Ela soube no momento em que aceitou o convite da Sra. Holmes para passar a Páscoa com a família que aquilo era uma má ideia. Mas não podia dizer não, a mãe de Sherlock era uma fofa com ela e o Sr. Holmes ficou olhando-a do mesmo jeito que o filho mais novo fazia quando queria sua ajuda. Agora ele não precisava mais apelar para aquilo - quer dizer, eles estavam vivendo juntos! O que realmente a preocupava era Mycroft.

Ela costumava achar Sherlock uma pessoa difícil. Mas isso foi até ter que passar uma tarde inteiro com O Governo.

Mycroft passou o dia inteiro reclamando. Que ele tinha coisas mais importantes para fazer, e um problema não sei aonde e mais um monte de coisa que ela - ou qualquer outra pessoa - não fazia questão de saber.

Mas o mais irritante de tudo era o jeito que ele a olhava. No começo ela estava com medo, mas depois ficou desinteressante. Molly não entendia qual o problema dele com ela. Não, na verdade ela até entendia, só não sabia por que diabos o mais velho dos Holmes não aceitava que sim, Sherlock se importava com ela. Do jeito dele, mas se importava.

Quando entraram no carro mandado por Mycroft para ir até a casa dos pais dele, Sherlock estava muito quieto. Esses momentos de silêncio eram bem comuns, uma vez ele ficou sem falar com ela (ou com qualquer outra pessoa) durante quase duas semanas devido a um caso. Quando ela já não aguentava mais aquilo e estava prestes a voltar para seu apartamento, o caso foi solucionado e ele pareceu mais feliz que nunca. Vai entender.

Mas dessa vez ela entendia. Ele fez uma careta quando ela contou que havia aceitado o convite - aparentemente ele havia esquecido do feriado, o que já era de se esperar.

- Quem precisa comemorar a Páscoa? Ninguém mais entende o significado disso mesmo, então poderíamos só comprar uma barra de chocolate e fazer o sexo o resto do dia. - Sherlock Holmes, um poço de romantismo. Não que ela não gostasse da ideia, mas já havia aceito e ela realmente gostava dos pais dele.

Quando chegaram lá, a Sra. Holmes estava terminando de cozinhar... Seja lá o que for aquilo, e Mycroft batia a cabeça na mesa, enquanto o pai falava do preço do chocolate.

- Esses chocolates estão cada vez mais caros, sinceramente não entendo como as pessoas ficam cada vez mais gordas. - levantou e pegou um bombom que estava em cima da pia.

- Desse jeito eu posso desistir da minha dieta - Mycroft resmungou - mas pra que diabos você fez um bolo que alimenta metade do país se somos em apenas cinco e ainda tem aquele monte de ovos de chocolate escondidos?

Ao ouvir, Molly teve que se segurar para não rir da cara de decepção da Sra. Holmes - como se ela fosse mesmo conseguir esconder algo dos filhos. Mas Sherlock não fez questão de esconder e eles finalmente perceberam a presença dos dois.

- Ah, que bom que vocês vieram! - o Sr. Holmes me apertou até quase saírem os meus olhos e fez o mesmo com o filho, que fazia uma careta.

- Podemos acabar logo com isso, agora que meu irmãozinho e sua... Companheira chegaram?

- Não seja rude, Mike. E não revire os olhos para mim. Nós só o vemos quatro vezes por ano, você poderia ter a delicadeza de pelo menos tentar apreciar esses momentos. Oh, me passe esse pote, por favor. - essa última fala foi dirigida a Molly.

Muito tempo depois - Molly estava quase desmaiando de fome - a comida ficou pronta. Na hora de comer foi aquele climão. Estava tudo indo muito bem – pelo menos para ela, que ficou na cozinha conversando com a Sra. Holmes enquanto os homens foram fazer alguma coisa que o Sr. Holmes insistiu que eles fizessem - mas quando se reuniram a mesa um silêncio constrangedor se instalou. Claro, ela devia ter previsto isso. Em uma família que os irmãos não se gostam, e também não fazem nenhuma questão de visitar ou ter notícias dos os pais, não dava pra esperar outra coisa.

Fez algumas tentativas de puxar assunto, mas todas foram um fracasso. E assim se passaram os trinta minutos mais longos que ela se lembrava. Até que...

