Hálito de Fogo escrita por Caliel


Capítulo 15
Livrai-o do Mal




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— Você tem noção do que acabou de fazer lá fora? — Rômulo estava sentado na ponta de uma mesa, Koba na outra e os outros seis alfas nos lugares restantes. Eu não conseguia dizer se ele estava furioso ou orgulhoso da situação, hora ele sorria e hora fechava a cara. — Você quebrou muito mais do que uma regra, Koba, você se transformou sendo mulher, invadiu o duelo sem ser um participante e possivelmente deixou Átila cego de um olho.

— Ele mereceu, você deveria estar furioso com ele por burlar as regras... Você parece nem se importar que ele tenha levado um objeto de prata para matar seu filho. — Koba esticou os pés sobre a mesa.

— São inaceitáveis as atitudes de sua sobrinha, Rômulo. Ela pensa que pode se equiparar aos homens e pensa que nasceu para lutar. No mínimo deveria ser banida da alcateia. — O pai de Átila estava furioso e todos os outros alfas apresentavam o mesmo aspecto.

— Eu sou o alfa desta alcateia, Baltazar. Sou eu quem toma as decisões aqui, então, por favor, deixem-me as sós com minha sobrinha. — Os alfas deixaram a sala e Rômulo ficou alguns minutos encarando Koba.

Eu, Sabra, Helena e Morgana estávamos espiando tudo por uma janela.

— O que você acha que eles vão fazer, Morgana?

— Eu realmente não sei te dizer, Rômulo não é alguém muito previsível. Ele pode tanto mandar decapitar ela como pode não dar a mínima. — Ela parecia preocupada com a amiga.

Rômulo então caminhou em direção a Koba e sentou-se sobre a mesa.

— Não se preocupe, vai ficar tudo bem. — Ele passou a mão sobre a cabeça da garota que sorriu. — Seus pais estariam orgulhosos, principalmente Remo, de ver que sua filha concretizou o que ele sempre dizia.

— O que ele sempre dizia, tio?

Rômulo respirou fundo e olhou para um retrato na parede que eu não sabia dizer se era dele ou de seu irmão.

— Pouco antes de seu pai se ir, ele propôs aos outros alfas que os ideais das alcateias fossem mudados. Ele queria que mulheres também pudessem se transformar. Queria que as garotas também participassem do duelo, mas, infelizmente, a ideia não foi aceita nas outras alcateias. Três dos outros seis alfas concordaram com ele, mas Baltazar tinha muita influência e os fez mudar de ideia. Só que, graças a você, essa ideia pode não ter morrido completamente. Agora eu tenho um argumento, uma prova viva que qualquer um pode ser um lobo forte, independente de ser homem ou mulher. — Rômulo sorriu aliviado como alguém que tirava um dragão das próprias costas depois de poder contar tudo à sobrinha, buscou um copo de café e ajeitou-se na cadeira. — Agora vocês aí na janela, podem parar de se esconder já.

Nós nos entreolhamos, o rosto de Sabra corou, Helena e Morgana me olharam com uma cara de quem dizia ‘Eu te avisei que ele iria perceber’, então me levantei e caminhei em direção à porta de entrada do salão que Koba e seu tio estavam. Quando entrei pude analisar melhor o lugar. Era aparentemente um lugar de reuniões com vários quadros nas paredes dos antigos alfas da família.

Rômulo disse para que nos sentássemos e assim fizemos, então ele começou a contar-nos algumas histórias sobre ele e seu irmão. Aparentemente eram muito próximos e Remo, tendo nascido poucos segundos antes, foi escolhido como alfa e, por motivos mágicos, sempre foi mais forte. Porém, ele nunca teve ciúmes do irmão, que sempre o protegeu quando foi necessário.

De alguma forma eu conseguia sentir que ele realmente amava o irmão, então eu percebi que da mesma forma que meus sentimentos me influenciavam, os dos outros também tinham efeito sobre mim. Eu teria que escolher muito bem os outros quatro que se juntariam a nós em nossa jornada. Eu passaria muito tempo com eles e tudo o que eles sentissem me influenciaria também.

— Agora vão, crianças. Logo mais terei uma reunião com os outros alfas e algumas decisões serão tomadas. — Assentimos com a cabeça e, quando estávamos prestes a passar pela porta, Rômulo me chamou. — Cadmo, nas reuniões do conselho todos os membros presentes trazem um homem de coragem ao seu lado, caso haja algum problema a ser resolvido de uma maneira um tanto quanto mais... agressiva. Luke costumava ser o meu em todas as reuniões, mas, depois de hoje, creio que ele não vá poder me acompanhar esta noite. Você, tendo as histórias que tem em seu nome e claro, se você quiser, seria um ótimo companheiro. Então, o que me diz?

