Acordei com alguém respirando no meu pescoço e murmurando coisas inaudíveis. Irritada e assustada, tentei me mexer mas era em vão. Eu estava dormindo de conchinha com alguém que eu não sabia quem era, e recebia um abraço de urso. Sonolenta, dei uma cotovelada no estômago do indivíduo e o gemido de reprovação me acordou. Me lembrei de que Daniel tinha dito que dormiria aqui, mas não tinha imaginado que seria NA MINHA CAMA. Comigo.

– Daniel, você está me massacrando - tentei soar mal humorada, mas minhas bochechas esquentaram.

Mais um murmúrio esquisito e Daniel estava de pé. Me virei para lhe lançar um olhar reprovador mas foi impossível. Seu rosto estava marcado pelo travesseiro e sua cara de sono era hilária. Imaginei que se ele ainda estivesse de cabelo comprido, estaria um ninho. Mas seu cabelo curtinho estava bagunçado de forma perfeita.

Me levantei e sorteei algumas peças de roupa do closet, indo me trancar no banheiro logo depois. Fiz minha higiene, me troquei e saí.

Daniel já estava pronto.

– Você é um alien - murmurei enquanto calçava meus coturnos.

Ele me encarou inexpressivamente e apontou para a porta. Arqueei uma sobrancelha e ia perguntar o que ele queria quando logo meu pai bateu na porta.

– O café está pronto querida - ele disse abrindo a porta.

Congelei onde estava e olhei para tras. Daniel continuava lá como se não houvesse problema algum meu pai encontrar ele ali no meu quarto às seis da manhã e com cara de quem acabara de acordar.

– Bom dia, Caleb - ele disse amigavelmente.

– Você é o Daniel, certo? - meu pai perguntou respirando fundo.

– Sim senhor - ele respondeu com as mãos nos bolsos traseiros da calça.

– Posso saber o que fazia dormindo aqui? - meu pai perguntou sorrindo.

– Dormindo, eu acho - Daniel respondeu franzindo o cenho.

Meu pai olhou para mim desesperado. Sua cara era "me diga que ele não dormiu aqui".

– Ele dormiu aqui - dei de ombros - tem café pra três?

Meu pai fez uma cara de choro e assentiu fungando, para depois descer a escada murmurando algo que só depois entendi.

– Minha filha cresceu... - ele choramingava.

Revirei os olhos e peguei minha mochila.

– Cadê suas coisas? - perguntei sem olhar para Daniel enquanto amarrava meu cabelo num rabo de cavalo desajeitadamente torto.

– Yukina leva pra mim - ele respondeu abafando o riso do meu cabelo.

– Não ria, imbecil - rosnei - só está assim porque você dormiu emcima dele.

Ele deu de ombros e abriu a porta do quarto para descer, e logo eu o segui.

O familiar cheiro de panquecas e suco de laranja me despertou de qualquer topor pós-sono que eu tivesse. O mesmo aconteceu com Daniel, que se segurava ao máximo para não dar um ataque de fome de dragão na frente do meu pai.

– Vocês estão namorando? - perguntou meu pai de repente com uma carranca.

Daniel e eu nos entreolhamos inexpressivamente.

– Não - respondemos em uníssono e voltamos a comer.

Meu pai tentava de todas as formas descobrir o que havia entre nós. Disparava perguntas e observava cada movimento nosso. Revirei os olhos e encarei o relógio.

– Vamos, careca - chamei me levantando e pegando a mochila.

Daniel se levantou e despediu de meu pai com um aceno de cabeça.

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– Selene, eu esperava mais de você... dormindo com Daniel facinho assim, tsc tsc... - Seth ironizou durante a aula.

Bufei e bati a lapiseira na carteira, fazendo com que ficasse pontilhada de grafite.

– Vá à merda, Seth - respondi.

– Hoje vamos comprar seu vestido - Yukina bateu a mão na mesa dando ênfase à sua determinação.

– Vamos, é? - perguntei desinteressada e rabiscando a mesa.

– Sim, está empolgada? - ela perguntou animada.

– Aham - respondi.

Liam se virava para tras a cada cinco minutos para me encarar e já estava ficando… constrangedor.

– O que aquele frango acha que está fazendo? - Seth franziu o cenho e jogou uma bolinha de papel na direção de Liam.

– Ele é fofo e gosta da Selene - Yukina defendeu batendo na mão do primo.

– “Gosta da Selene” - Seth a imitou numa voz fininha.

– Você só está com raiva porque Selene não cai no seu veneno como as outras - Yukina colocou a mão na cintura, irritada.

– Ele é legal - murmurei enquanto olhava de relance Liam se virar de novo.

Mas dessa vez ele se levantou e foi em minha direção. Afundei na cadeira e fingi não ter visto.

– Péssima atriz - Seth sussurrou no meu ouvido e sorriu de lado.

Revirei os olhos.

Liam pigarreou.

– Oi - cumprimeitei casualmente.

– Oi - ele sorriu abertamente.

Ótimo. O sorriso dele não era de lado. Melhor pra mim.

– Então, eu estava pensando… o baile é amanhã, certo? - ele começou.

– Aham - respondi.

“É amanhã mesmo?”, pensei.

– Eu estava pensando se não poderíamos sair antes disso, tipo… hoje? - ele perguntou.

Encarei Liam. Ele estava falando sério? Yukina me deu uma cotovelada e sorriu.

– Ah, claro - respondi dando de ombros.

– Beleza - ele disse animado.

Jurava que a qualquer momento ele sairia pulando como uma versão masculina da Yukina.

