Acasos escrita por Lils-way


Capítulo 7
Fallin' For you




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(Mille)

  Depois do meu ataque de nervosismo, subi e resolvi tomar um banho. Não me animei nem mesmo quando Marley começou a andar em volta de mim todo alegre, e subi os degraus quase me arrastando. Andei pelo corredor pesadamente, e quando finalmente abri a porta para entrar, vi Marley sentado, me olhando daquele jeito pidão.

 

Girei os olhos.

 

- Olhe, vou tomar um banho, e aí vejo se desço e fico por aí com você, tá? – resmunguei, e afaguei as orelhas dele de leve. Não que eu me considere uma pessoa normal, mas falo sim com meu cachorro e considero isso normal. Eu amo Marley. Eu sei que não parece, afinal eu o chamo de infeliz 23hs por dia, mas na última hora eu costumo ser carinhosa. Eu gosto – e muito - da bolota gigante de pelos boba e alegre.

 

    Marley abanou o rabo, parecendo feliz. Parecia até que me entendia. Sorri de lado,e fechei a porta. Olhei minha cama, que parecia tão convidativa, mas passei direto. Peguei uma blusa de algodão regata, com detalhes azuis, bem soltinha, e um short jeans confortável, e fui para o banheiro. Uma ducha ia cair bem. Eu me sentia tão cansada mentalmente. Informação demais, acontecimentos demais.

 

  Tomei um banho bem demorado. Fechei os olhos, relaxei, e tentei expulsar as lembranças e as sensações do que havia sentido antes. Cara, se eu pudesse voltar no tempo, pra começo de conversa eu tinha cumprido meu plantão. Teria evitado tudo isso… e eu não estaria me sentindo tão culpada. Quero dizer, não tenho nada com Sammy, mas… poxa, eu não costumo beijar outra pessoa quando na verdade estou interessada em outra. Isso me parece errado. Eu não sou assim.

 

- Droga – murmurei outra vez, e suspirei, sentindo a água escorrer pelo meu corpo. Parecia que só havia uma saída: Fugir de Sammy e de Thiago. De Sammy por que eu não me sentia no direito de dar chances a ele tendo feito o que fiz. E de Thiago… bom, era capaz de enfiar o nariz dele no cérebro se o encontrasse por aí com aquela cara de tacho dele.

 

  Enfim, não sei quanto tempo fiquei debaixo do chuveiro. Só sei que saí quando me senti mais leve. Vesti a roupa que havia pego, prendi meu cabelo numa trança comprida e desleixada, e me espreguicei. Estava planejando ir fazer algo pra comer quando passei pelo quarto de Mandy. Me lembrei da porta, da fechadura… inevitavelmente passei pela cena do café… e parei por aí. Mandy. Só quero saber como ela entrou. Forcei minha mente a acelerar as cenas. Pulei para a cena que bati a porta com força e entrei.

 

    A porta estava destrancada. Era pra estar. Eu não tinha as chaves. Dei ombros, e abri a porta do quarto da minha amiga nanica bem devagar. Se ela estivesse dormindo, não ia querer acordá-la. Quando coloquei a cabeça para dentro, vi algo debaixo de uma nuvem de cobertores. Mandy, é claro. Ela dormia com uns mil cobertores. Sorri de lado e fechei a porta silenciosamente. Mas então, quando eu estava mais relaxada, me lembrei: eu não tinha as chaves, elas provavelmente estavam com…

 

   … Thiago, é claro.

 

- Era só o que me faltava! – Eu berrei, irritada. Desci as escadas pisando duro e me joguei no sofá branco ao chegar na sala. Nem me incomodei com o fato de Marley não ter vindo xeretar o por quê do meu grito estressado. Sabe o que eu queria? Dormir. Fazer de conta que tudo era um maldito sonho. Sonho não, pesadelo.

 

  Mas não consegui. Não imediatamente. Virei, ficando de barriga pra cima, e por um bom tempo me peguei mirando o teto. Várias coisas se passavam por minha mente: Quando minha vida deu um salto e ficou tão complicada no quesito amoroso, como num instante ninguém estava dando em cima de mim ou me roubando beijos e como agora eu estava numa enrascada porque logo dois sugiram DO NADA. De um lado um ruivo que vinha tentando algo a um tempinho, mas eu nunca havia dado uma chance. E quando dou… de um outro lado surge um chef metido a gostosão deixa tudo de pernas pro ar. Gemi, desanimada.

 

Como eu ia consertar aquilo?

 

  Não consegui achar respostas. Meus olhos foram ficando pesados, meu corpo relaxado, e antes que pudesse notar, eu finalmente caí num sono profundo.

