Red Velvet escrita por Lena Saunders


Capítulo 1
Whatever




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"Dessa vez será diferente".

Eu repetia.

"Ninguém pode te ligar à eles".

Subindo degrau por degrau.

"Basta ignorá-los".

Só mais cinco degraus.

"Eu posso fazer isso. Eu posso ignorá-los".

Dois degraus.

"Dessa vez será diferente".

Olhei meu reflexo escurecido pela cor da porta envidraçada. Meu cabelo, agora castanho, parecia tão deslocado em mim quanto eu naquela nova escola. Não era um castanho achocolatado, bonito e delicado, como prometera a embalagem. Acredito que a melhor definição para ele seria cor de rato. E era assim que eu me sentia. Um rato prestes a fugir de volta para a toca. Inspirei profundamente, contei até quatro e retomei minha caminhada.

"Mas dessa vez será diferente". Puxei o capuz sobre a cabeça, tentando em vão esconder meu cabelo, e, se possível, a vergonha que eu sentia dele. Caminhei com a cabeça abaixada, olhando para os meus cadarços mal amarrados e repetindo meu mantra pessoal. "Dessa vez será diferente. Tem que ser".

Nova York era uma cidade infernal. Eu não entendia como tantas pessoas podiam ficar em lugar tão barulhento, mas era NY ou continuar com meus pais. A escolha não foi difícil

A "Academia St' Claire" para "alunos especiais" era minha única esperança. "Tudo vai ser diferente". Olhei de relance para algumas sala enquanto passava pelo corredor.

Uma menina com tinta azul no rosto estava segurando um pincel na boca e outro na mão. Ela trocava os dois com entusiasmo. Em outra sala, uma menina ruiva batia seus dedos no teclado em uma velocidade impressionante. Um garoto passou correndo por mim com um violão. Ah, música. O motivo pelo qual eu estava ali.

A curiosidade me guiou na direção em que ele viera. As salas de música eram impressionantes, como todo o resto ali. Estava quase convencida de que não havia ninguém para lá, quando ouvi o piano. Era uma melodia triste, mas tocada com perfeição. Foi difícil encontrar o pianista. Ele estava no canto da sala mais afastada, a porta fechada. Da porta eu podia ver seu cabelo negro despenteado e sua bolsa jogada de qualquer jeito no chão.

Era a cena mais bela que eu já vira. Ele certamente aprendera a tocar desde que era criança, e era gracioso em cada movimento. Repentinamente ele fechou o piano com força e se levantou brutamente. Ele usava óculos escuros, mesmo em uma sala fechada. Ele não teria me percebido de eu tivesse saído naquele momento. Mas sua mudança me pegara de surpresa e eu fiquei congelada, meus pés criando raízes. Ele se virou com um movimento rápido, como se sentisse a minha presença. Ele parecia tão nervoso agora.

– Quem é você?

Sua voz, carregada de raiva me tirou de meu topor, e eu corri. Corri como eu corria uma maratona. Corri até minhas pernas doerem e meus pulmões arderem. Parei na frente de uma sala, que, segundo a placa, era a secretaria. Esperei meus batimentos se ritmalizarem novamente, e entrei. Sem olhar para trás.

A sala de espera da secretaria era mórbida e estava vazia, a não ser pela garota loira, de unhas perfeitamente escalarte. Embora não seja a favor de esteriótipos, acredito que há sempre uma ou duas palavras que consigam resumir esteticamete toda e qualiquer pessoa. Aquela garota praticamente tinha "Barbie" tatuado na testa.

A porta ao lado dela de abriu lentamente, rangendo mais do que eu pensava ser possível. Uma moça, que deveria ter mais de vinte e cinco anos, e colocou a cabeça para fora, olhou da Barbie para mim e sorriu. Seu coque estava tão justo que era impressionante que ela ainda conseguisse sorrir de sentir dor.

– Senhorita Mahogany, que bom que já chegou! Você pode mostrar a escola para a - Ela prolongou o "a", enquanto procurava meu nome na prancheta. - senhorita Valen...

– Arabesk. - Interrompi.

– Perdão? - Ela franziu as sobrancelhas e ajustou os pequenos óculos no nariz.

– Arabesk. Meu sobrenome é Arabesk. Pode conferir.

Ela franziu ainda mais a testa e releu meu nome.

– Certo... Senhorita Arabesk. A senhorita Mahogany vai te guiar até sua sala e te acompanhar durante essa semana. Para ter certeza de que a senhorita se adaptará. Eu sou Madelaine e estarei a disposição para sanar quaisquer duvidas.

Ela deu um sorriso amarelo, daqueles que costumamos treinar no espelho. Então, caminhou até a única mesa que havia ali, e sumiu atrás do computador.

A "Senhorita Mahogany" fez um gesto para que eu a seguisse e eu fui sem quastionar. "Dessa vez vai ser diferente".

– Ela é legal. - Mahogany disse. - Ela só leva as "sugestões de conduta" da escola muito a sério. - Ela fez aspas com os dedos no ar. - Tenho certeza de que ela pode citar todos os folhetos e o manual da escola, sem gaguejar. Eu sou Khyra, a propósito. Você é?