— Pode contar comigo. — Assenti com a cabeça.

— Ótimo, esteja aqui dentro de uma hora.

Ψ

Pouco antes da uma hora dita por Rômulo eu já estava no salão que agora tinha a presença dos outros seis alfas, três deles acompanhados de seus filhos. Os outros tinham em sua companhia homens que eu nunca havia visto.

Rômulo entrou na sala e a reunião começou. Alguns assuntos foram colocados em pauta. Falaram sobre as alcateias terem crescido, novos membros, alguns membro que se tornaram ômegas, o ouro que tinham acumulado nos últimos tempos. Quando tentaram falar sobre Koba, Rômulo disse que aquele era um assunto particular de sua alcateia e ele já havia decidido que a garota não receberia punição, e foi mais além; colocou em pauta o assunto de garotas poderem se transformar.

Os três alfas que eram acompanhados pelos filhos se revoltaram. Começaram a dizer que aquilo era uma barbaridade e que ninguém tinha o direito de mudar os costumes, já os outros três pediram que Rômulo continuasse sua argumentação.

— Nem sempre nós estamos por perto para poder defendê-las, algumas vezes elas chegam a enlouquecer por não poder se transformar em uma lua cheia e isso é terrível. Nossos filhos, sobrinhos e netos correm o risco de crescer sem suas mães por puro egoísmo nosso de privá-las da transformação. — Os três alfas bufavam de raiva. — Em um ataque às alcateias mulheres poderiam ajudar. Vimos o quanto uma mulher pode ser forte com Koba.

— Rômulo, acho melhor você calar-se, se não... — Os olhos de Baltazar brilharam num tom dourado.

— Você ousa me intimidar? — Rômulo bateu a mão sobre a mesa. — Há muito tempo atrás meu irmão tentou falar a mesma coisa e vocês não lhe deram ouvidos, mas agora vocês vão ouvir. Nós vivemos como selvagens e temos o dom da transformação ao nosso lado, porém existem cidades e mais cidades crescendo e se tornando poderosas, vocês sabem o quanto eles nos temem e o medo não leva apenas ao respeito, leva ao ódio também. Midgard, Évora, Braga, Carcassone e algumas outras cidades já pediram nossa ajuda para combater os dragões e nós negamos por arrogância de vocês. Isso também é um problema nosso e com a ajuda das mulheres seremos muito mais fortes.

— Vejo que as histórias sobre dragões ainda perturbam sua mente. — Baltazar se levantou da mesa e os outros dois alfas que estavam com ele também se levantavam. — Ótimo. Vocês três vão concordar com está loucura? Vão arcar com as consequências. — Os três se retiraram da sala acompanhados por seus filhos.

— O que você acha que eles irão fazer? — Os alfas se entreolhavam, todos pensativos.

— Nós sabemos que não é nada bom, Kael, então eu acho melhor um dos nossos ir atrás deles e investigar o que aconteceu.

— Eu vou. — O guarda costas de Kael se prontificou ao trabalho. Os alfas concordaram e ele saiu da sala.

— Que a Lua nos proteja. — Kael suspirou e eu pude sentir que o clima na sala mudou. Minha percepção de sentimentos se tornou um pouco mais aguçada com o tempo e um clima de desconfiança estava dentro do coração de todos ali. — Posso perguntar algo ao seu acompanhante, Rômulo? — Ele respondeu que, se eu não me importasse em responder, uma pergunta não haveria problema algum e eu lhe disse que responderia de bom grado. — Hoje eu ouvi algumas histórias sobre você, sobre o que você e seus amigos têm feito por aí e eu sinto que isso tem um motivo maior. Um garoto e duas garotas de repente aparecem e começam a se mostrar extraordinários caçando dragões e fazendo o bem... Não que isso não seja algo bom, é ótimo, mas... por quê?

Eu nunca havia pensado em como responder aquilo. As pessoas sabiam dos meus poderes, mas não faziam ideia do que estava por vir, de tudo que poderia acontecer a eles e as pessoas que tanto amavam. Nem eu sabia ao certo tudo que era capaz de fazer e não conhecia meus limites. Eu poderia lhe dizer que eu estava em busca dos sete Gládios para poder enfrentar os quatro Cavaleiros do Apocalipse, para que eu pudesse enfrentá-los de igual para igual e, assim, impedir que a profecia do apocalipse se cumprisse, porém eles poderiam não entender tudo aquilo ou poderiam criar um alarde. E então, não menti, mas não lhes disse a verdade completa.