  

 

----

 

(Mandy)

 

  Eu ia matar Mille Evans! Como ela ousou trocar a droga da fechadura sem me avisar? Poxa! Eu sei que devia ter avisado que já tinha saído do hospital, mas não era pra tanto.

 

- Eu quero minha cama! – Choraminguei, batendo o pé no chão. Eu tinha o direito! Eu quase havia comido o pão que o diabo amassou, pisou em cima, sentou… se não fosse por Nick…

 

  Não pude evitar que um sorriso se alojasse em minha boca. Deveria estar parecendo uma retardada naquele estado crítico em que estava sorrindo do nada parada no meio do corredor, mas dane-se. Se eu soubesse que Mille ia fazer aquilo, eu tinha ficado no show do The Clash. Eles tocavam tão bem…

 

 - Merda – sussurrei, irritada. Não adiantava tocar a campainha, Mille tinha um sono muito pesado. Raramente acordava. Me ferrei. Minha chave não entrava na fechadura nem com reza. Deus, por que comigo? Trinquei os dentes, e caminhei em direção ao elevador. Ia descer e esperar na recepção, não havia muito mais o que fazer. Apertei o botão que chamava a caixa metálica e cruzei os braços fortemente. Droga, droga, droga. Maldita madrugada.

 

  Enfim, quando finalmente o elevador chegou, quando abriu as portas, quando eu ia entrar – eu e meu mau-humor - quase caí dura ao erguer o rosto ver quem estava dentro dele. Arregalei os olhos. Era brincadeira, né?

 

- Por que você foi embora? – Nick Wilshire perguntou, com cara de poucos amigos, encostado na parede metálica com as mãos nos bolsos.

 

- Eu precisava vir pra casa – eu respondi, encolhendo os ombros.

 

- Avisasse! Sabe o quanto fiquei preocupado? – ele resmungou, contrariado.

 

- Mas eu pedi pra tia Charlotte te avisar!

 

   Ele pareceu surpreso, e depois suspirou. Resmungou algo sobre Tia Charlotte ser desligada e passou a mão pelos fios negros e sedosos.

 

- Vai descer? – me perguntou, mais calmo.

 

- Vou esperar o dia amanhecer na recepção.

 

  Nick franziu o cenho.

 

- Por quê?

 

- Mille trocou a fechadura da porta – eu mirei meus pés. Eu estava horrível. – Acho que se esqueceu de me avisar.

 

- Ah. Então vamos lá embaixo e depois você sobe e fica comigo – ele sorriu, balançando os ombros, mas isso foi antes dele coçar a cabeça sem jeito – Digo, no meu apartamento.

 

Eu ri.

 

- Pra que ir lá embaixo?

 

- A turma. Você não se despediu do The Clash.

 

Minha reação foi imediata: Fiz uma careta.

 

- Ah sim, a turma… - dei um sorrisinho amarelo.

 

- Ah sim, a turma! – E então Nick me puxou para dentro do elevador, sorrindo maliciosamente. Sabia muito bem de como Josh havia me deixando constrangida. Eu me encolhi.

 

  O silêncio só durou alguns segundos antes de Nick me olhar, rindo baixinho, enquanto o elevador descia lentamente.

 

- Você não quer ir, quer?

 

Minha máscara caiu. E caiu rápido demais, porque agi de forma totalmente inesperada: Eu cobri o rosto com as mãos e encostei a cabeça no ombro de Nick.

 

- Não!

 

Ele deu risada, se divertindo, e passou os braços em torno do meu corpo. Estremeci.

 

- Qual o problema de ir lá?

 

- Tenho medo de Josh quebrar minhas costelas num abraço – confessei, sem jeito.

 

Nick deu risada. O corpo dele sacudiu levemente. Me senti tão protegida. O que estava acontecendo comigo?

 

- Não se preocupe, não vou permitir isso – ele colocou uma mecha do meu cabelo atrás da orelha, e eu acabei erguendo o rosto. O flagrei me olhando, tão próximo que senti sua respiração atingir meu rosto levemente.

 

   Eu sabia o que viria a seguir. Eu também estava próxima, e apesar do elevador continuar descendo, não consegui me preocupar com isso. A única coisa em minha mente era a ação de como eu ia encostar meus lábios nos de Nick. Nos lábios rosados e convidativos de Nick. Por que mesmo estando num estado nada desejável, mesmo que não estivesse em um dos meus melhores dias, ele foi simplesmente incrível, o tempo inteiro.

