The Forest City escrita por Senjougaha


Capítulo 16
Capítulo 16 - Conectada




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A única coisa que eu queria fazer ao chegar em casa era tomar um banho e dormir. Já eram oito horas da noite e eu passara o dia todo na casa de Daniel, respondendo as infindáveis perguntas de Yukina sobre minha vida. Mas no primeiro degrau, meu pai - que sabia ser inconveniente quando queria - me barrou.
– Onde é que você pensa que vai? - ele perguntou cruzando os braços sobre o avental.
Qualquer um riria se o pai estivesse lhe dando uma bronca de avental. Mas ele não estava nada engraçado, não o MEU pai.
– Dormir? - tentei me encolhendo sob seu olhar acusador.
– Que tal me dizer onde esteve? - ele sugeriu.
Não era bem uma sugestão.
– Com meus amigos - respondi me sentando no degrau da escada, cansada.
Minha mão direita doía, mas instintivamente a coloquei sobre a nuca, como se estivesse desanuviando uma inexistente dor no pescoço. Não era algo que meu pai deveria ver, de alguma forma eu sabia disso e também de que o motivo da dor era o tapa que dei em Seth mais cedo.
– Podia ao menos me avisar antes de sair, Selene - ele resmungou desapontado.
– Me desculpe - eu respondi num muxoxo - eles me arrastaram pra passar a tarde com eles.
A expressão dele se iluminou. Eu ser arrastada pra passar a tarde com pessoas nada humanas era bom? Franzi o cenho.
– Certo... - eu disse - vou tomar banho e dormir.
Ele assentiu, me deu um beijo de boa noite e voltou a lavar a louça. Que naquela noite era minha por sinal. Mas estava com tanto sono que não pude me sentir culpada: dormi feito pedra.

