Subversão escrita por Queeny


Capítulo 3
Capítulo Dois




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– Acorda novata, vai ficar o dia inteiro na cama, ou o que?

Sua voz soava sura, do outro lado da porta, na qual ele batia incessantemente, projetando um barulho alto pelo quarto.

Levantei-me, permanecendo sentada na cama por algum tempo.

Não demorei muito para dormir naquela noite, alias, não demorei nada. Assim que me deitei na cama, eu dormi, e num segundo, eu já estava sendo acordada.

Nenhum sonho ou pesadelo, nenhuma imagem. Tudo preto. Apagado.

Pra hoje, garota! – ele gritou novamente.

Fiquei de pé, sem me importar de arrumar a cama, calçando os tênis e alisando a roupa que eu havia usado como pijama, eu não tinha outra muda. Passei a mão por meu cabelo, tentando mantê-lo para baixo, mesmo sem vê-lo. Suspirei baixo, caminhando até a porta, usando o pequeno cartão branco para abri-la.

O mesmo homem de ontem, Blake, estava ali. Parado em frente à porta com uma expressão nula. Sai do quarto, trancando-o, e logo em seguida encarando-o, esperando que ele me mostrasse para onde ir.

Sem dizer se quer uma palavra, ele caminhou, comigo ao seu alcance até a porta do banheiro, da qual ele me deixou entrar.

Mas dessa vez eu não estava lá sozinha, como na noite passada.

Havia uma garota.

Seus cabelos eram loiros, longos, ia até sua cintura, ela usava um shorts bege, juntamente com uma blusa branca de ombros caídos e mangas compridas. Ela parou o que fazia e me lançou um olhar, enquanto eu ainda me mantinha na porta do banheiro.

– Hey! – ela disse animada, deixando o objeto em cima da pia e vindo até mim – Você deve ser a nova garota, que veio da cúpula, neh? – perguntou sorrindo.

Concordei com a cabeça, encarando-a. Seus olhos eram uma mistura azul e verde, ela sorria animada.

– Sinto muito pelo que te aconteceu, mas não precisa se preocupar, está segura aqui! – tentou me confortar, segurando minhas mãos. – Você está gelada, tudo bem? – perguntou preocupada.

Fiz que sim novamente. Não estava acostumada com aquele carinho, há tempos ninguém me tratava bem.

Pelo menos sem serem obrigados ou pagos para isso.

– Meu deus, essas roupas tão enormes pra você! – ela comentou puxando um pedaço que ficava sobrando da minha blusa. – Vem, vamos pegar alguma coisa do seu tamanho de preferência. – sugeriu, me puxando pela mão até a porta do banheiro, abrindo-a e dando de frente com o garoto carrancudo, encarando-nos com uma sobrancelha erguida.

– Então você é o responsável por ela? – perguntou a loira, passando por ele, até a mesma porta que o mesmo havia entrado para me pegar as roupas no dia anterior.

– Sim – concordou seriamente.

– Explicado o motivo do tamanho errado da roupa, pelo amor de deus Aaron Blake, é tão difícil assim reparar que a menina não é desse tamanho? – falou rindo, recebendo um murmúrio irritado do garoto.

Aaron.

Seu nome era Aaron.

– Pronto, agora sim! Esse deve ficar bom, vem, vamos provar! – disse contente, com alguns pares de roupas em mãos. – E você nem pense em reclamar ok? Ela está comigo e vai demorar o quanto eu quiser que ela demore, obrigada! – cantarolou a ultima palavra, entrando no banheiro, sendo seguida por mim, que somente lancei um curto olhar a Aaron, que me encarava um tanto quanto irritado.

A porta foi fechada, e alguns pares de tecido foram colocados nos meus braços.

– Vai lá, vou te esperar aqui – encorajou enquanto sentava num dos bancos.

Não demorou mais de dez minutos até que eu estivesse pronta. A roupa realmente me servirá, de modo que eu até cheguei a estranha-la.

Eu nunca havia usado algo do meu tamanho antes, nada que realmente exibisse minha forma ou que eu não precisasse ficar subindo.

– Agora sim, outra pessoa! – suspirou caminhando até mim, me puxando para o espelho.

Eu usava uma calça num tom marrom bem claro, uma blusa preta de mangas compridas um pouco justa e o mesmo tênis de antes.

Fui até a pia, escovando meus dentes com uma das escovas que se encontravam dentro de uma bolsinha que a menina me entregou.

– Vem cá – chamou a loira quanto terminei, fazendo minha atenção para nela, que segurava uma escova em mãos. Caminhei até ela, me colocando em sua frente.

Suas mãos e movimentos eram suaves, a escova passeava por meu cabelo com leveza, enquanto a menina cantarolava uma melodia. Pude sentir seu dedos brincando com meu cabelo, em movimentos rápidos e praticamente ensaiados.