 

   E de repente aconteceu: O elevador deu um solavanco suficientemente forte para me fazer dar vários passos para trás, batendo as costas na parede metálica, e fazer Nick ter que me soltar para se apoiar.

 

  E nessa hora, nessa hora horrível, em que mal pude vislumbrar os olhos azuis dele, eu fui atingida por uma verdade que era a explicação para tudo o que estava sentindo nas últimas horas. Desde o momento em que havia cantado com ele no carro até agora. Quando ele confessou ter cantado mal pra me ver bem. Quando ele segurou minha mão. Quando cuidou dos meus ferimentos. Quando teve a paciência de agüentar meu mau-humor.

 

  Era simples: Eu conhecia Nick Wilshire a horas, mas eu estava me apaixonando por ele. Eu gostava do jeito engraçado e descontraído de Nick. Do modo como ele me tratava – como tratava os outros – como era gentil, como era calmo, como era divertido. Como era até mesmo bondoso. Tudo aquilo em Nick me atraía, me encantava, ele era diferente.

 

    Eu gemi, desviando o olhar, minha respiração irregular. Eu não acredito nisso! Chegava a ser inacreditável. Eu passava pela porta do apartamento de Nick. Eu saia, eu entrava naquele elevador, ele morava ali, ele sempre estava ali, e só agora, somente agora, as coisas aconteciam em questão de horas!

 

 Talvez pela descoberta repentina, ou pelo fato de estar meio atordoada, caí. Meus joelhos fraquejaram, e eu cedi. Eu não acreditava! Como…?

 

    Minha mente de repente vagou para uns cinco anos atrás. De repente eu estava dentro do quarto de Mille, quando ela ainda morava em Carmel, aqui em Malibu mesmo. Nós duas estávamos vendo um filme que eu surtei para alugar. Eu achava o filme ótimo, incrível, era “Closer – Perto Demais”. Tinha algumas frases que eu imaginava que fossem ser verdade – eu não costumava me apaixonar com freqüência na época.

 

   E uma delas veio na minha mente. Parecia se encaixar direitinho com o que eu estava passando.

 

   O amor é um acidente esperando para acontecer.

 

  Arfei. O que era aquilo? Eu acabava de descobrir que estava apaixonada e minha mente doentia já saia distribuindo sementes de loucura pelos quatro ventos? Fala sério! Mordi meu lábio, tensa, e meu nível de estresse chegou ao máximo. Apoiei minhas mãos no chão gélido e suspirei. Que inferno de dia!

 

- Mandy? – Nick exclamou, a voz rouca.

 

  Eu apenas balancei a cabeça. Não queria encará-lo. Não queria mirar aqueles olhos azuis e saber que eu sentia o que estava sentindo.

 

  E de repente eu senti dois braços protetores em torno dos meus ombros, e minha cabeça se ajustou perfeitamente na curvatura de um pescoço. Senti uma fragrância diferente, um cheiro desconhecido e ligeiramente forte – mas estranhamente doce. Não doce enjoativo, doce sutil. Do tipo que fazia você se sentir protegida, envolvida num abraço que, aliás, estava acontecendo. Nick Wilshire havia me abraçado. É, isso mesmo. Uma de suas mãos foi parar na base de minhas costas e a outra acariciou meu cabelo bagunçado suavemente.

 

- Calma. Eu sei que está sendo um dia difícil, mas tudo vai dar certo.

 

  Não respondi nada. Passei os braços em torno do pescoço dele e me atirei num abraço acolhedor. Nick beijou minha bochecha, e eu fechei os olhos. Como era bom tê-lo ali, tão perto, me abraçando… embora eu soubesse que, por parte dele, não deveria ser tão bom. Afinal de contas Nick não deveria me corresponder. Ele não sentia o que eu sentia. Não deveria compartilhar das sensações que eu: As mãos geladas, algo fazendo manobras radicais em meu estômago, os joelhos fracos. Ridículo. Tinha até borboletas no estômago.

 

   Eu estou mesmo apaixonada. Mas que droga.

 

- Você está bem? – ele me perguntou, o rosto contra meu cabelo.

 

- Eu… acho que sim – minha voz estava deprimida até para mim mesma. De repente falar com Nick me trouxe de volta à realidade. O que eu estava fazendo? Estava rápido demais. Minhas emoções estavam liderando demais minhas ações. Não era assim. Não podia ser assim.

 

   Me afastei, e passei a mão pelo rosto, ciente de que realmente estava precisando ir para casa – eu estava com uma vontade tão grande de sair correndo e gritando por aí. Mas me controlei. Tinha que parecer normal aos olhos de Nick.