— Porque é o certo a se fazer. — Os quatro sorriram.

— Você ainda vai ser alguém notável.

Ψ

Rômulo me liberou e me disse para ir dormir, pois o dia seguinte seria cheio.

Quando cheguei a meus aposentos, Sabra, Helena, Koba e Morgana me encheram de perguntas, porém Rômulo havia me pedido para não comentar os assuntos da reunião com ninguém. Sabra e Helena, apesar de toda a curiosidade, aceitaram bem a minha obrigação em manter o segredo; já Koba me importunou incessantemente, implorando para que eu contasse tudo que havia acontecido, mas, no final de tudo, acabou desistindo quando percebeu que eu não contaria.

Uma mulher que eu não conhecia estava arrumando o lugar. Koba me disse que era sua mãe, porém ela não era muito de falar graças a morte de seu marido. Quando ela terminou de arrumar o lugar, e foi embora dizendo apenas um adeus e beijando a bochecha da filha.

— Desde que meu pai se foi minha mãe nunca mais foi a mesma, ela trata quase todos como estranhos e fala muito pouco comigo. — Aos gaguejos, Koba tentava explicar o porquê de sua mãe não ter nos cumprimentado e pedia desculpas, mas nós dissemos a ela que ela não precisava explicar nada e que nós entendíamos perfeitamente. — Acho melhor irmos dormir. — Todos concordamos e depois de alguns minutos já estávamos todos dormindo.

Ψ

Estávamos separados cada um em um saco de dormir. Acordei no meio da noite como se algo não quisesse me deixar dormir, então saí de dentro da cabana em que estávamos e fui tomar um ar. 

Nero dormia próximo à porta, como quem montava guarda. Ele estava muito maior do que quando o vi sair do ovo. Continuei caminhando pela Toca até chegar na entrada principal, onde encontrei os dois guardas apagados e sangrando, graças a um corte profundo na barriga. Coloquei a mão na cintura para poder sacar Ascalon, porém havia a deixado na cabana, então aproximei-me lentamente dos dois.

— O que houve? — Os dois tentaram falar alguma coisa, mas suas vozes eram fracas e eles murmuravam algo incompreensível, a única coisa que pude entender foi a palavra “Lobo” — Não se preocupem, vou chamar ajuda. — Comecei a correr, mas, antes mesmo de me afastar alguns metros, ouvi algo saltar as minhas costas e quando me virei não havia mais nada lá. Eu podia sentir a presença de alguém tomado pela ira, e por mais que eu pudesse usar Potestatem ou Alae, me sentia dependente de Ascalon para uma luta. A liberdade e o poder são armas poderosas, mas não são eficientes sem a coragem.  Continuei, então, a correr e sentia a presença ainda me perseguindo.

Cheguei à cabana, bati a porta e a tranquei. Todas as meninas acordaram e me perguntaram o que havia acontecido. Quando expliquei tudo, entramos num acordo que eu e Koba iríamos avisar Rômulo enquanto Helena e Nero protegeriam Morgana e Sabra enquanto iriam buscar os dois guardas abatidos, mas, no momento em que coloquei a bainha de Ascalon na cintura, houve uma grande explosão em algum lugar da Toca.

No desespero, saímos juntos e parecia que todos acordaram e foram descobrir o que havia acontecido.

— Sabra, você sabe o que pode ser, não sabe? — Trocamos olhares e ela concordou com a cabeça. Se os sete pecados estivessem nos encontrado estaríamos em sérios apuros e seria melhor chamarmos sua atenção para que ninguém ali corresse risco, porém, vimos um homem correndo com uma garrafa cheia de algum líquido vermelho e um pano em chamas na boca da garrafa.

— Aquele homem, eu o conheço. — Os olhos de Koba banharam-se em prata. — Ele é da alcateia do Baltazar, mas, por que eles estariam fazendo isso? — O homem lançou a garrafa sobre uma cabana que rompeu em chamas.

— Que merda! Rômulo conseguiu os votos necessários hoje à noite para que as garotas também pudessem usufruir da forma de lobo, Baltazar disse a ele que iria arcar com as consequências.

Koba rugiu e eu podia sentir a ira passando pelo corpo e a cada segundo que se passava, a ira aumentava até o ponto de ela começar a tomar a forma de fera, pelo o que parecia involuntariamente.