A voz dela era suave e doce como caramelo. Tão adorável quanto a mochila rosa com bottons. Khyra Mahogany. Seu nome era abafado pela pequena voz que me acompanhava desde que descobri que me mudaria. "Dessa vez será diferente."

– Sou Astryd.

– Bem, Astryd, bem vinda ao inferno. Ou o mais próximo dele possível.

As palavras dela me surpreenderam. Para uma menina tão parecida com uma boneca, ela parecia mal humorada. Minha surpresa deve ter sido evidente, já que ela rapidamente mudou de assunto.

– Aqui é a biblioteca. Acho que os livros deixam isso bem claro, mas não custa informar. A cantina é no andar de baixo, e haja o que houver, não sente nas mesas perto da janela. Faz muito calor durante o almoço e a ultima coisa que você vai querer são manchas de suor ou marcas de queimaduras solar.

Concordei e continuei acompanhando ela pela maior parte da escola. Khyra me mostrou as salas de música, de pintura, o "cantinho criativo", a sala de informática, as quadras de esportes e o laboratorio de química.
Ela era educada e prestativa, respondendo à todas as minhas perguntas, mas era evidente que a última coisa que ela queria fazer era apresentar a escola para a novata.

– Sabe, você pode me dizer onde é a sala e eu vou sozinha.

Tentei liberá-lá da enfadonha tarefa, mas ela me olhou, quase ofendida.

– Quero dizer... - Tentei me explicar.- Você é muito prestativa, mas já te dei muito trabalho e ...

– Imagine. Eu estou acostumada. Sou sempre eu que apresento a escola.

Ela deu um sorriso melancólico e jogou os longos cabelos louros para trás dos ombros e endireitou a coluna, como se estivesse se preparando para uma palestra.

Por ser meu primeiro dia, todos os meus horários batiam com os de Khyra, e assim continuariam até eu definir exatamente quais aulas queria fazer e informar à direção.

Ao fim do sexto período ela parecia outra pessoa aos meus olhos. Além de se parecer com uma Barbie, ela era divertida, gentil, e tinha um exelente gosto musical. Conforme passávamos, todos a cumprimentavam no corredor e me perguntei qual o número exato de alunos que ela já recepcionara na escola.

– Almoce comigo. - Ela pediu.

– Claro, contanto que não seja nas mesas perto da janela...

Ela sorriu um sorriso sincero mas melancólico, enquanto seus olhos enrugavam no canto e suas covinha apareciam. Eu já estava me acostumando ao seu sorriso melancólico e cansado. Parecia ser o único que ela tinha, mas, de certa forma, combinava com seu hábito de piscar os longos cílios com forca quando estava irritada e o de estar, discretamente, sempre atenta, como se a qualquer momento alguém fosse tentar matá-la.

– Você aprende rápido, Astryd. Talvez sobreviva ao inferno, afinal.

Nós nos servimos da comida que era relativamente satisfatória e nos sentamos em uma mesa longe da janela, com mais seis adolescentes que eu nunca vira antes.

– Olá pessoinhas! Feliz segunda semana do mês para vocês!

– Para você também, Khyra. - Uma garota com brincos de pérolas respondeu. - Quem é você, querida?

– Ah, claro. Falha minha. Pessoal, essa é Astryd. Ela vai almoçar conosco hoje. Astryd, esses são Maeve, Eccho, Jade, Peter, Cora e Isaac. Não se deixe enganar, apesar da aparencia eles são adoráveis, eu juro.

Alguns fizeram sons de indignação e eu me sentei entre Khyra e a garota chamada Eccho. Enquanto almoçávamos, converssavamos e riamos, eu observei todos, como de costume.

Eccho era a pessoa mais graciosa que eu já conhecera. Cada movimento dela era delicado e parecia perfeitamente calculado, enquanto Peter brincava com a comida, desenhando formas em seu prato. Maeve era o mais próximo que eu já vira de uma dama da alta sociedade, com sua postura e maneiras impecáveis e seu colar de pérolas.

Por sorte eles não me fizeram perguntas, mas algo em seus olhares me disse que não precisavam. Embora eles fossem agradáveis, eu estava louca para sair daquela mesa e ir para algum lugar isolado. Pessoas nunca foram meu forte.

Os alunos, principalmente as meninas, começaram a cochichar. "Novos". "Talentosos". "Será que têm namoradas?" "Olhe os músculos do garoto do meio". "Lindos". "Espero que sejam solteiros". "Gostosos".

– Não acredito que aquele idiota já raptou os outros novatos. - Khyra disse, sua boa franzindo em desaprovação.

Olhei para trás, na direção em que ela apontara com o garfo, e os vi. Um garoto alto, de uniforme amassado, óculos escuros e cabelo bagunçado, como se fosse legal demais para se importar com a aparência. Junto com ele, outros adolescentes que, apesar de chamarem atenção, não eram os alvos dos burburinhos na cantina. Oh não. Os alvos eram três garotos de cabelos avermelhados, novos na escola, agindo como se estudassem ali a vida toda.

"Dessa vez será diferente."

Os alvos eram meus irmãos.


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Notas finais do capítulo

A música título é Whatever, do Oasis.
Espero que tenha gostado, sua opinião é importante para mim.
~Lena.



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