 

- Certeza? – ele me examinou rapidamente, uma ruguinha de preocupação surgindo entre os olhos azuis – Você parece meio…

 

- Horrível, desgranhenta, precisando dormir, com olheiras terríveis, com fome, com saudade da minha cama, querendo matar alguém, feia-

 

   Nick me silenciou com o dedo indicador. Tinha se aproximado. Estava perto – perto demais.

 

- Você quer calar essa boca? – ele parecia achar idiota meu discurso de como estava me sentindo. Que raiva! Eu é quem estava apaixonada por alguém que jamais iria me corresponder. – Eu quis dizer que você parecia nervosa.

 

   Mantive meus olhos fixos nos deles, furiosa, mas depois suspirei, quando o dedo dele não estava mais em meus lábios. De repente eu estava me sentindo triste.

 

- Talvez eu esteja – respondi, vagamente, e quebrei o contato visual.

 

  Mas é claro que Nick Insistente Wilshire segurou meu rosto entre suas mãos, e eu tive que o encarar. Dessa vez nem havia como fugir dos olhos inescrupulosamente azuis dele. Merda.

 

- Mandy.

 

    Girei os olhos, impaciente. Por que ele não me deixava em paz?

 

- Nick.

 

- O que há? Você não estava assim antes – ele me disse, em voz baixa.

 

   É porque eu descobri que estou apaixonada por você, idiota.

 

- Estresse – eu respondi, automaticamente.

 

   Nick continuou me olhando. Não estava convencido. Eu estava em apuros! E agora?

 

- Hã… - eu comecei, sem saber o que dizer. Ele continuava me segurando perto dele, meu rosto preso entre suas mãos mornas. – Nick, eu…

 

- Não diga nada – ele pediu, e então, de repente, me beijou.

 

  Me beijou.

 

  Os lábios rosados, macios e quentes de Nick moldaram-se aos meus e parece que o simples contato acendeu uma chama dentro de mim. Não pude, não consegui me controlar. Passei um dos braços pelo pescoço de Nick, e minha mão inevitavelmente foi parar entre seus fios negros, lisos e sedosos. Não era só um simples beijo. Era uma coisa indescritível – eu não sabia como agir.

 

   E as coisas não melhoraram muito quando Nick deslizou uma das mãos pela minha cintura, e quando essa mesma mão dele fez com que nossos corpos ficassem ainda mais próximos – ele havia me inclinado para ele, e eu pude sentir cada mínimo poro do meu corpo incendiar. Ter ele tão perto fazia com que eu literalmente pegasse fogo. E meu provável e pouco controle se foi quando Nick entreabriu os lábios, me fazendo o imitar. Quando nossas línguas se tocaram, quando o desejo finalmente correu junto com meu sangue nas veias.

 

  O beijo realmente se transformou. Antes éramos só nós nos beijando – agora era a mão dele descendo de meu rosto para meu pescoço, deslizando por meu ombro, indo para minhas costas, fazendo movimentos tão suaves com os dedos que minha pele automaticamente reagiu com um arrepio. Eram as mãos deles passeando por meu corpo de forma doce e carinhosa, a ponto de me fazer perder a noção do que acontecia à minha volta. Era a mão dele indo parar no meu cabelo, era a boca de Nick se movendo junto com a minha, éramos nós nos tocando. Eu já nem tinha muita consciência dos movimentos que fazia; talvez meus dedos em sua nuca fazendo carícias lentas e circulares, minha mão livre espalmada em seu peito largo. Algo assim.

 

   Eu não conseguia descrever como meu coração havia saltitado do nada e começado a bater alucinadamente em meu peito. Como me senti feliz – feliz! Meu Deus, estou mesmo apaixonada. Droga! – em estar perto de Nick o beijando, sentindo o perfume másculo e doce dele me deixar envolvida, em como era absurdamente ótimo sentir o calor do corpo dele se misturando ao meu, nossas peles se tocando, nossas bocas se movendo juntas. Era ótimo. E tinha um significado muito decisivo: Se Nick me beijou, é porque alguma coisa ele sentia. Atração, pelo menos. Não sei, mas eu deveria ter algum significado para ele. Eu não queria pensar naquilo agora.

 

   A cada beijo que trocávamos eu via um sorriso estampado nos lábios dele. Cada vez que nós nos tocávamos, podia sentir que ele me puxava mais e mais para perto. E eu tinha certeza que estava igual. Igual não, pior. Meu sorriso devia ser retardadamente mais feliz e eu tinha consciência de meus braços cada vez mais estreitos no corpo de Nick. E afinal de contas, a apaixonada da história era eu.

