eles resolveram tentar.

A operação foi um sucesso, mas Gabriele não acordou. Permanecia em estado de coma, e os médicos não sabiam se era irreversível ou não.

Dois anos se foram e ela permanecia em coma. Durante esse tempo, voltei minha vida para estudar, trabalhar e zelar por Gabriele.

Os custos do hospital eram altos, manter Gabriele nele era caro, seus pais e eu, nos equilibrávamos precariamente para dar conta. Foi quando outra tragédia se abateu sobre nós.

O pai e a mãe de Gabriele ao realizar uma viagem de trabalho, sofreram um acidente automobilístico e faleceram na hora. Deixando eu e Jean como tutores legais de Gabriele.

Eu tinha 21 anos, estava terminando minha faculdade e tinha propostas para atuar em vários shows Off-Broadway como protagonista, mas precisava de dinheiro para cuidar de Gabi.

Carmem, que agora era Tibideaux, após seu casamento com um famoso cantor da Broadway, era a pessoa que não deixava eu sair do prumo e desmoronar, acompanhando todo meu sofrimento, luta e toda dor que a falta de Gabriele trazia.

Jean, o irmão da minha amada, também foi um amigo de todas as horas, e se virava o quanto podia pra arrumar dinheiro, mas era pouco.

Numa manhã cinzenta, sou chamada ao hospital, vou pensando no pior e encontro Gabriele finalmente acordada. O médico me diz que ela tem sequelas graves e o tratamento será longo. Mas só perceber que seus olhos tem vida, me faz a pessoa capaz de enfrentar o mundo.

A reabilitação custa caro, Gabriele precisa de uma casa adaptada e de ar puro, New York não é recomendada pra ela, mas na cidade está minha vida, e ainda tenho um ano de NYADA pela frente, como fazer para ter os dois?

No meio desse dilema, conheço um jovem casal que vai mudar em definitivo minha vida, Leroy e Hiram Berry.

Eles são apresentados por Jean, irmão de Gabi, que trabalha para Hiram Berry, em seu escritório de advocacia.

Jean, num dia de desespero, pediu ajuda com questões relativas ao inventário, tutela de Gabriele e liberação do seguro de vida dos seus pais, precisávamos de todo dinheiro disponível e de um bom advogado. Hiram sensibilizado pelo caso ofereceu-se para ajudar.

Acabamos ficando amigos e senti tanta confiança em Hiram que em breve jantava em sua casa e conhecia seu marido. Foi o primeiro casal do mesmo sexo que conheci. Com eles aprendi que gays poderiam constituir uma família e ser feliz.

Contei toda minha história, a fuga da minha casa, meu pai pastor, meu relacionamento com Gabi, o desejo de conquistar a Broadway, a culpa por saber que a violência do meu pai, feriu quem eu mais amava.

Eles contaram tudo que passaram até ficarem juntos. De como Hiram fez da vida de Leroy um inferno até aceitar que era gay. A falta de apoio da família de Hiram e Leroy, as diferenças religiosas e finalmente o desejo de ter um filho para completar e perpetuar a família.

Os Berrys tinham um plano de encontrar uma barriga solidária, misturar seus espermas e fazer a inseminação.

Confesso ter achado estranho na hora, qual mãe daria seu filho de livre e espontânea vontade, depois de carrega-lo por nove meses?

Mas, à medida que convivia com eles, via todo o amor que tinham, fui mudando de ideia. Aquele casal merecia uma criança para amar e proteger, eu torcia por eles.

Nossa amizade crescia, os via como irmãos e eles possuíam o mesmo sentimento para comigo.

Minha vida ia seguindo seu rumo. Consegui um papel de destaque na Broadway, finalmente ia sair dos pequenos teatros, para os grandes palcos.

Três meses de ensaio depois, chegava o dia da estreia. Na plateia estavam meus melhores amigos, os Berrys, Jean, Carmem e seu marido. Tudo foi perfeito, ao final recebi a ovação do público. No meio de tantas tristezas, um momento mágico de felicidade, eu estava conquistando a Broadway.

Infelizmente, nem tudo são flores e na saída do teatro, eis que meu passado resolve retornar, depois de longos três anos. Meu irmão mais velho, aquele que tinha entregado meu destino ao senhor meu pai, fiel seguidor dos ensinamentos da igreja, estava a minha espera, com um recado importante da minha família.

Meu pai, que eu não via há anos, falava em perdoar meus erros se eu retornasse para casa, mostrando arrependimento dos meus pecados, casando e tendo um filho com meu antigo namorado Carl.

Papai precisava de um neto, ele queria unir o sobrenome dele ao da família do meu ex-namorado Carl, como ele é filho único, papai precisava de mim, sua única filha mulher.

Era uma ironia enorme, um casal gay queria ter um filho pra dar amor e carinho e meu pai, o senhor da moral e dos costumes, querendo um neto somente para consolidar seus interesses sociais e financeiros. Quem era o santo e o pecador, eu me perguntava, já sabendo a resposta.

Naquele momento, tomei uma decisão que mudaria drasticamente minha vida e resolvi seguir meu coração, fazer aquilo que achava certo.

Terminei a temporada do musical na Broadway e comuniquei meu agente, sobre um afastamento por tempo indeterminado, para cuidar da saúde.


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Notas finais do capítulo

Esse capítulo deveria ter sido postado antes, mas o Nyah não colaborou.
Alguns avisos necessários:Ele ficou grande e foi dividido em 2,vai falar muito sobre Shelby e não tem nada faberry ainda,por isso quero que confiem em quem escreve,sei o que estou fazendo, a história está toda pronta na cabeça,rsrs.
Prometo que daqui mais dois capítulos, teremos mais Rachel e suas descobertas, agora ela precisa saber o quanto foi amada.
Postarei a segunda parte amanhã,com ou sem comentários, mas eles são bem vindos :-)
Boa leitura e divirtam-se.