– Passo na sua casa às 6 e vamos ao parque, pode ser? - ele dispara.

– Aham - respondi sorrindo.

Ele voltou ao seu lugar sorridente e quando Seth me olhou mal humorado, dei de ombros.

– Michele está esperando você convidá-la - comentei.

– Que a vadia morra esperando - ele resmungou.

Virei para frente e me deparei com a cena mais inimaginável do mundo: Daniel estava convidando Michele.

Tentei evitar, mas meu queixo estava quase no chão. Por que eu estava tão... irritada com isso?

Dei de ombros e voltei a rabiscar a mesa. Yukina tagarelava sem parar e me dei conta de que não sabia com quem ela iria.

– Você não conhece - ela se limitou a dizer quando perguntei e mudou de assunto.

– Certo, tudo bem - levantei as mãos em sinal de rendição.

Mas não podia negar. Estava chateada. Yukina me forçava a participar daquele evento trouxa e sequer me contava com quem iria.

Alguém bateu à porta da sala e não me virei para ver quem era quando a pessoa adentrou. A sala ficou quieta e aí sim é que fiquei curiosa. Quem seria capaz de parar aquele tendéu sem uma palavra?

– Olá, pestes - Coraline sorriu - estão liberados para resolverem assuntos pendentes em relação ao baile.

E os mortais choram de alegria. A classe entrou em euforia e agradecimentos à diretora maluca. Ouvi uma garota chorar de alívio e comentar que ainda não tinha comprado vestido. Revirei os olhos e bufei.

– Que babacas - murmurei.

– Selene, poderia me acompanhar até minha sala, por favor? - Coraline disse quando pensei que ela já tinha saído.

Os alunos não se importaram desse vez. Continuaram com suas histerias enquanto guardavam os materiais e tagarelavam. Me levantei e ignorei os olhares questionadores de Yukina e Seth. Daniel continuava de costas, como se não me conhecesse. Franzi o cenho e acompanhei minha tia e diretora.

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– Você foi coroada - Coraline disse em tom de acusação enquanto semicerrava os olhos verdes e colocava o pé minúsculo na mesa.

Ops. O pézinho na mesa era mau sinal.

Abri a boca para dizer algo em minha defesa e não consegui pensar em nada, então a fechei novamente.

– Você acha que não tem nada a ver com o que acontece lá, não é mesmo? - ela continuou e começou a balançar o pé freneticamente - pois saiba que qualquer chance de vida normal que você tinha foi ELIMINADA!

Ela bateu o carimbo num papel com um quadrado escrito “assinatura do diretor” e eu pulei de susto.

– Até mesmo suas chances de um romance tranquilo com aquele Seth foram arruinadas - ela resmungou e pegou outro papel para carimbar com força exagerada.

– Seth e eu não.. - comecei, mas ela interrompeu.

– Solara vai ficar no seu pé o tempo todo, mesmo quando você não estiver vendo-a - ela continuou - quero dizer, eles eram noivos! Noivos! E por mais que ela tenha feito algo muito feio para acabar com o noivado, ela não vai admitir que você tenha Seth.

– Mas eu não quero Seth - consegui dizer com expressão cansada e curiosa - e o que você quer dizer com noivado?

– Você quer Daniel?! - ela tirou o pé da mesa e se debruçou para me observar melhor, ignorando minha pergunta.

– NÃO! - gritei, mas minha bochecha vermelha gritava “Sardene está mentindo”.

– Sei - ela se limitou a dizer e pigarreou - enfim, vou passar a morar com você e seu pai agora.

– O quê?! - exclamei surpresa e estarrecida com a mudança de assunto.

– É o que você ouviu: vou morar com vocês - ela disse e deu de ombros - você é irresponsável demais e terei que ficar de olho em você 25 horas por dia.

Arqueei uma sobrancelha. O que aquela mulher andara fazendo a vida toda então?

– E também, aquela feiticeirinha é inocente demais por pensar que os dragões vão conseguir treinar você quando na verdade eles não sabem praticamente nada sobre nossa raça - ela continuou a tagarelar.

Será que todo mundo tinha um lado tagarela? Coraline era a ultima pessoa que eu pensara que tivesse esse lado.

– Está dizendo que vai me treinar - não foi uma pergunta.

– Estou usando meios indiretos para dizer isso, pois se seu pai descobrir eu literalmente serei morta, ouviu bem, Selene?! - ela se estressou - só pra você saber, eu nunca disse que vou treinar você, NUNCA!

Ela falou a ultima parte em alto e bom tom enquanto olhava para os lados feito uma criança pega no flagra. Como se alguém pudesse nos ouvir… Ou como se ela fosse paranóica por privacidade, o que deveria ser o caso.

– Literalmente? - sussurrei surpresa.

– Sim - ela disse com toda a certeza do mundo - você iria ficar sem titia.

Revirei os olhos. Claro. Porque minha tia era TÃO presente na minha vida, que isso faria diferença.

– Era só isso - ela finalizou carimbando o ultimo papel - pode ir pra sala ou pra casa. Não pare em lugar nenhum, mocinha, logo estarei em casa também.

“Só isso”. Era o que ela tinha a dizer pra mim?! Que aquilo era “SÓ”? Pois pra mim era muita coisa.

Suspirei e fechei a porta atras de mim. Voltei para a sala afim de pegar minhas coisas, mas estava completamente vazia.

Juntei meus materiais e voltei para casa. Era só o que eu podia fazer naquele momento, já que meu orgulho não me permitia lamentar a droga de rumo que minha vida estava tomando.