— Koba, mantenha a calma. Você, desse jeito, pode até conseguir atingir o corpo de Baltazar, mas, se mantiver a calma, pode atingir o orgulho dele mostrando que o que ele faz não te abala. — Ela se acalmou, voltou a forma humana e respirou fundo. — Agora nós precisamos direcionar todas as pessoas pra fora da toca. Helena, chame Nero e, junto a Morgana e Sabra, sobrevoe o lugar tentando direcionar todos para o portão principal. Eu e Koba vamos por terra garantindo um caminho sem nenhum contratempo.

Helena gritou o nome de Nero e dentro de alguns segundos ele já estava presente. Elas montaram no dragão, que começou a voar baixo enquanto Koba tentava instruir as pessoas em qual direção seguir, mas as pessoas pareciam não ouvir o que ela dizia. E então, ao fundo, um rugido mais poderoso que o rugido de muitos dragões surgiu, fazendo com que as pessoas se calassem e mantivessem a calma.

— Todos vocês! Sigam Koba e aquele dragão! Isto é uma ordem! Nós estamos evacuando a Toca! — Rômulo surgiu entre a multidão e acenou fez um sinal positivo com as mãos para nós.

Koba tomou a frente da multidão e foi levando todos para fora da Toca, mas, antes que eu pudesse segui-la, Rômulo me puxou pelo braço.

— Eu preciso da sua ajuda, nós sabemos quem fez isso. — Eu acenei com a cabeça, os olhos do alfa se tornaram dourados e ele começou a farejar. — Por aqui. — Começamos a correr na direção oposta a multidão — Estou sentindo cheiro de alguma coisa fora do comum. Não é um lobo nem um humano. Continuamos correndo pela Toca até o momento que só podíamos ouvir as chamas queimando as casas, sem mais nenhum grito ao fundo. Foi aí que encontramos um homem vestindo uma túnica vermelho vinho, com um broche de dragão no centro, enquanto suas mãos pegavam fogo. Naquele momento, pensei nos sete pecados capitais, mas foi como se o homem tivesse lido meu pensamento.

— Não se preocupe, eu não sou quem você pensa. — Uma voz feminina soou e o que capuz que cobria seu rosto desceu, revelando uma garota de pele morena e cabelos cacheados. — Eu sou Belial, o demônio da vingança, e estou aqui para deixar um recado ao senhor Rômulo: Pare de tentar mudar o imutável antes que alguém se machuque diretamente. — Ela fez um sinal de reverencia e saquei minha espada. — Não se preocupe, não vou chamar nenhum dos sete pecados capitais, não tenho relação alguma com eles. Apenas faço as coisas por vingança e nada mais. Neste caso foi a vingança de outro e meu serviço já está feito, mas, se tentarem impedir minha passagem, eu serei obrigada a revidar, de uma forma ou outra. — Um sorriso malicioso estampou seu rosto. Deixá-la sair impune seria algo horrível, mas tentar impedi-la atrairia os sete pecados capitais.

— Está preparado, Cadmo? — Rômulo colocou suas garras para fora e estava prestes a se transformar.

— Não. — Coloquei a mão a sua frente e mexi a cabeça em um sinal negativo impedindo que ele avançasse. — Deixe-a ir, por favor. Vai ser o melhor a fazer, lhe garanto que você não quer conhecer os superiores a ela. — O alfa me encarou.

— Você sabe que se eu deixa-la ir posso estar consentindo com a morte de muitos na Toca e posso estar privando todos de uma vingança do assassino, não sabe? — Rômulo tinha uma respiração pesada e o ódio em seu corpo era próxima a que eu senti quando estive perto do próprio pecado da ira. — Eu conheço suas histórias, Cadmo, eu ouvi falar muito de você, mas como pode me garantir que devo permitir que isso aconteça? Como você pode me provar que esse caminho que você quer tomar é o correto?

Não tinha tempo para explicar tudo naquele momento, tinha que pensar rápido, então, não menti, mas não lhe disse a verdade completa.

— Porque é o certo a se fazer. — Rômulo respirou fundo e retornou a sua forma normal. Ele havia entendido a situação, então abrimos passagem para que ela fosse embora calmamente, como se nada tivesse acontecido. Quando ela finalmente desapareceu no caos de chamas suspirei fundo. — Obrigado por entender. Os outros que ela poderia chamar fariam algo muito pior do que queimar a Toca, eu te explico no caminho. — Durante o caminho em direção à saída da Toca eu expliquei-lhe tudo que havia acontecido nos últimos dias e ele me agradeceu por ter evitado o ataque a Belial.