- Hora de entregar os ovos! – Mycroft bateu de novo a cabeça na mesa, espalhando arroz para todos os lados.

- Por que vocês insistem em fazer isso? – ele reclamou, pegando o ovo de chocolate gigantesco que sua mãe entregava. Mas ele não estava de dieta?

- Esse é pra você, querida. – falou a Sra. Holmes, entregando um ovo quase tão pesado quanto a própria Molly.

- Mas não... – ficou toda sem graça por não ter levado nada. Ela havia comprado um ovo para eles, mas minutos antes de saírem, pegou Sherlock no flagra, devorando o chocolate. – Não precisava ter comprado nada pra mim.

- Não, querida, nem comece. Talvez Sher não fale, mas eu o conheço o suficiente para perceber o bem que você faz a ele. – Um sorriso bobo surgiu em seu rosto, e Molly percebeu que Sherlock também sorria, apesar de tentar esconder.

- É, tá bom, tá bom. Posso ir embora agora? – ele se comportava como uma criança de cinco anos e isso estava ficando irritando.

- Pode, Mycroft, saia logo daqui. – Ele havia conseguido deixar o próprio pai irritado, e pelo que ela observou durante todo o dia, aquilo era uma coisa bem difícil. O mais velho dos Holmes pareceu surpreso, não esperava por aquela resposta. Mas aproveitou a oportunidade e um minuto depois ele e seu guarda-chuva já estavam fora.

Ela não conhecia muito Mycroft, sabia da característica antissocial que os irmãos compartilhavam, mas até onde ela sabia, ele tinha o mínimo de respeito – e paciência – quando estava na presença dos pais. Aquela atitude era um tanto estranha, mas poderia falar disso com Sherlock depois.

O resto do dia correu tranquilamente. O clima pareceu ficar mais leve, e Sherlock parecia mais contente. O que também era estranho. Mas tudo foi esclarecido quando, horas mais, voltavam para casa.

- Sherlock, o...

- Eu sei o que você vai perguntar. É sobre o Mycroft. Não faça essa cara, eu também estava intrigado. Não faça essa cara, também não esperava aquela reação do dele. – Sherlock pego de surpresa. Ai uma coisa que não se vê todos os dias. – Desde de sempre meu irmão me ensinou a não me envolver. “Emoções são fraqueza”, “se importar é uma desvantagem” ele sempre falava esse tipo de coisa. De certo modo, ele tinha razão. Me importar com John me forçou a me fingir de morto por dois anos. – Nesse ponto ele parou. Ficou um bom tempo sem falar nada.

- Bom, mas agora você está de volta e tudo está bem, não está?

- Pra mim, sim. Para Mycroft, não.

- E por que não?

- Por sua causa. Porque durante os dois anos que fiquei longe ele percebeu que algo em mim havia mudado, principalmente depois daquele tempo que passei na sua casa. Eu sempre me importei com você, Molly, mas depois daqueles dias alguma coisa em minha mente mudou. E não fazia sentido para mim. Acho que ainda não faz. – Mais uma longa pausa, mas dessa vez ela não se atreveu a interromper – O negócio é que, mais do que me importando, eu acabei me apaixonando por você. – Ele não olhava pra ela enquanto falava. Eles andavam pela rua de mãos dadas, parecendo meio confusos. Ele sorriu – É estranho dizer isso. Mas é a verdade. E isso incomoda Mycroft. Sempre soube que incomodava, mas hoje eu percebi que não é pelo motivo que pensei que fosse. – Ele me parou e olhou em meus olhos – Molly, hoje eu vi algo em Mycroft que pensei que nunca veria. Ele agiu daquele jeito não por raiva de você ou de mim. Não por eu ter deixado pra lá tudo que ele sempre insistiu que eu fizesse com relação a me importar. Ele agiu daquele jeito por ciúmes.

- Ciúmes? Ciúmes de quem?

- Ciúmes de nós. Ele passou a vida inteira me convencendo e convencendo a si próprio de que sentimentos e qualquer coisa do tipo são uma desvantagem, mas pelo jeito passar um dia inteiro com nossos pais e conosco – ele passou a mão pela cintura dela, abraçando-a – talvez tenha feito ele perceber que não vale a pena morrer sozinho só para evitar algumas perdas durante a vida.