Meus pensamentos foram levados até alguns anos atrás. Um tempo ensolarado, um tempo no qual minha mãe permanecia viva e feliz.

Ela cantarolava, enquanto mexia no meu cabelo com calma. Eu brincava com uma das minhas bonecas, trocando-a com seu mais novo vestidinho florido, em tons rosa e azul. Enquanto minha mãe penteava meu cabelo, eu penteava o da boneca, calmamente, em movimentos tranquilos e gentis.

– Eu te amo minha garota, minha Mercy – ela sussurrou assim que terminou o penteado, dando um leve beijo em minha testa.

– Pronto! – a loira disse alto, me fazendo abrir os olhos com rapidez, saindo de meus próprios pensamentos. – Vire-se.

Ela pedia, não era uma ordem, mas não eram necessárias mais palavras para que eu a obedecesse, sem nem ao menos me olhar no espelho antes.

– Vou passar um pouco de rímel em você. – disse rindo, aproximando o objeto de meus olhos – Algumas pessoas falam que se maquiar num mundo em apocalipse é fútil e inútil. – comentou, contando divertida, enquanto passava o objeto em meus cílios calmamente. – Eu não acho, nos preocupamos muito com o lado de fora que acabamos esquecendo de nós mesmos... – falava tranquila, quando terminei de sentir a pressão em meus olhos. Os abri lentamente. – E isso sim, é errado. – Concluiu, passando algo macio e felpudo em minha bochecha, me fazendo encolher os ombros, numa sensação estranha. Uma risada baixa de soltou de minha garganta, surpreendendo até a mim mesma.

Há quanto tempo eu não ria, verdadeiramente?

– Isso te faz cócegas? – perguntou rindo comigo, passando o mesmo objeto na outra bochecha, me causando a mesma reação.

– Aham – respondi em meio às risadas baixas que eu soltava com os movimentos, até ela parar de usa-lo.

– Fico feliz de ouvi-la rir, de verdade – comentou, me fazendo encara-la, com um sorriso grato, verdadeiramente grato.

– É bom rir – respondi suspirando pesadamente. Vendo-a pegar um pequeno recipiente rosado, tirando de lá um pincel, e passando-o por meus lábios.

– Faz – pediu, fazendo um movimento em que seus lábios se esfregavam. A imitei, recebendo um sorriso em resposta. – Isso! Prontinho!

Dizendo isso, ela me virou, fazendo-me encarar no reflexo. Meu cabelo estava preso numa trança, do lado direito do meu corpo. Meus meu rosto parecia mais vivo, mais saudável...

Mais bonito. Deixei meu subconsciente dizer, abrindo um leve sorriso.

– Nunca passou maquiagem? – ela perguntou se apoiando na pia, me encarando.

– Não... Pra falar a verdade, não sei o que é metade do que você passou em mim – comentei sincera, fazendo a loira ao meu lado soltar uma risada.

– Onde você viveu garota? – ela perguntou, e de repente, meu sorriso desapareceu, encarei a pia de mármore.

– Presa – respondi simplesmente vendo-a contrair seus músculos. – Num lugar onde essas coisas não eram necessárias para meu conhecimento – repeti as palavras que meu pai costumava dizer quando eu lhe perguntava sobre o que eram aquelas propagandas que passavam na TV, pouco antes de eu ser proibida de assisti-las por: Não serem importantes. Não serem necessárias.

Você está confinada aqui, pra que saber dessas coisas? Meu subconsciente dizia, e eu sabia que era isso que meu pai também queria dizer.

– Sinto muito, não acho que seja um assunto que você queira falar sobre – desculpou-se, inquieta.

Concordei com a cabeça.

– Ok, agora por último! – foi até uma caixinha azul clara no canto da pia, tirando de lá um frasco com um liquido laranja, levando-o até mim. Borrifando diversas vezes seu conteúdo em mim, logo o deixando de lado, se aproximando e fungando duas vezes, sorrindo logo em seguida – Agora sim! – concluiu batendo palmas e rindo em seguida.

– Obrigada – agradeci ao me olhar no espelho mais uma vez.

– Não precisa agradecer – respondeu simplesmente, encarando-me pelo reflexo.

Sim eu preciso, pensei, levando a mão a uma das bochechas, tocando o leve corado da região.

Eu parecia mais viva.

Eu me sentia mais vida.

– Agora vamos, Aaron já deve estar quebrando algumas paredes do lado de fora. – chamou, puxando-me pelo pulso, até o lado de fora.

O garoto estava encostado na outra parede, em frente à porta, com a cabeça abaixada e as mãos inquietas batucando as próprias pernas. Quando o barulho da porta de fez ecoar pelo corredor, ele levantou sua cabeça num movimento rápido, levantando uma das sobrancelhas ao seu olhar encontrar-se com o meu.

Ele me analisou calmamente, se baixo para cima, de cima para baixo, lentamente.

O rubor em minhas bochechas passava a realmente existir.