Ψ

Ao encontrar as garotas, contei-as o que havia acontecido. Começamos a cogitar a ideia de haverem muitos outros demônios por aí e, com certeza, muitos dispostos a nos entregar aos sete pecados capitais.

— Mas agora não é hora de pensar nisso, meu tio se nega a revidar o ataque vindo dos outros alfas. Disse que devemos sentar e esperar, mas eu não posso fazer isso. Não sabendo que provavelmente foram eles quem fizeram isso com o meu lar, e, o pior de tudo, provavelmente eles são os culpados do que aconteceu com meu pai. — Koba socou o chão e bufou. — Agora meu tio e seus homens estão tentando conter o fogo da cidade e nós estamos aqui sem poder fazer nada. — A mãe da garota chegou e sentou ao seu lado abraçando sua filha e as duas desataram a chorar.

— Foi exatamente assim quando seu pai morreu. Foi neste momento que eu recebi a notícia da morte dele. Eu estava fugindo do ataque a Toca com os outros quando seu tio apareceu e contou o que havia acontecido. Eu desabei a chorar e você não entendia nada, mas não parava de me abraçar e chorar junto comigo balbuciando que tudo ficaria bem. — Paloma, a mãe de Koba, soluçava enquanto olhava para os olhos da filha passando a mão pelos cabelos curtos e escuros como a noite da filha. — Venham, eu quero mostrar uma coisa a vocês, e eu preciso da sua ajuda. — Ela sorriu para Sabra, o que surpreendeu até mesmo Koba que, aparentemente, não via muito a mãe sorrir.

Paloma levou-nos para um lugar afastado da toca, as árvores lá não tinham folhas e estavam completamente secas.

— Está lenda atravessa gerações entre os lobos.

“Por estas terras viviam dois irmãos. O mais velho vivia como agricultor e possuía vastos campos de todos os tipos de plantas, já o mais novo vivia da criação de ovelhas, as mais belas e saudáveis.

Certa vez um homem muito magro e doente passava por ali. Apresentou-se como Theo e pediu ajuda dos dois irmãos e eles, de bom grado, lhe deram água, comida e uma cama para dormir. Theo, após melhorar, conversou com os irmãos, contando tudo que já havia visto em suas viagens, e disse a eles que a parte mais triste de viajar assim não era a fome ou a sede, mas sim a solidão.

Ao se passarem sete dias, ele disse que precisava partir e perguntou aos irmãos se ele poderia levar algo deles em sua viagem. O mais velho deu-lhe um saco com os frutos que sobraram da última colheita para que pudesse viajar sem sentir fome por um bom tempo. Já o mais novo, um pouco envergonhado por não ter nada que pudesse saciar a fome do viajante, lhe ofereceu a sua ovelha mais bonita e disse que era para que Theo não se sentisse mais tão solitário em suas viagens.  O rapaz demonstrou uma felicidade enorme ao receber a ovelha, porém isso despertou um ciúme tremendo no irmão mais velho, que se sentiu desprezado, como se seu presente não fosse tão bom quanto o do irmão.

Quando Theo partiu, o mais velho chamou o irmão mais novo para caminhar pelos campos e o inocente aceitou a proposta sem nem desconfiar que seu irmão estivesse tomado pelo ódio.

Chegando ao topo de uma colina, o mais velho sacou um punhal que havia feito com os ossos de ovelhas que seu irmão havia jogado fora e apunhalou-o pelas costas, e foi assim que Caim matou Abel, o primeiro derramamento de sangue.

Caim, algum tempo depois, recebe a visita de Theo, que sentiu saudades dos dois irmãos que o trataram tão bem, e, sem saber exatamente o que dizer, Caim contou-lhe o que havia acontecido e Theo, desapontado, diz que ele precisava pagar pelo o que havia feito, então amaldiçoa o homem, dizendo que ele poderia passar o tempo que fosse tentando esquecer o que havia feito com o irmão, poderia tentar tirar a própria vida, mas quando a Lua cheia tocasse o ponto mais alto do céu, ele se fundiria aos ossos amaldiçoados que usou para tirar a vida do irmão e seu corpo tomaria a forma da besta que habitava o seu interior.

E a lenda diz que até hoje ele caminha por essa floresta, procurando alguém que possa tirar sua vida ou que possa saciar a fome da besta. Alguém de coração puro o suficiente que perdoe o seu pecado e livre-o de todo o mal que já praticou e, assim, ele poderá dormir em paz”.

Paloma tirou do chão um osso longo e afiado na ponta.

— Está é a arma para matar a besta. — Ela estendeu em direção a Sabra. — E você é quem pode livrá-la de tudo isso.


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