 

   Não sei ao certo quando finalmente nos afastamos. Só sei que sabia que havia terminado quando ficamos abraçados, em silêncio. Aos poucos fui me afastando, Nick também. Não ficamos longe um do outro, a distância era mínima, era perto o suficiente para os nossos olhos permanecerem fixos um no outro.

 

  Abrimos a boca para falar, ao mesmo tempo. Ele, cavalheiro – na hora errada – fez um gesto para que eu prosseguisse. Meu Deus. Por que ele não quis falar primeiro? Eu não tinha idéia do que dizer!

 

- Eu…

 

   Procurei palavras para falar. Para dizer. Mas o problema era: O que diabos eu ia dizer? Santo Deus. Eu estava ferrada. Cocei a cabeça, confusa. Me recusava terminantemente a dizer que estava apaixonada – eu não ia assumir aquilo tão cedo!

 

  E então, para meu grande alívio, o elevador voltou a funcionar. Como estávamos apenas a um andar da portaria, quando a caixa metálica abriu as portas, algumas pessoas esperavam para entrar. Foi o desfecho perfeito: peguei minhas coisas do chão, levantei e saí correndo. Corri com toda velocidade que pude, subi as escadas a milhão. Não olhei para trás. Ouvi alguém me chamar, mas eu havia chegado a um ponto em que estava com medo da minha sanidade mental. Era aventura demais para uma pessoa só. Ignorei o quão meus pulmões passaram a arder por falta de ar, meu andar não era um dos primeiros. Mas quando vi aquela porta, a minha porta branca do meu apartamento, da minha casa, decidi: Eu ia entrar ali nem que precisasse dar uma voadora na porta, como diria Mille.

 

  E eu entrei. Girei a maçaneta, e entrei.

 

  Demorei uns segundos para entender que estava dentro do meu apartamento. A chave não tinha nem entrado. Como…?

 

- Claro – eu mirei a porta, e quase gritei de raiva – Porque a gênia nem experimentou girar a maçaneta!!!

 

   Se antes eu estava surtando de raiva, nervosismo e confusão, agora eu estava mil vezes pior. Se eu tivesse girado a droga da maçaneta, eu teria entrado, e teria evitado esses acontecimentos e descobertas. Teria tudo se tornado muito mais fácil e menos complicado do que agora.

 

  Eu preferi deixar a enxurrada de palavrões que se formou em minha mente enterrados debaixo do meu estresse. Era melhor.

 

 Cobri o rosto com as mãos.

 

- Oh meu Deus… - eu sussurrei, sem saber o que fazer. Estava exausta. Fisica e mentalmente. Sentia que estava verdadeiramente confusa.

 

Suspirei, fechando os olhos, e me deixei cair de costas no sofá branco e fofo da sala.

 

- Mandy…! – Mille exclamou, a voz abafada. Um pouco tarde demais me liguei que na realidade ela estava embaixo de mim.

 

  Saí de cima dela e cobri a boca com as mãos.

 

- Desculpa mana! – exclamei, sem jeito.

 

  Mille endireitou-se no sofá, os olhos castanhos claros semicerrados. Ela se espreguiçou, e me olhou, coçando a cabeça.

 

  E então sua expressão tornou-se preocupada e confusa.

 

- Mas o que…? Você estava lá em cima! – ela acusou, parecendo abismada.

 

- Como, se cheguei agora? – eu rebati, me sentando ao lado dela.

 

 Mille parou para pensar. Quando chegou a uma conclusão, girou os olhos.

 

- Marley estava na sua cama, então – ela disse, e sem mais rodeios levantou-se e me puxou junto.

 

- O que está fazendo? – perguntei, quando ela passou os braços pelos meus ombros e começou a me ajudar a andar pela sala. Decidi não me irritar com Marley.

 

- Eu não sei o que aconteceu e nem como tampouco aconteceu – Ela começou a falar, baixinho, e me fez encostar a cabeça no seu ombro. Mille tinha um cheiro de chocolate inexplicavelmente bom. Me senti em casa  - Mas algo aconteceu. Então você vai tomar um banho – ela ordenou, me puxando pela escada – comer algo, dormir, e eu ligarei para o hospital. Você não vai a lugar nenhum hoje.

 

- Não estou tão mal!

 

- Mandy – Quando chegamos ao corredor, Mille parecia segurar um risinho – Você já se olhou no espelho?

 

   Fiz um sinal negativo com a cabeça.

 

- Está tão mal assim? – arrisquei perguntar, enquanto novamente minha amiga baixinha me conduzia em direção ao meu quarto.

 

- Você verá – ela me respondeu simplesmente, antes de entrarmos no meu quarto. Empurrou-me em direção ao banheiro, e me posicionou diante do espelho.