– Demoramos, eu sei, mas e dai? – ela disse rindo, dando de ombros, mas o menino não tirou seus olhos de mim.

Engoli a seco com seu olhar, puxando as mangas da blusa, prendendo-as com meus dedos, como se quisesse me cobrir de seu olhar.

– Pra onde vai leva-la? – ela perguntou.

– Sala do Phil – respondeu simplesmente, ainda me fitando.

Eu mexia os pés inquieta, procurando encarar qualquer canto do corredor que não fossem seus olhos.

Quando ele iria parar com aquilo?

– Ótimo! Era pra lá que eu ia mesmo – comemorou, começando a caminhar, puxando-me consigo.

Aaron nos seguiu quieto. Eu podia sentir seu olhar sobre mim, e no meio do caminho, eu virei meu rosto, para encara-lo também, finalmente com um pouco de coragem. Verde no castanho. Um arrepio passou por meu corpo, me fazendo desviar o olhar com rapidez.

Duas portas de aço brancas foram vistas. A loira então apertou um botão verde do lado de fora, esperando por alguns segundos até a porta finalmente ser aberta.

Entramos em silêncio. O cômodo era grande, claro, com diversos moveis de metal. Observei cada detalha da sala bem arrumada, livros nas prateleiras, e então, meu olhar caiu sobre Phil que conversava com um homem forte, do outro lado da sala.

– Já conheceu o Phil neh? – a loira perguntou, sussurrando próxima ao meu ouvido.

– Sim – respondi baixo.

– Philip é um homem bom, você vai gostar dele, ele cuida de todos, é como um grande irmão pra todo mundo – comentou sorridente – E pra mim, ele é realmente a única família que eu tenho.

– Vocês são irmãos? – perguntei num momento de curiosidade, encarando a loira, que soltou uma risada alta, logo antes de negar com a cabeça.

– Ele é meu marido. – corrigiu.

“Ah” foi tudo que saiu da minha boca naquele momento, enquanto eu levava meu olhar da menina, até o loiro do outro lado da sala. Ele parecia muito mais velho que ela.

– Desculpe, mas, quantos anos vocês tem? – deixei minha boca soltar o que minha mente queria saber, mas sem encara-la.

– Eu tenho 23 – ela riu, logo antes de prosseguir – Ele tem 37. – concluiu. – Eu sei, a diferença é grande... – continuou, finalmente percebendo que o soltado se despedia, e Philip a lançava um olhar carinhoso. – Mas num mundo apocalíptico, quem é que liga pra isso? – comentou sorrindo. - Eu já não ligava até muito antes disso. – terminou soltando-se de mim e correndo na direção do mais velho, que a recebeu de braços abertos, apertando sua cintura e beijando-a com ternura.

Um beijo. Só lembrava-se de ter visto alguns em toda sua vida. Um na Tv, quando ainda podia assisti-la, e outro, da janela de seu quarto, numa noite de fevereiro.

– Mercy, você parece muito melhor, fico feliz! – o loiro comentou, sorrindo. – Pelo visto o furação loiro passou por você.

– Ei! – reclamou a mulher ao seu lado, empurrando.

– Fez muito bem, você parece ótima, espero que se sinta assim. - ele disse, encarando-me.

Mordi meu lábio inferior, pensando na resposta. Eu me sentia bem, me sentia realmente bem.

Mas até quando essa sensação duraria?

– Ela é uma garota ótima, espero que cuidem bem dela! – a loira comentou ao marido, que sorriu com as palavras da mais nova. – se não fizerem, eu mesma cuido dela! – confessou, levando seu olhara para mim novamente. – Alias, acabei esquecendo de me apresentar – confessou rindo, me fazendo abrir um pequeno sorriso. - Meu nome é Anna.

– É um prazer conhece-la – disse, deixando o pequeno sorriso permanecer em meu rosto, brincando em meus lábios.

– O prazer é todo meu, Mercy – respondeu animada.

– Bom, agora, Mercy, gostaria de pedir sua ajuda, pode se sentar aqui? – Phil disse calmo, apontando para uma cadeira logo a sua frente.

Anna seguiu até um canto da sala, enchendo um copo com água, levando-o até a mim.

Aaron permanecia na porta, encostado na mesma com os braços cruzados, eu podia vê-lo pelo canto dos olhos, enquanto me sentava onde Philip havia pedido.

– Se não for se importar, eu realmente gostaria de te fazer algumas perguntas, sobre o que houve na noite passada na cúpula, sobre você, enfim, isso me ajudaria muito, você podia me ajudar? – ele perguntou se sentando logo a minha frente, em sua própria cadeira.

Meu maxilar se travou automaticamente. Apertei meus dedos, estalando-os.

Eu não queria falar sobre aquilo ainda.

Mas era preciso, era necessário.

Respirei fundo, piscando os olhos lentamente.

Eu precisava ajuda-lo.

Eu iria ajuda-lo.

– O que deseja saber?


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