– Filha, não tem aula hoje? - ouvi a voz distante de meu pai perguntar.
Abri um dos olhos e vi sua expressão confusa fitar o relógio. Teria prova de Cálculo, então precisava estar com a mente descansada, por isso quando o despertador tocara eu o desliguei para tirar mais alguns minutos de soneca. Mas já eram oito horas.
Levantei da cama num pulo e desesperada, calcei os coturnos que estavam jogados e ao mesmo tempo em que os calçava, me dirigia ao banheiro em pulos para escovar os dentes.
– Droga, droga, droga! - gritei quando a pasta de dentes caiu da escova diversas vezes.
Quando por fim ganhei a briga com a escova, peguei uma calça jeans qualquer do closet abandonado (eu odiava usar closets, por isso guardava minhas roupas preferidas em guarda-roupas convencional) e uma blusa vermelha de alcinha que estava pendurada na cabeceira da cama. Abri o guarda-roupa com pressa e peguei o cardigan que caiu aos meus pés. Seria ele mesmo.
Desci as escadas de tres em tres degraus com minha mochila pesada, peguei uma fatia de pão já com geléia, murmurando um obrigada ao meu pai, sempre preparado para meus desastres. Ele sorriu e me jogou as chaves de seu carro.
– Ah, não - gemi.
– Ah, sim - disse ele autoritário arrumando a gravata.
Não tinha muitas opções. Ou pegava o Audi TTS Coupé laranjado do papai ali e chegava atrasada ou corria pela floresta para chegar suada e MAIS atrasada ainda. Bufei e corri para a garagem do subsolo, fechando os olhos para a cor berrante do carro e dirigindo feito louca pelas ruas da cidade. Tecnicamente, aos olhos dos moradores da cidade eu literalmente era louca. Quando não era bruxa.
Dei um suspiro pesado ao estacionar a laranja berrante e minutos depois, eu entrava correndo na sala durante a aula de Cálculo. Felizmente, cheguei junto com o professor. O mundo não pareceu tão terrível por um instante, até eu me lembrar de que meu menor problema não era estar presente na prova de Cálculo. Era eu conseguir fazê-la.
Yukina me lançou um sorriso cúmplice e cara, decidi que adorava aquela garota!
– Sugiro que mantenha Selene longe da Yuki, professor - Michele disse tentando soar casual - nunca se sabe que meios ela utilizaria pra conseguir nota na sua matéria, na qual ela é péssima por sinal.
Revirei os olhos quando o professor concordou com um olhar totalmente crente no que Michele dizia. Ela estava sentada ao lado de Daniel e se agarrava ao braço dele com as unhas. Asquerosa.
– Mas a prova é em dupla - protestei.
– Faça dupla com outra pessoa, querida - Michele sorriu.
Franzi o cenho e me arrastei para a carteira de tras. Era a única cujo ocupante não tinha uma dupla além de Yukina, que agora estava sozinha e lançava olhares divididos entre assassinato e misericórdia em direção à Michele.
– Espero que seja muito bom nessa matéria - sibilei para Seth.
– Fico satisfeito em atender suas expectativas - ele sorriu equilibrando a cadeira em duas pernas.
O professor - cujo nome eu sempre tivera dificuldade para decorar e por fim, desisti - entregou as folhas da prova e com um sorriso que deveria parecer sincero, mas que foi medonho, nos desejou uma boa prova.
E Seth realmente era bom naquilo. Eu só resmungava e apontava seus erros de ortografia, mas fora isso, sua matemática era impecável.
– Definitivamente odeio você - murmurei.
– Não odeia não - ele deu um sorriso torto.
– Você escreveu meu nome errado - grunhi tomando a caneta de sua mão, o deixando atônito - é com "S" e não com "C", você é estúpido?
Ele pareceu culpado por um minuto e murmurou um pedido de desculpas, mas logo estava com seu sorriso torto de novo. Irritante.
Ao entregar a prova finalizada ao professor, Michele se enraiveceu por Daniel ainda não ter terminado. O que era uma pena porque eu teria de ficar sozinha no corredor com Seth, esperando para saber a nota DELE, porque não fiz nada naquela folha além de escrever meu próprio nome.
– Eu esperava que você fosse mais inteligente - ele resmungou.
– Isso vem do cara que não sabe escrever "incógnita"? - arqueei uma sobrancelha.
– Certo, cada um com seus defeitos - ele torceu o nariz.
Daniel saiu logo depois, sendo seguido por Michele. Aquela garota devia ser um NPC¹ do inferno.
– Vai passar em casa depois? - ele perguntou.
– Claro, só me dê o endereço, querido - Michele sorriu.
Franzi o cenho. Seth sorriu de lado preparado para ver algo inusitado.
– Desculpe, Michele, mas eu falava com Selene - Daniel se apressou em explicar - Yukina e eu a ajudamos com alguns problemas.
Ela me encarou ultrajada e como sempre, parecia que seu gloss escorreria a qualquer momento. Revirei os olhos.
– Leve Michele - eu disse - não tenho nada de importante pra resolver hoje e meu pai anda zangado por eu estar distante ultimamente.
Daniel pareceu... desapontado?
– E se nós fossemos até a sua casa hoje? - Seth sorriu como se sua ideia fosse brilhante.
Mas era péssima. Entrei em desespero e estava prestes a me apoiar em Yukina, que saíra da sala naquele instante. Mas eu já devia imaginar que ela amaria a ideia.
– Vamos pra lá, vamos! - ela bateu palmas.
Daniel me olhou, questionador.
– Está tudo bem nós irmos? - ele perguntou.
Fazer o quê lá?! Nós nunca falávamos sobre nada em especial, muito menos magia. Mas dei de ombros e todos ficaram satisfeitos com isso. Notei que até o momento, nao havia dito um "não" para Daniel. Me perguntei se conseguiria.
Suspirei e Seth me lançou um olhar estranho. Não tive tempo de perguntar o que era, pois Yukina passou o braço por cima dos meus ombros e começou a falar animadamente, perguntando no final se poderia pousar em casa.
– Claro, claro - respondi distraída, notando que Michele nos seguia.
– Sempre quis conhecer a casa da bruxa da cidade - ela disse com um sorriso amarelo e jogou os cabelos oxigenados para tras.
Não sabia que resposta escolher. A sarcástica ou a mega-sarcástica.
– Sentimos muito, Michele, mas o pai da Selene é muito seletivo em relação as pessoas que entram na casa da família - Seth disse sério.
"Definitivamente você é uma das pessoas que meu pai não gostaria que entrasse na "casa da família"", quase gritei. Mas ele fora prestativo e isso me surpreendeu. Meus olhos deviam estar arregalados, pois ele deu uma piscadela para mim.
Michele encarou nosso quarteto cômico. Uma japonesa energética e facilmente popular, dois caras lindos de morrer e uma garota sem graça com heterocromia². Caiu na risada e disse:
– Cara, vocês são ridículos.
E foi embora. "Ridícula, ridícula é você!" Senti vontade de gritar. Surpresa, me dei conta de que antes jamais me daria ao trabalho de ter alguma opinião sobre Michele ou qualquer pessoa. Não gastaria tempo me divertindo nas custas da diretora e muito menos sairia dando tapas no rosto de garotos que me sequestrassem pra amigos passarem a tarde comigo. Amigos que antes eu acharia uma perda de tempo.
Estar o tempo todo com Yukina definitivamente abalou minha estabilidade interior.
– Que carro é esse? - gritou Yukina admirada.
Gemi. Havia me esquecido da laranja berrante estacionada logo à nossa frente. Daniel e Seth balançavam a cabeça e pareciam concordar com algo enquanto rodeavam o carro.
– É a laranja berrante do meu pai - resmunguei abrindo as portas.
– Laranja legal - ouvi Daniel sussurrar e Seth riu baixinho.
Desde quando se pareciam com irmãos normais? Franzi o cenho, preocupada e os observei através do retrovisor, aproveitando a deixa para dar ré.
"É você", disse uma voz conhecida em minha cabeça.
"Você muda eles", insistiu a voz.
– Yukina? - perguntei preocupada com minha sanidade mental.
Ela gargalhou e assentiu, com os olhos brilhantes. Parecia que aquela conexão estranha com as mentes significava muito para ela, então sorri de volta, fazendo com que seu sorriso se alargasse ainda mais.
Mas o lance psíquico foi muito legal, eu tinha que confessar. Mais tarde pediria para que ela repetisse e me contasse como fazer.


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Notas finais do capítulo

NPC¹ (Non Playable Character) - um personagem de jogo, que não pode ser jogado. Como um personagem automático, sem personalidade, criado para simplesmente ficar ali e fazer quase as mesmas coisas.
Heterocromia¹ - diferença na cor dos dois olhos. Pessoas com heterocromia possuem um olho de cada cor.
Exemplo que cairia bem no caso da história: http://1.bp.blogspot.com/-SipVxNAIl3g/UwmsYV7BiII/AAAAAAAACuA/0Pl5jYqHbeQ/s1600/1.gif



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