 

  Olheiras. Cansaço. Estresse. Eu estava horrível. Terrível. A única coisa positiva é que meu cabelo não estava assim tão ruim. Meio opaco, mas sem embaraços, só bagunçado. Minha roupa, é claro, estava destruída.

 

  Menos o casaco. Porque o casaco era de Nick.

 

Enrubesci, e joguei a questão de como ia fazer para entregar a peça ao dono para um espaço bem vazio da minha mente. Quando me dei conta, vi Mille me olhando, sentada no chão. Ela estava enchendo a banheira, colocando aromatizantes dentro da água.

 

- Você precisa mesmo dormir – ela decretou, simplesmente. – Depois vai me contar o que aconteceu, não vai?

 

 Suspirei.

 

- Vou.

 

  Ela sorriu, satisfeita, e ergueu-se. Se aproximou de mim e afagou meu cabelo de leve, já saindo do banheiro.

 

- Descanse. Pode deixar que eu resolvo as coisas lá pelo hospital.

 

Sorri, grata.

 

- Obrigada, mana – murmurei, verdadeiramente feliz de não ir trabalhar.

 

Mille deu ombros, e encaminhou-se para a porta do banheiro. E então eu notei algo.

 

Ela não estava feliz. Estava meio desanimada. Apesar da preocupação não deixar isso em evidência, eu percebi. Por que seus olhos, sempre tão vivos e cheios de vida, estavam meio distantes, chateados.

 

- E você? – perguntei, ainda me encarando no espelho. – Vai me contar?

 

 Ela parou na porta. Nós duas nos olhamos. Nós não éramos irmãs de sangue, mas de coração. Cuidar uma da outra era obrigatório ali. Se ela não estava bem, eu não estava bem. E se eu não estava bem, vice-versa. Era assim. E sempre seria. Não existiria, jamais, Mandy sem Mille, e Mille sem Mandy. Éramos irmãs, apenas isso.

 

- Vou. – ela deu um sorriso enviesado, e saiu do banheiro, fechando a porta.

 

   Finalmente sozinha, me permiti não dar espaço para pensamentos. Queria apenas relaxar. Eu ia sim tomar um banho e descer para saber o que havia acontecido com Mille.

 

-----

 

(Mille)

 

  A primeira coisa que fiz ao descer foi ligar para o hospital. Expliquei que Amanda Way Carter não ia trabalhar, pois estava terrivelmente doente, com furúnculos na cara e espinhas do tamanho de goiabas na bunda.

 

  Ok, não foi bem assim. Apenas disse que a nutricionista Amanda Way Carter estava muito gripada e que por isso estava debilitada, não ia trabalhar. Expliquei também que precisaria de cuidados, e que por isso eu mesma não ia. A atendente apenas confirmou. Eu e Mandy havíamos cumprido nossos plantões, tínhamos direito de tirar aquele dia de folga.

 

  Desliguei o telefone um pouco mais animada. Me espreguicei relaxadamente e decidi escutar alguma coisa. Meu estômago roncou, pedindo algo para preenchê-lo. Eu não havia comido nada. Me limitei a suspirar, e antes de ir para a cozinha, procurei algum CD para ouvir. Peguei um que nem cheguei a ver o título, era apenas azul a capa. E como eu adorava essa cor, peguei o cd.

 

 Enquanto eu ia para a cozinha, a primeira música que tocou foi Bubbly, de Colbie Caillat. Sorri, enquanto pegava os ingredientes para fazer um sanduíche – pão, tomate, alface, peito de peru e mais um monte de besteiras. Comecei a prestar atenção na letra da música. Era tão singela, me fez sorrir e querer cantarolar. E foi isso que eu fiz. Agradeci aos céus por minha voz ser baixa.

 

   Montei o sanduíche cantando, minha mente ainda prestando atenção na música. Fui para a sala, e me joguei no sofá, a canção ainda sendo o foco de minhas atenções. Dormir me fez tão bem… estava bem mais relaxada. Claro que meus problemas ainda estavam lá, não iam se resolver sozinhos, mas agora, mais calma, eu podia pensar neles ocasionalmente sem me estressar tanto.

 

  Quando me dei conta, outra música havia iniciado. Midnight Bottle. Também de Colbie Caillat. Não era fã dessa música, mas gostava da melodia. Comi meu sanduíche a escutando, a atividade era tão relaxante. Depois dessa, a outra foi Lucky, que tinha participação especial de Jason Mraz. Também gostava dessa, então continuei ouvindo a música tranquilamente. Me deitei no sofá, agora de estômago cheio, e fechei os olhos. Nesse meio tempo, a música seguinte que iniciou foi I’m Yours, de Jason Mraz. Sorri abertamente, adorava aquela música. Passei um bom tempo cantarolando ela, e suspirei, mirando o teto, parando para escutá-la.

 

   Nessa hora, a música chegou aos último refrão. Me peguei surpresa, me lembrando de… Sammy.

 

“Please don't, please don't, please don'

Então, não por favor, não por favor, não por favor

 

 There's no need to complicate

Não há necessidade de complicar

 

Cause our time is short

Porque o nosso tempo é curto

 

 This oh this this is out fate, I'm yours!

Este é o nosso destino, eu sou seu!”

 

 Será que eu estava complicando as coisas? Me sentei, um pouco surpresa. A música continuou tocando, meu coração agora acelerado. Será que era tudo simples e eu estava tornando as coisas terrivelmente complicadas?

 

- Mille? – a voz de Mandy me tirou de devaneios. Foi na mesma hora que a música acabou. Passei a mão pelo cabelo, ainda meio aérea. – Tudo bem por aí? – ela me perguntou, sentando ao meu lado. Havia se livrado da roupa que estava – inclusive o casaco preto misterioso que eu jamais a vi usando – e estava com uma blusa branca de alças, e uma bermudinha de algodão, roupas bem leves.

 

- Hã – Sorri, e me endireitei no sofá. Outra música havia começado. Me estiquei no sofá e baixei o som, de forma que a melodia se tornou ambiente, bem baixa. Suspirei e olhei Mandy, sem ânimo algum ao reconhecer a música. Fallin’ For You. Que bela música para se falar de problemas amorosos. – Yep. E você, não vai dormir?

 

I don't know but

Eu não sei mas

 

 I think I may be

Penso que esteja ficando

 

 Fallin' for you

Apaixonada por você

 

Dropping so quickly

Caindo rapidamente

 

- Precisamos conversar – ela disse, e suspirou, passando a mão pelos cabelos, agora molhados – acho que me meti numa tremenda confusão.

 

Maybe I should

Talvez eu deva

 

Keep this to myself

Guardar isso pra mim mesma

 

Waiting 'til I

Esperar até

 

 Know you better

 Conhecê-lo melhor

 

  Suspirei, e cobri a boca com a mão, meus olhos crispados.

 

- Talvez eu também tenha me metido num mato sem cachorro.

 

- Você quer contar primeiro? – ela me perguntou, preocupada.

 

- Não, fale você. Odeio pensar nisso – confessei, com um suspiro.

 

   Mandy apenas maneou a cabeça, e seguidamente começou a relatar o que aconteceu depois que fui embora. Momentaneamente, esqueci meus problemas. A principio tentei ver o que havia de tão ruim na noite de Mandy, mas quando ela contou sobre o que havia ocorrido no elevador, entendi direitinho o por que dela estar preocupada, oscilando entre o feliz e o triste.

 

   Fator um: Mandy realmente estava apaixonada pelo tal Nick.

E ela nunca foi uma pessoa que se apaixonava fácil, então esse cara deve mesmo ser incrível.

 

  Fator dois: O beijo deu a ela motivos para pensar se ele não sentia algo. O problema era que ela não cogitava que ele também estivesse apaixonado por ela. Só pensava que ele talvez tivesse a beijado porque ela estava muito estressada, porque estava nervosa, porque ele sentiu atração… mas pelo visto não estava pensando na possibilidade dele estar gostando dela também.

 

  E o resultado: Amanda Way estava decididamente confusa. Tão confusa que beirava a tristeza.

 

   Franzi o cenho ao vê-la suspirar profundamente, e a abracei. Tentei dizer o que pensava – sobre Nick também gostar dela – mas Amada Way Teimosa Carter pediu para que eu não falasse nada, por enquanto. Ela só queria esquecer.

 

    Obedeci. Cada um tratava seus problemas à sua maneira.

 

- E você? – ela me perguntou, a cabeça apoiada em minhas pernas. Estava deitada no sofá. – O que houve?

 

   Hesitei.

 

- Eu odeio Thiago Black – eu comentei, antes de iniciar meu relato.

 

   Foi a vez de Mandy fazer caras e bocas, me escutando. E eu contei tudo. Desde a quebra da chave até o – maldito – beijo e as galinhas no corredor faltando colocar ovos de tão surpresas que ficaram.

 

   Quando terminei, Mandy parecia surpresamente surpresa.

 

- Você beijou Thiago pensando em Sammy?

 

- Eu não beijei Thiago, Man – eu a corrigi, aborrecida. – Ele me beijou. Sim, pensei em Sammy.

 

- Mas como… - ela balbuciou, confusa.

 

- Eu não sei – minha voz saiu um tanto deprimida – eu… acho que gosto de Sammy. Mais do que pensei.

 

    Nós duas nos olhamos brevemente.

 

- Estamos ferradas, não estamos? – perguntei, sem humor.

 

- Completamente. – Mandy concordou.

 

     Abrimos sorrisos parecidos, e depois ficamos em silêncio. Imersas em pensamentos, ocupadas em pensar em soluções para nossos próprios problemas. As coisas não estavam lá muito fáceis de se resolver.

 

    Eu não sei quanto tempo ficamos daquele jeito. Só sei que Mandy pegou no sono ali mesmo, cansada. Suspirei, e decidi não acordá-la. Tive a brilhante idéia de ligar a TV e procurar algo decente para ver. Mas de brilhante minha idéia não teve nada, afinal de contas nunca tinha algo legal passando na TV. Fiz uma careta, e continuei passando os canais. Para minha imensa surpresa, achei algo decente. Ok, não era a 8ª maravilha do mundo, mas eu realmente gostava. Era F.R.I.E.N.D.S. Comecei a ver, e sim, perdi a noção do tempo. Era uma maratona.

 

   Não sei por quantas horas fiquei vendo TV. Só me dei conta que já estava a um tempo vendo TV quando o telefone tocou. Fiz malabarismos para atender sem acordar Mandy.

 

- Alô?

 

- POR QUE, EM NOME DE TODOS OS SANTOS, VOCÊ NÃO FOI TRABALHAR?

 

   A voz estridentemente animada e revoltada me faz soltar o gancho no ar. Por pouco não acerto minha própria cabeça. Quando recuperei o controle, notei que estava até assustada.

 

- Você quer para de gritar, Cathy? – eu exclamei, quando finalmente coloquei o fone perto da boca outra vez.

 

- Eu vou dar a festa do ano, minhas melhores amigas não vêm trabalhar para eu surtar com elas, e você ainda me pede pra NÃO GRITAR?

 

  Festa? Festa em plena semana de trabalho? Epa. Alerta vermelho.

 

- É o quê? – perguntei, abismada.

 

- Uma festa, sua lerda. Se ligue, Mille! – Cathy O’Connor exclamou, e depois suspirou – Estou com Lorens. Passo aí em uma hora. Você sabe, tenho que cuidar do figurino de vocês, essa noite promete.

 

- Cathy, eu não estou entendendo nada. Aonde vai ser essa festa, e quem lhe disse que eu vou? – resmunguei, começando a ficar assustada. Pra Cathy ter convencido Lorens a ir fazer compras, as coisas estavam fora de controle.

 

- Sammuel e Matthew me deixaram dar uma festa! – ela deu um gritinho estridente enquanto eu sufocava. Acho que entalei com minha própria saliva. – Então resolvi pegar Lorens, você e Mandy para irmos comprar os vestidos, ir ao cabeleleiro e ficarmos divinas! Vamos arrasar – ela disse, orgulhosa de seus planos.

 

  Eu não conseguia falar.

 

- Mille? – ela me perguntou, agora mais séria.

 

- Cathy, eu não vou!! – declarei, assombrada.

 

- Vai sim. Claro que vai. – ela respondeu, com uma convicção assustadora.

 

- Eu. Não. Vou.

 

- Você. Vai. Sim. Você vai porque não tive todo esse trabalho para minha noite ser sem diversão!

 

- Eu não sou diversão de ninguém! Não vou a lugar nenhum.

 

- Você quer dizer que todo meu trabalho de achar um Buffet Italiano maravilhoso, uma banda que tocasse rock decentemente, uma boa iluminação e tudo mais foi à toa? NÃO MESMO! Você vai sim e não se fala mais nisso, Mille Evans!

 

  E tudo que pude ouvir foi o tumtumtum do telefone. Cathy havia desligado. Antes eu achava que estava frita.

 

    Acabei de chegar a conclusão de que na verdade estou tostada.

 

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N.A (Nota da Autora): No capítulo anterior esqueci de mencionar uma nota sobre o Bowery Ballroom. Esse bar/pub realmente existe e foi eleito por revistas como o melhor lugar de NY para se escutar músicas ao vivo. Bandas como Coldplay e Metallica já tocaram lá, e achei legal colocar um lugar assim na história. Well, é isso. Big Kisses,

Deixem reviews!

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


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Notas finais do capítulo

Cadê minhas reviews? Se continuar assim paro de postar ¬¬



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